Poemas : 

CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)

 
"Tambor está velho de gritar
ó velho deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente
dos trópicos."

- José Craveirinha, poeta moçambicano -

"Negro é o coração
quando em desamor
reparem Deus jamais discriminou."

- Hermínio Bello de Carvalho e Pixinguinha, compositores brasileiros, no samba Protesto, Meu Amor -



Maria de Nazaré
e Maria de Angola
marcaram encontro
no mesmo altar.
Amém! Axé!
Saravá!

Uma é judia,
a outra negra:
comem e bebem
na mesma cuia.
Amém! Axé!
Saravá! Aleluia

Tantos calvários,
ai tantas cruzes,
neste meu país!
Quantos Palmares,
quantos Zumbis!

E lá vem o padre
com seu filá,
com sua estola
cheia de cores.
E lá vem o babá de orixá
com suas contas
e água-de-cheiro,
convidar Cristo e seus amigos
para uma festa lá no terreiro.

Toca sino, bate tambor.
Toca sino, bate tambor.

É fé,
é graça.
É pão,
é vinho.
É angu
e cachaça.

Amém! Axé!
Saravá! Aleluia!

Salve Marias,
cheias de raça!

______________

Hoje, 20 de novembro, é feriado nacional no Brasil. Comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra. A data coincide com a morte de Zumbi, herói dos Palmares. Palmares, no estado de Alagoas, foi um quilombo, símbolo da luta contra a escravidão negra. Zumbi seu maior herói. Este poema foi escrito já há alguns anos, para a dissertação de mestrado da hoje professora doutora Rosangela F.C. Borges (PUC, São Paulo - Universidade de Coimbra). O poema é feito em cima de uma celebração, permitida pela Santa Sé, que junta o rito católico com elementos da cultura africana. Teologicamente, dá-se a esta cerimônica o nome de inculturação. Sacerdotes católicos e de cultos africanos (babá de orixá) sobem juntos ao altar, para celebração da eucaristia. Os sacerdotes católicos usam paramentos litúrgicos coloridos, à moda dos africanos, e dançam e cantam ao som de palmas e atabaques (um tipo de tambor), sem que o texto da missa romana convencional seja alterado. Geralmente são sacerdotes afrodescendentes. É algo mais ou menos semelhante ao que fez São João de Brito nas Índias,no século XVI, que trocou o hábito jesuíta pelas vestimentas locais, com a finalidade de se fazer compreender melhor.
________________

julio




Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/11/2009 10:32  Atualizado: 20/11/2009 10:32
 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
Como na canção, do Gil eu acho, " sons diferentes para sonhos ( que deveriam) ser iguais".
Um poema excelente; e a memoria histórica anda muito boa irmão!!!
Valeu muito
Um abraço
Edilson


Enviado por Tópico
Caopoeta
Publicado: 20/11/2009 12:14  Atualizado: 20/11/2009 12:14
Colaborador
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 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
..ola amigo Julio,
quero te agradecer a informaçao,
a consciencia "humanizada" neste poema..
é caso para dizer:


"Salve Marias,
cheias de raça!"


abraço.


Enviado por Tópico
Karla Bardanza
Publicado: 20/11/2009 13:28  Atualizado: 20/11/2009 13:28
Colaborador
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Localidade:
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 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
Júlio de meu coração,

Depois de ler esse teu belo poema, só tenho uma coisa para dizer:Amém, Saravá!

Carinho grande

Karla Bardanza


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/11/2009 23:06  Atualizado: 20/11/2009 23:06
 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
Penso já ter lido este poema aqui ou noutro sítio. Um belo poema que vai às raízes da cultura (da inculturação) afro-brasileira.
Belo.

DM


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/11/2009 00:31  Atualizado: 21/11/2009 00:31
 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
Acertou mais uma num espetáculo de palavras!

Carinho e admiração,
Má.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 21/11/2009 00:36  Atualizado: 21/11/2009 00:46
 Re: CÂNTICO AFROBRASILEIRO (*)
Júlio,

li o poema. e os comentários; sigo suas palavras:

"não podemos deixar que esta data passe em branco"
"E que as cenas do passado nunca mais se repitam"

Viva Zumbi!

É fé,
é graça.
É pão,
é vinho.
É angu
e cachaça.

Amém! Axé!
Saravá! Aleluia!

Salve Marias,
cheias de raça!


Saravá irmão!
Silveira