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"considerações"

 
 
Os Malefícios da Rivalidade na Escola

Poucas serão as escolas em que o mestre não anime entre os alunos o espírito de emulação; aos mais atrasados apontam-se os que avançaram como marcos a atingir e ultrapassar; e aos que ocuparam os primeiros lugares servem os do fim da classe de constantes esporas que os não deixam demorar-se no caminho, cada um se vigia a si e aos outros e a si próprio apenas na medida em que se estabelece um desnível com o companheiro que tem de superar ou de evitar.
A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam.
Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores; e é certamente esta predominância dada ao espírito de batalha um dos grandes malefícios dos sistemas escolares assentes sobre a rivalidade entre os alunos; não se trata de ajudar, nem de ser ajudado, de aproveitar em comum, para benefício de todos, o que o mundo ambiente nos oferece; urge chegar primeiro e defender as suas posições; cada um trabalhará isolado, não amigo dos homens, mas receoso dos lobos; o saber e o ser não se fabricam, para eles, no acordo e na harmonia; disputam-se na luta.
Urge quanto antes alargar a reforma radical que as escolas novas fizeram triunfar na experiência; que só haja dois estímulos para o trabalho nas sulas: a comparação de cada dia com o dia anterior e com o dia futuro e o desejo de aumentar o valor, as possibilidades do grupo; por eles se terá a confiança indispensável na capacidade de realizar e a marcha irresistível da seta para o alvo; por eles também o sentido social, o hábito da cooperação, a tolerância e o amor que gera a convivência em vez de um isolamento de caverna e de uma agressividade permanente; a vitória de uma ideia de paz sobre uma ideia de guerra.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'


cruz mendes

 
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Alexis
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/09/2009 10:54  Atualizado: 30/09/2009 10:54
 Re: "considerações"
Apreciei bastante este texto que nos trouxeste de Agostinho da Silva, pois que no essencial concordo com ele. Existem porém realidades que não se podem escamotear, tais como a própria Natureza ser ela “per si” competitiva. Ora sendo nós parte integrante dela, como retirar os moldes dessa Natureza em nós, como educar no sentido de retirar um determinado tipo de competitividade, se os próprios educadores dos educadores são competitivos? Como alterar da Natureza uma das suas essências?
Um beijo Alexis






Enviado por Tópico
Ro_
Publicado: 30/09/2009 13:13  Atualizado: 30/09/2009 13:27
Membro de honra
Usuário desde: 25/09/2009
Localidade: Brasil
Mensagens: 3985
 Re: "considerações"
''Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores''

Grande verdade Alexis...

Bjinho querida!


Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 30/09/2009 16:42  Atualizado: 30/09/2009 16:45
Colaborador
Usuário desde: 19/04/2009
Localidade:
Mensagens: 4812
 Re: "considerações"
Alexis...esta escola e este saber refere-se a uma escola e a um saber, que pouco subsistem na escola de hoje; por motivos sociológicos, uns; por motivos estatísticos; porque a escola hoje já não é a escola do Agostinho da Silva, do Rómulo de Carvalho, do Virgílio Ferreira, e de tantos outros. é uma escola que tende a formar para a sociedade competitiva (que assumiu o modelo do New Public Management) para uns tantos; aos outros re(tê-los), porque não sabem o que lhes hão-de fazer. Dito isto, o que já é muito para um breve comentário, dizer que estou de acordo com a visão utópica de Agostinho da Silva, ele que era um verdadeiro pedagogo (repare-se que não disse "pedagogês" e com a intenção de quem divulgou este belo texto, e que deve estar a sentir quanto a escola de hoje se afasta destas considerações...

bjins
arfemo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/10/2009 02:07  Atualizado: 01/10/2009 02:54
 Re: "considerações"
Sempre gostei do Agostinho da Silva, um bom professor e um filosofo brilhante. Não tenho pretensões a grandes dissertações sobre o assunto. Mas tenho um grande respeito pelos professores, e um gosto quase doentio por aprender. Sempre fui pobre e estudar era a minha meta. Alexis... antes mesmo de postares este texto, tinha deixado um pequeno contributo ao que sente alguem que sempre amou o conhecimento e o esforço sobre humano que fez para aprender, lutando contra a doença, a fome e a falta de condições humanamente aceitáveis. Hoje existem outros valores... e profissionais indignos de exerceram pelos péssimos exemplos deixados em espaços publicos.


Beijo azul



Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/10/2009 15:01  Atualizado: 01/10/2009 15:01
 Re: "considerações"
Bem pertinentes as considerações de Agostinho da Silva. Mas quem (a começar pelos responsáveis pela educação neste país, pais, pedagogos, professores, alunos e tutti quanti, estão disponíveis para as levar em linha de conta?

DM


Enviado por Tópico
mim
Publicado: 02/10/2009 00:53  Atualizado: 02/10/2009 00:53
Colaborador
Usuário desde: 14/08/2008
Localidade:
Mensagens: 2857
 Re: "considerações"
A educação e a formação mais importante flui de casa, muitas vezes é mais fácil falar do que pôr em pratica para dar bons resultados! Mas estou de acordo com o texto. Tenho muitas saudades de ouvir esse grande homem “Agostinho da Silva”.

Beijos


Enviado por Tópico
mariamateus
Publicado: 02/10/2009 22:16  Atualizado: 02/10/2009 22:16
Da casa!
Usuário desde: 16/04/2009
Localidade: Vila Nova de Gaia..Porto
Mensagens: 452
 Re: "considerações"
Alexis

Não deixa de ser verdade,todo o que diz essa mensagem que passa para quem está do lado de cá da barreira. Vocês professores,têm que ter grande pulso e nervos de aço.
é a nossa juventude,que não sabe trabalhar em uníssono!

Saliente a frase que é muito boa, e realista!!

Beijo luz


Enviado por Tópico
Vergílio
Publicado: 04/10/2009 00:14  Atualizado: 04/10/2009 00:14
Colaborador
Usuário desde: 22/03/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 786
 Re: "considerações"
Aprendi tanto com colegas como com professores e isso eu transmito aos meus alunos.
Nunca consegui ser pedagogo na plenitude. Ou seja, só pegar na mão e ajudar a descobrir caminhos, mas sempre o tentei.
A competição é sinal dos tempos onde o individualismo reina...
Mas felizmente não sinto a frustração de uma dedicação inútil.