"Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
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17/7/2008 21:41
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Confesso que não conhecia a poesia de Vítor Cintra, tendo sido este livro o meu primeiro contacto com a sua obra. Mas uma coisa é o nome ligado à obra e outra a pessoa em concreto. E quantas vezes é exactamente o oposto ao que imaginamos.

No caso de Vítor Cintra não aconteceu essa circunstância. Não sei se pelo facto de o ter conhecido pessoalmente em primeiro ou se a minha imaginação anda a precisar de uma revisão.

Esperava encontrar uma poética calma, meditativa e assim de facto aconteceu.

E essa ideia do homem que está por trás do autor, e um nada tem a ver com o outro, excepto por um contaminar o outro com as suas próprias vivências e emprestar-lhe a mão para que a escrita nasça, surgiu sobretudo pelo rigor com que ergue a sua poesia.

E estamos perante um homem que nos anos sessenta do século passado andava por Moçambique, num cenário de guerra, mal tal nem havia necessidade de estar na contracapa dado que há neste livro um poema que nos diz a sua visão histórica dessa sua própria vivência. Ou seja: o homem e o autor, no caso de Vítor Cintra em concreto, em larga medida correspondem, isto apesar da imagética que desafia o leitor para múltiplas possibilidades interpretativas.

No entanto, com rigor não seria tão fácil descobrir a sua actividade profissional, a de Técnico Oficial de Contas, afinal a poesia é uma arte e toda e qualquer arte tem regras e para as subverter há que as conhecer, mas sobretudo dominar.

O rigor e a aparente facilidade com que nos surgem os seus poemas do ponto de vista meramente formal, indiciam que Vítor Cintra exerceria uma profissão onde o método é imperativo.

No fundo, nós somos o que somos, mesmo que em arte, muitas vezes, sejamos exactamente o reverso, mas, como há pouco dei a entender, não me parece ser esse o caso.

Bom, mas o curioso é que eu, que tenho a mania de que estou bem informado sobre o que se vai publicando, desconhecia a extensão da sua obra. Aliás, há pouco referi que este foi o primeiro contacto com a poesia de Vítor Cintra.

Imaginem a minha surpresa quando o autor, numa recente troca de galhardetes ou melhor: de pirraças; me revela – não, não é a tal questão da CP - que este é o seu 18.º título.

E só tenho a perguntar a mim mesmo o que tenho andado a fazer ao longo destes últimos quinze anos - o primeiro livro data de mil novecentos e noventa e quatro – para que não tenha conhecimento da sua existência.

E por quê que eu deveria ter esse conhecimento? Por algo muito simples: pela qualidade quer no aspecto do saber fazer quer pelas temáticas que aborda, sobretudo uma, uma que me diz muito.

Tem a ver com uma situação curiosa, a de ter comprado um livro, quase diria para memória futura, ou seja: para os meus filhos; e esse livro só ter sido aberto e lido por mim talvez um ano depois, tal era a ideia que tinha sobre o poeta em questão. Pois bem, cerca de novecentas páginas depois, estava rendido.

E é por aqui que começo. E isto porque escutei por diversas vezes ao longo de: “Pedaços do Meu Sentir” ecos de Miguel Torga. Sobretudo quando as temáticas abordadas têm o Homem como centro.

O olhar de Vítor Cintra, este olhar calmo que ele, em pessoa, revela – bom!, hoje talvez nem tanto – deambula pelo mundo, cria o seu espaço de liberdade criativa e expressiva.

No entanto, o poeta não se rende à vertente egoísta que a tantas vezes mencionada solidão criativa lhe acena. Não é o conforto da lareira que preconiza. Não é a gaveta tão querida a quem escreve que o seduz, antes devolve, porque disso sente imperiosa necessidade, um valor ético que a si mesmo impõe, o que do mundo o seu olhar retira.

