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XLII

 


. façam de conta que eu não estive cá .

andava às avessas com o tempo, de quando em vez arrastava o corpo para fora do seu ninho, só para sentir no rosto a chuva miúda e saber em que mês estava. na sombra dos afectos comia gestos, desses que se dão nos contratempos, no entanto acabava sempre só, combalida, a gesticular algumas falas como quem sabe conversar. era boa em premonições, girava as mãos para fora do corpo e ar adentro lá ia adivinhando com quantos ossos se faz um coração. pouco sabia de constelações ou estrelas, da noite só conhecia a escuridão. às vezes procurava uma voz, qualquer coisa que lhe esforcasse a solidão, qualquer coisa que ao dizer o seu nome lhe devolvesse vida.
 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 06/11/2009 23:34  Atualizado: 06/11/2009 23:34
Colaborador
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 Re: XLII
..eu que me interrogo constantemente sobre com quantos dedos se faz a mão que aconchega, fez-me bem (re)ler a tecitura densa, aparentemente contraditória, deste intenso texto onde, apesar de tudo, apela à voz e não esquece a pulsão da vida...

beijo
arfemo

Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 07/11/2009 10:13  Atualizado: 07/11/2009 10:13
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8104
 Re: XLII
Quando a vida é dura assim é preciso, por vezes, mais coragem para a acender do que para a apagar. A verdade é que a solidão leva a conversas e gestos consigo mesmo,numa como duplicação do eu, uma quase loucura tão dorida e sensível que chega a pairar do lado de fora, como num espelho onde é fácil a adivinhação dos factos que lhe dizem respeito.A procura da voz, do outro, é uma constante do ser virado para a vida. Tens nos teus textos uma maturidade incrível sobre estas coisas. Beijinho Margarete

Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 07/11/2009 10:28  Atualizado: 07/11/2009 10:28
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: XLII
Que criatura (será gente?) tão peculiar.
É um LXII recheado de emoções fortes, pesadas, com e sem vida.

Que belo.

Beijo Matilde

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 07/11/2009 15:08  Atualizado: 07/11/2009 15:08
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Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: XLII para mar
visualizei um passarinho pequeno a voar enfrentando as intempéries.procura alimento. e inconsciente da vida que possui e que acrescenta a tudo que o rodeia,apenas sente a chuva nas penas...

abraço
alex

Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 08/11/2009 21:19  Atualizado: 08/11/2009 21:19
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 Re: XLII
"Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência
incerta"

de um outro tempo adocicado penetram súplicas de quem move o sentimento.de uma luz densa, que desperta o pensamento, alimentas tu os sonhos.e voas longe.nao podemos fingir a felicidade que nos rasga as vísceras e o coraçao nú.assim,ficamos nós a devorar o lume que nao nos pertence, a conduzir a carne nocturna.

Enviado por Tópico
Bruno Sousa Villar
Publicado: 10/11/2009 00:04  Atualizado: 10/11/2009 00:04
Da casa!
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Mensagens: 429
 Re: XLII
Por este texto, o meu obrigado deslumbrado.

Beijo