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A Guerra das Letras

 
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A Guerra das Letras
by Betha Mendonça

Numa dessas manhãs onde o sol desmotivado de brilhar fica por trás das nuvens, as letras se rebelaram e começaram uma estranha discussão:

- Chega das vogais se acharem mais necessárias que a gente! Berraram exasperadas as consoantes.

- Mas, o que essas malucas estão a dizer? Indagaram supressas as vogais.

O “S” - que por falta do que fazer tinha criado toda a confusão - se curvou até ficar “s”, tão baixinho que ninguém o via.

Enquanto as brigonas continuavam a contenda, as palavras (coitadas!) é que “pagavam o pato”. Não conseguiam dar as mãos e construir textos. Era tal de: Tufjwkd nxws dmfq!Dgpujkf, geitjaçg hdfo lhtyrp. Nada se entendia!

Até os sábios dicionários explicavam significados ininteligíveis para palavras ininteligíveis. Todos os demais livros não passavam de amontoados de sons sem nem um sentido ao leitor.

Em meio ao caos literário estabelecido, não contente com o bate-boca, as letras partiram para agressão física e a verdadeira guerra se instalou.

Algumas consoantes entendendo que as vogais eram em menor número e estavam inocentes (por conhecerem o quanto era intrigueiro o “S”) passaram para o lado minoritário.

Apesar de entre as tropas de ambos os lados haver certo equilíbrio, a situação foi se agravando e os feridos se amontoavam. Muitas vírgulas foram pisoteadas, os dois pontos e as reticências foram separados. O “R” perdeu a perna e virou “P”, o “P” teve a barriga empurrada para baixo e virou “b”, o E perdeu um dente e virou “F”, o “Q” teve o rabo cortado tornou-se “O”, o “D” levou um chute no meio da barriga que divida virou “B”, o “M” teve uma perna quebrada e virou “N”.

Quando tudo parecia perdido, no meio de tanto barulho, o Alfabeto despertou dentro da Cartilha e com um grito de megafone perguntou:

- Que bagunça é essa?

Ao ouvirem a voz aborrecida do pai, as letras mais rápido que depressa, se arrastando como podiam, entram na Cartilha. Depois de levarem grande broca paterna e esclarecida a necessidade de cada letra para a formação dos vocábulos, as briguentas tiveram suas partes feridas recuperadas. Reina a paz no mundo literário.



 
Autor
Betha Mendonça
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/12/2009 14:49  Atualizado: 07/12/2009 15:04
 Re: A Guerra das Letras
Adorei a guerra. Criativa como sempre, com um potencial de escrita de A à Z e Leitor de 0 à 100 anos. Você é ótima, menina Betha.
Beijo,
Assinado,
S.


Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 07/12/2009 16:53  Atualizado: 07/12/2009 16:54
Membro de honra
Usuário desde: 29/01/2008
Localidade: Maringá-
Mensagens: 1906
 Re: A Guerra das Letras
O que eu gostaria de saber
Ninguém diz, sempre se cala
Se a fala vem das letras
Ou as letras vêem da fala

Gostei. Esta crônica deveria fazer parte de um livro do 2° ano, do ensino fundamental.

Abraços


Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 07/12/2009 19:19  Atualizado: 07/12/2009 19:19
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Usuário desde: 19/04/2009
Localidade:
Mensagens: 4812
 Re: A Guerra das Letras
Olá Betha,
que prazer me deu teu texto revolvido por estes caracteres irrequietos! sugestão bem justa o de integrar qualquer antologia do português fundamental!

bjins
arfemo


Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 28/03/2014 01:15  Atualizado: 28/03/2014 01:15
Colaborador
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Localidade: Taubaté SP
Mensagens: 10200
 Re: A Guerra das Letras
Boa noite Betha, o ego é símbolo de destruição em qualquer elemento da natureza, desde que este se execerbe em suas funções, que nos é primordial, pois é ele quem nos faz querer viver, e prosperar, mas precisa ser vigiado diuturnamente, parabéns pelo contundente enredo, MJ.