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93

 

- babel -


. façam de conta que eu não estive cá .




[estado comum: sem braços]

depois de perder os braços, perco a cabeça e dou comigo sentado, num canto, à espera, de quê? não sei. se antes de perder os braços assim me encontrasse pensaria talvez no que lhes aconteceria se os perdesse, agora que os perdi não me parece importante pensá-lo. dois buracos no tronco. olho melhor e já lá não estão. penso como seria se ainda lá estivessem e depois de o pensar, logo depois, verifico que afinal ainda lá estão. cabe em mim uma espécie de loucura, dessas que troca os olhos e incha a língua e verte o sangue das veias. estou demente. afirmo-o. na contradicção destes pensamentos perco os anteriores e apercebo-me que afinal nunca os tive, nem aos braços. há uma espécie de inquietação, uma certa angústia, vem deste ser sozinho, coisa pouca, maior quando penso nela. é um limiar, um estar rente, um ser na margem. acreditar que ainda se é sem o ser há muito, e estar como se estivesse no fim do mundo.

[ estado incomum: sem cabeça ]

 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 27/01/2010 21:47  Atualizado: 27/01/2010 21:51
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8104
 Re: 93
Gostei muito de ler babel, e aqui encontro como que um prolongamento perfeito da sua escrita e ideias. Estou certa que ele ou ela gostará, isto é, se for possível voltar a encontrar a cabeça.
Beijinho

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/01/2010 14:59  Atualizado: 28/01/2010 15:29
 Re: 93
antes do braço o pensar (1) ou
antes do pensar o não-braço (2).
[não bracejar o pensamento
= não pensar o braço?]
a língua demora. parar aqui

Gostei, sim. É uma escrita que não é uma imitação nem uma caricatura de si mesma. E isso faz sempre muita muita falta.