Poemas : 

Flores do Mal (4)

 
Adormece Brigitte e acorda Célia, ausentes as luzes que vestem de noite o dia que nunca se acaba. Procura no cinza do quarto circunstâncias abreviadas; segmentos dolorosos que a consciência esconde por trás da cortina do não acontecido. Sonda o corpo sob a manta e descobre-se trajada de luto, viúva de música, de vinho, de sorriso.
De olhos fechados pode ver o mundo lá fora que insiste numa normalidade que é puro desprezo: os carros em suas passarelas de asfalto; as pessoas existindo, cotidianas; a cidade agitando-se feroz como um monstro de sete braços.
Seus soluços repetem-se - como os minutos do relógio – porque a dor é o refrão da vida e os homens preferem as que não fazem perguntas.

Inventa um qualquer, estrangeiro, que lhe imprimiria um sonho nas retinas; que lhe alcançaria as mãos estendidas; que lhe concederia uma pausa na imprecisão da vida. Mas o alarme do sol lhe rouba a alegria recém nascida, põe nos seus desejos padrões do impossível e remarca para longe o amor sempre adiado.

Enterra o rosto na estampa da fronha como que para asfixiar o campo de tulipas.


 
Autor
Amora
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1585
Favoritos
3
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
36 pontos
12
0
3
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
eduardas
Publicado: 15/01/2010 17:37  Atualizado: 15/01/2010 17:37
Colaborador
Usuário desde: 19/10/2008
Localidade: Lisboa
Mensagens: 3731
 Re: Flores do Mal (4)p/Amora
Infelizmente este quotidiano está cheio de Brigittes que acordam Célias a tropeçare os rostos nas fronhas.

Levanto-me e faço vénia.

bjs
Eduarda


Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 15/01/2010 23:43  Atualizado: 15/01/2010 23:43
Membro de honra
Usuário desde: 14/05/2008
Localidade: Leiria
Mensagens: 10301
 Re: Flores do Mal (4)
Este teu texto arranha a alma de qualquer mulher
que tem consciência que muitas delas
vivem nessa clandestinidade em sofrimento atroz.
excelente, amora.
Beijinho
Vóny Ferreira


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 15/01/2010 23:50  Atualizado: 15/01/2010 23:50
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11076
 Re: Flores do Mal (4)
Dorinha,
Comentando pela riqueza das tuas próprias palavras.
"O amor sempre adiado" nestas vidas onde "a dor é o refrão da vida".
Sublime a mensagem subjacente.
Beijinhos
Nanda


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/01/2010 01:01  Atualizado: 16/01/2010 01:01
 Re: Flores do Mal (4)
Ola Amora! Prosa poética muito bem escrita. A mensagem é de uma dura e cruel realidade. Escrita irrepreensível que prende pela forma e conteúdo.

Beijo azul


Enviado por Tópico
ÔNIX
Publicado: 16/01/2010 01:24  Atualizado: 16/01/2010 01:24
Membro de honra
Usuário desde: 08/09/2009
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2683
 Re: Flores do Mal (4)
"...porque a dor é o refrão da vida e os homens preferem as que não fazem perguntas."

Um refrão que faz coro nas noites em que se sentem perdidas, e/ou esquecidas, mas que ao fim e ao cabo, sempre dá para segurar algum fio de luz, que lhes marque o início de uma nova caminhada.
Enquanto houverem fronhas disponíveis, haverá sempre a dor para alimentar um silêncio mudo

Sempre um prazer ler-te

Beijinho de boa noite


Matilde D'ônix


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 17/01/2010 19:13  Atualizado: 17/01/2010 19:13
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 17926
 Re: Flores do Mal (4)
Minha humilde amiga me deixa de calças curtas, ando correndo atras de ti, ops atras da perfeição!
Sei não perco a mão cada vez que te leio acho que nunca chego não, ah...me da a mão, please, rs!
beijo no canto da bochecha