Prosas Poéticas : 

Café

 
Emerge da xícara uma espécie de consternação, um abatimento quente, enquanto ela comprime os lábios com o mesmo vigor como que aspira a fumaça lenta - própria das tardes sem retorno – e tenta sem sucesso um meio sorriso.
O conteúdo negro que lhe espia o momento parece fundir-se com suas olheiras num só terreno absurdo onde o germe da paz nunca nascerá.
Ela leva aos lábios a louça muda e uma vez ingerido o poderoso componente, dá-se ao inquietar característico dos infelizes.
Em sua mente borbulham convicções diluídas em incertezas, desejos que não se resolvem, atitudes desconhecidas que prometem mantê-la eternamente prostrada numa cadeira metálica à beira da chuva.
Um carro para e o homem acena arrancando-lhe do oco onde dormia. Veio ver a casa.
Não sabe ainda que não tem quintal.

 
Autor
Amora
Autor
 
Texto
Data
Leituras
891
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
14 pontos
14
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/10/2009 21:36  Atualizado: 08/10/2009 21:36
 Re: Café
Nas xícaras de café, também mergulho, reflito.
Texto excelente!
Parabéns Amora!
Abração
Edilson


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 08/10/2009 21:38  Atualizado: 08/10/2009 21:38
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3560
 Re: Café
...e eu a pensar que a cafeína era estimulante...de qualquer modo, ler-te tem esse efeito.

beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/10/2009 22:11  Atualizado: 08/10/2009 22:11
 Re: Café
Olá Amora!

Deixaste-me baralhado, esse fulano que chegou de carro trazia o que à pobre mulher?

O texto é enigmático e eu não encontro chave para o abrir.

Será que haverá alguma hipótese de lhe levar ao menos as incertezas.

Desta vez fiquei por tua conta Amora.

Um beijo

JLL


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 09/10/2009 01:17  Atualizado: 09/10/2009 01:17
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 17875
 Re: Café
Pareço me ver na borra de café.
Voce tem o dom não adianta! Não tem quintal foi ótimo...bjs


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/10/2009 01:17  Atualizado: 09/10/2009 01:17
 Re: Café
já reparaste que no momento que sorves o café, no gole, não pensas. antes e após, sim. no gole, não.
neste momento é que as coisas acontecem, e não se percebe. louco ou inigmático, não? queres o teu com açucar ou adoçante?

um beijo e afeto Dora.
Silveira


Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 09/10/2009 02:41  Atualizado: 09/10/2009 02:41
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: Café
Ah! Que belo instante de saborosa prosa, onde me deliciei na quietude desta madrugada de Outono...

Muito obrigado, Amora, por esta delicioso café!

Beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/10/2009 13:22  Atualizado: 09/10/2009 13:25
 Re: Café
Amora,

Poema de mudanças, de arrumações dos dias, possivelmente de troca de lugares, mas concentrado na xícara da consternação: se para alguns um bom café quente é um estímulo, aqui confunde-se com as olheiras da incerteza.

Bebi e gostei (mesmo sem quintal, na soleira da porta).

DM