Mas devolve essas impressões, esses, fazendo uso do termo utilizado no título, pedaços enriquecidos porque os entrega como obra de arte. E não só, esta vertente de escrita, permitam-me as imagens, é água para os lábios sequiosos dos oprimidos, é arma contra a vilania dos opressores.

Vítor Cintra não é, neste campo temático, poeta de silêncios, mas poeta que resgata ao silêncio as vozes amordaçadas, remetidas à penumbra social, elevando-as à condição de verso.

E o poema, qualquer poema, só morre se o leitor o entender. E não é por se gostar ou não gostar do poema concreto, mas pela indiferença.

Há portanto aqui matéria que urge cantar, que urge levar para as ruas da cidade, para todo e qualquer lugar onde um Homem esteja submetido ao peso dos grilhões da opressão.

Como exemplo, porque a palavra do poeta vale bem mais que a palavra do apresentador, leia-se, por exemplo, o sonetilho: “Abandono”, página 29.

Cai a chuva, forte, fria
E ao romper a madrugada
Surge, à luz do novo dia,
A criança abandonada.

O farrapo que lhe cobre
O corpinho, emagrecido,
Não servia a outro pobre,
De tão velho, tão puído.

Sem amor de pai e mãe,
Sem cuidados, sem carinho,
Sem destino, nem caminho.

Que futuro espera alguém
Tão pequeno e tão sozinho,
Co’ o descaso por vizinho.

E os poemas estão aí, entre a capa e a contracapa, que deixo para a vossa descoberta.

Mas antes de passar para a outra componente deste volume, faço aqui uma espécie de intervalo para vos chamar à atenção do poema: “Cogitação”, que se encontra na página 21. É uma autêntica preciosidade.

E adjectivo como precioso dado que o mesmo é estruturado em tetrassílabos, coisa rara na nossa poesia, mas que confere ao poema uma musicalidade deveras curiosa, sobretudo por um pormenor: parece-me que não são doze os versos, mas seis, cada um nonassilábico, mas isso ficará, por certo, no segredo dos deuses, melhor: do poeta.

Um pequeno, mas, a meu ver, interessante à parte.

Ora bem, se por um lado temos uma dimensão que denomino de consciência social, por outro temos uma outra dimensão: os afectos.

Aliás, a poética de Vítor Cintra é uma viagem entre três estágios: sentir, pensar e agir. Talvez por esta aproximação se justifique o título dado ao tomo.

Em Vítor Cintra há um recorte com um misto de esperança e de uma presença, quase diria, constante de um ente ausente.

Há uma procura de pele, de corpo, de uma simples fragrância, um olhar. Uma permanente busca de algo que o complemente, um preencher, não pelas palavras com que enforma o poema, mas com uma linguagem outra, com uma espécie de gesto que se desenha em cada dobra, esse espaço sentido, outrora habitado.

Mas, repito, há esperança, mais pelo que esta palavra significa como virtude teologal, a confiança na bondade e omnipotência de Deus, denotando desta forma uma consciência na efemeridade da nossa passagem pelo mundo.

De novo abre-se o poeta ao mundo. A tal questão ética de agir sobre o mundo está também presente neste outra dimensão deste livro.

E termino com um fragmento do poema “Brumas”, página 87:

(...)

Nascem lembranças, eivadas
De sensações adiadas
E cheiros breves, intensos,

São ilusões ansiadas,
Em desespero, guardadas
Nas brumas dos meus silêncios.

Como refere António Paiva, no prefácio a esta obra: “Entre o amor e o protesto, neste livro não há lugar à demagogia.”

