Crónicas : 

Geração Pão com Cocada

 
Plim Plim... Salve o Ibrahim!

Quinho e Gaudéria estão na crista da onda. É primavera no Rio e as frentes frias elevam as ondas do rádio vindo das terras gaúchas, ou melhor, argentinas - do tango! Surfando na World Wide Web, pegam carona na mesma prancha que faz a felicidade da mulherada carioca com seu alisamento conhecido por “escova de chocolate”. Nos momentos de descanso, jogam frescobol de trinca nas areias de Copacabana enquanto se questionam secretamente: Será que ela me ama? Será que ele me ama? Acabam desistindo. Para que se preocupar. O time já está formado, os ingressos pagos e os dois tem que tomar as providências. Antes de cada partida, rabiscam sobre a bola suas lembranças e tristezas e os amigos aguardam pacientemente. Ninguém contesta. São os donos da bola! Jogam o jogo sujo da corda elástica presa à bola, da mão única sem respostas efetivamente possíveis. O veículo só anda para a frente e no seu curso já se sabe, atropela até presidente. Alguns dizem que é história de novela, de amores impossíveis: do grão de areia com a estrela, da concha, com o mar. Só sei que foi uma transa apenas e nada mais. Depois viraram amigos para sempre. Amor sublimado...

Quinho nasceu em Irajá mas roda desde menino pela Penha e seu curtume, onde sem medo de couro, revira freqüentemente as tumbas do passado misturando a terra dos campinhos de futebol de infância, com o cimento das lembranças enquanto ainda sonha em casar-se com um coroa rica e ser um Mayrink, já que por mais que tenha se dedicado à profissão e trabalhado feito uma rotativa, ainda não conseguiu ser pouco mais que um empregado dos Marinho. Estudou arquitetura e foi reprovado. A alma feminina era insuficiente e a masculina não podia ser revelada. Depois de tentar várias carreiras, acabou por tornar-se filósofo de botequim. Estudou Pitágoras, Maquiavel e acabou descobrindo-se um verdadeiro príncipe, filho de um Cacique de Ramos que era discípulo do palhaço Carequinha e de Euclides de Alexandria. Cresceu tomando biotônico e ficou muito alto e forte graças ao óleo de fígado de bacalhau que D. Rosa, sua mãe, lhe enfiava garganta abaixo diariamente. Hoje balança a pança alegremente e feito um Chacrinha redivivo, declara solenemente sempre que perguntado: - Eu vim para confundir, não para explicar!

Gaudéria é filha de Sansão e Dalila. Nascida e criada em Madureira, chorou junto com todo o pessoal do bicho e do samba, a morte de “Seu” Natal. Chorou também quando arrancaram umas penas da águia e fundaram a Tradição, chorou o fim do Cine Alfa, que ficava quase em frente a “Casas da Banha” e por fim chorou o fim da própria loja, ao som do chá-chá-chá e do Twist. Provou demais, escolheu demais – maria namoradeira – acabou virando “titia” e continua até hoje sonhando com o marido ideal: Louro, bonito, um Roger Moore em início de carreira estreando como Ivanhoé, uma espécie de “Lampião” inglês do tempo das cruzadas. Estudou a escrita cuneiforme com tanto afinco, que tornou-se especialista e conseguiu um emprego de agente secreta da Universal Pictures, com a missão de sabotar o incipiente cinema brasileiro, justo no momento em que este dava o seu maior ar da graça faturando alto com os filmes de Mazzaropi e Roberto Carlos.

Para azar dela, acabou derrapando e caindo numa ribanceira quando dirigia a trezentos quilômetros por hora na estrada de Santos na altura de Paraty, depois de encher o pote de “Murycana”. A queda rendeu-lhe uma tristeza sem fim, pois apesar do carro ter caído sobre um centenário pé de laranja lima logo no início do despenhadeiro, seu melhor amigo, o cãozinho pequinês “todechiko”, que ela acabara de conhecer e por quem já se apaixonara, não resistiu. Coitada, chora até hoje de saudade do animalzinho...

Depois de tanto sassaricar, já que todo mundo vive a vida num arame, Gaudéria hoje beirando os setenta (acho que ela já fez, mas prefere o sessenta e nove), não perde a ilusão e ainda tira onda do posto seis até Ipanema, como se fosse uma Leila Diniz em plena estréia de “Tem banana na banda”.

Eu nunca morei no edifício chamado Duzentos, mas daqui da minha janela no céu, dá para ver o bloco 2, último andar, onde bem perto das estrelas, Quinho e Gaudéria meus ídolos atuais, vivem num conjugado. Em sociedade tudo se sabe... Parece que eles já começam a dividir o apartamento e as glórias com um menino vestido somente de cueca, um contador de piadas e sua mãe, que antes morava em Bangu, acredito, pois todo dia pegava um ônibus da Viação Jabour. Como bom cronista, vou anotando tudo no meu “bloquinho” de recados. Vocês sabem como é... Olho vivo, porque cavalo não desce escada.

De hodômetro ligado, desejo sorte ao casal de amigos. Saibam eles que sempre estarão bem protegidos pela estrela da Varig e um Anjo não pornográfico.

Sorry, periferia.

Enquanto os cães ladram, a caravana passa...

À demain, que eu vou em frente.
“De leve”


Rudá

 
Autor
José-Rudá
 
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1932
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