Criado em: 20/5/2009 21:49
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Re: "Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
Membro de honra
Membro desde:
4/10/2006 13:50
De Amadora
Mensagens: 4098
Conheço a poesia de Vítor Cintra desde finais de 2006, e pessoalmente deste 2007. Posso afirmar que é um Poeta brilhante e também um ser humano e um amigo maravilhoso, de quem muito me orgulho em todos os sentidos.
Foi para mim uma honra enorme e uma emoção muito grande ver finalmente a poesia de Vítor Cintra ser reconhecida. Engrandeceste muito o lançamento com as palavras merecidas que lhe dirigiste. Ele realmente merece o melhor e espero agora que todos descubram o valor da sua poesia e possam aprender com esse grande Senhor!
Deixo aqui o blog onde podem descobrir um pouco do que aqui se diz:

http://umpoemadevezemquando.blogspot.com/



Criado em: 21/5/2009 9:55
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Vera Sousa Silva

Estúdio Raposa

Palavras Soltas
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Re: "Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
Novo Membro
Membro desde:
22/5/2009 10:09
De Lisboa
Mensagens: 1

Conheço o Poeta VITOR CINTRA, por um acaso do destino.
Ao ter criado um blog onde publico a poesia que leio e gosto, recebi um comentário do poeta Vítor Cintra, formando-se a partir daí o nosso primeiro contacto.

Fui conhecendo os poemas do Poeta Vítor Cintra e nada sabendo eu de poesia, apercebi-me que os poemas mereciam ser conhecidos pelo público apreciados de poesia.
Daí ter-lhe criado um blog a que dei o nome de " A POESIA DE VITOR CINTRA" onde passei a partilhar os poemas que lia e gostava com o publico amante de poesia, verificou-se que o blog foi um sucesso, pelo numero de pessoas que cativava e voltavam em busca de mais poemas,

Falei do Poeta, mas o poeta é um homem também, um ser humano maravilhoso e um amigo do qual sinto uma enorme honra em ser privilegiada com a sua amizade.

Senti-me muito feliz quando me comunicou que finalmente tinha acedido a publicar alguns dos seus poemas nesse livro “ PEDAÇOS DO MEU SENTIR “ que a todos recomendo, pois não tenho dúvidas ao afirmar que será um grande sucesso.

Parabéns à Editora “ TEMAS ORIGINAIS “, pela aposta.

Parabéns também ao Poeta Xavier Zarco, por ter descrito de forma tão sublime o grande homem que é VITOR SILVA.


Desejo ao meu querido amigo VITOR CINTRA os maiores sucessos[/i].


Isabel Valente


http://vitorcintra.blogspot.com



Anexar ficheiro:



jpg  A Poesia de Vitor Cintra.jpg (20.62 KB)
6979_4a16896e2c1a5.jpg 320X284 px

Criado em: 22/5/2009 11:16
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Re: "Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
Participativo
Membro desde:
23/4/2006 20:33
De Rio de Janeiro
Mensagens: 30
Conheço Vitor Cintra. Nunca o vi pessoalmente, mas já caminhamos juntos há alguns anos pelos blogs. Poemas e fotos de Vitor dispensam comentários. Sensibilidade sob todos os aspectos. Qualquer coisa que eu diga, tornar-se-ia redundante, diante de tudo o que foi dito!


Criado em: 24/5/2009 14:31
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Menina do Rio
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Re: "Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
Membro de honra
Membro desde:
14/5/2008 20:44
De Leiria
Mensagens: 10301
Não tenho o prazer de conhecer a sua poesia, mas vou tentar ficar atenta à mesma. Pelas referências vou desejar aprender com mais um grande poeta.
Saudações e parabéns pelo seu livro.
Vóny Ferreira

Criado em: 27/5/2009 10:37
_________________
visite o meu blog aqui...http://vonyferreira.blogspot.pt/
Vóny Ferreira
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Re: "Pedaços do Meu Sentir", de Vítor Cintra (excerto da apresentação)
Colaborador
Membro desde:
2/3/2009 14:15
De Ansião
Mensagens: 591
O livro é extraordinário, recomendo.
Como ser humano é extremamente sensivel, maravilhoso. Um Senhor como diz a Vera.
Foi para mim uma honra ter estado consigo, no lançamento de "Pedaços do meu Sentir".
Os maiores sucessos.

Beijinhos

Criado em: 27/5/2009 18:11
_________________
Luísa Simões Martins
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