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Amor Imortal

 
As covinhas tão engraçadas que lhe formavam quando o homem se presenciava, perderam-se na escuridão do vazio entre eles. Tudo no que ela tanto se esforçava em acreditar, ia rio abaixo com o seu pobre coração. Os joelhos fraquejavam, impedindo-a de se levantar. Mal conseguia focar o rosto do homem outrora tão belo. Com os olhos preenchidos com a mais límpida água de todos os mares, a mulher proferiu:
- Tu és o único que alguma vez navegou por mim. És o único que para mim existe. E o teu trabalho, jamais estará completo. Não me protegeste. Deixaste-te entrar, esquecendo do quão frágil sou. E agora que estou deveras partida, já não há solução.
Ele, tenso e com o maxilar preso de tanto o forçar, agora tremia de tanto tormento. Queria aninhá-la junto a si. Por momentos, desejava não ser assim tão exclusivo. Fez os possíveis para resistir ao seu fogoso coração, que embora inquebrável, assim o estava. Nunca amara ninguém assim. Tão inocente, tão indefesa ao seu mundo. Tão humana.
Enchendo os pulmões do ar rarefeito, tão vagabundo quanto ele, tentou falar, mas apenas um murmuro conseguiu escapar.
- Teu, sou. E sempre serei. Mas não mais te posso oferecer. Porque o ar que respiro não é o teu. O teu querer jamais me pertencerá. E por onde vagueio, não é nem nunca será o teu céu.
Ergueu aquilo que agora pesava mais de cem quilos cada. Algo dentro dele dizia que tinha, queria ficar. Mas o vento transmitido pelo bater das suas asas aclareou-lhe a mente.
Assim que se ouviu o soluço entrecortado da sua mulher, os seus pés pesaram ainda mais, cravando-se no chão. E quando deu por si, já era tarde de mais. Os seus lábios chocaram contra a sua testa. Sim, porque nunca se atreveu a mais.
Quando a mulher sentiu a sua boca, de novo a bater na sua têmpora, tudo estava bem. A paz que lhe envolveu o âmago, num impasse espalhou-se por todo o corpo.
Queria tanto que o homem parasse de a iludir. E ele também.
Assim que o vento se arvorou de novo, ele sabia que estava na altura de partir. Para sempre. As semanas passadas junto à sua humana, agora teriam que permanecer num canto da sua mente, onde nunca mais poderia chegar, onde jamais podia tocar.
Quando o homem a soltou por completo, um arrepio glacial foi inevitável e soube que tudo agora fazia parte do passado. Nada mais. Mas também nada menos. Enquanto decorava cada traço do seu perfeito semblante, lembrou-se de que tais memórias não estariam em descanso. Ela nunca mais estaria em sossego.
O homem, quando tomou rédeas das asas, forçou-se a sair dali. E quando se viu finalmente livre daquele quarto, o bafo pesou-se ainda mais no peito fazendo-o perder o equilíbrio.
Enquanto as suas entranhas gemiam, algo de extraordinário aconteceu. Aí soube que sonhava. Porque os milagres não acontecem. Tal como os anjos não existem, pensou sarcasticamente. Assistindo aos seus delírios, decidiu que não tinha solução. Levou a mão à cara para confirmar tal acto, tal alucinação.
E assim que a sentiu, tão pequenina, a escorrer-lhe pela face os seus olhos esbugalharam. E quando a tomou no dedo indicador, viu-a brilhar como uma estrela. Ordenou-se a travar e aterrou no telhado mais próximo, deixando fugir o roncar de todo o seu ser. Um rugido enquanto todas as outras pequenas estrelinhas escaparam do seu olhar. Experimentou a melhor sensação do mundo, e mesmo assim não a conseguiu apreciar, porque tal maravilha, devia-se a tão sublime pecado.
A mulher deixou-se ficar onde estava durante semanas. Não saía com medo que o assobio do vento levasse-o de vez. Afugentasse as suas memórias. Que não passavam mesmo disso.
Não cozinhava. Não queria que o cheiro do homem abandonasse o quarto. E quase não tomou banho, para que cada abraço, cada beijo no seu pálido rosto, não fossem pelo cano. As lágrimas apenas a recordavam ainda mais. Segredavam baixinho dizendo que o perdeu.
Nessa mesma noite, o vento soprou mais do que devia, acordando, salvando-a dos pesadelos. Levantou-se num pulo. Queria tanto que fosse aquelas angélicas asas que provocassem tal bafejo. Queria que fosse ele. Correu para a janela. O frio da noite abanou-a de tal maneira que os dentes bateram uns nos outros.
Mas nada. Nada. Não era ele, nem um pássaro, nem as árvores. Era o nada. Estava preenchida apenas por isso. Era isso que a sua vida se tratava. Pelo menos assim que ele se foi.
Como amava a sua existência antes de o conhecer. Tinha namorado e o seu emprego bastava para preencher o resto do dia. Quando uma noite chega a casa e vê alguém lá dentro, a primeira reacção foi atirar uma jarra. E a mesma, partiu-se provocando nenhum dano no vulto. Mas não apregoou. Não fugiu. Sabia que ele não ia fazer-lhe mal. Porém quando as suas asas abriram-se e preencheram o quarto ela não conseguiu evitar gritar. Mas ele mal se moveu. Deu passos longos, mas lentos até chegar perto dela. E assim que perscrutou o seu semblante, a mulher na imobilidade ficou. Apenas admirou tal artefacto. Não queria saber o que era. Apenas o queria. Assim que lhe disse que a sua vida estava perigo, ela mal o escutara. Estava demasiado encantada com a sua voz. Até que se apercebeu da veracidade. Do perigo da sua visita. Desde aí, ele apareceu todas as noites. E ela ansiava que ele chegasse, até apreciava o pôr-do-sol.
Deixou tudo. O namorado, o trabalho. Porque sabia que estava em perigo. Mas não considerava dessa maneira. Longe disso. As suas conversas levavam com que tudo parecesse muito melhor. Nunca chegou a saber o perigo que a rodeava. Ele também não. Apenas que tinha sido mandado e que, mesmo com a sua presença, ela continuaria em busca de auxílio, o anjo apenas se averiguava de a avisar.
Escondeu-se assim que ela veio à janela. Não podia ser visto. Não podia admitir que a cobiçava. Nem a si mesmo. Mas cada hora, minuto, segundo sem ela, foram uma tortura. E por mais espantoso que seja, as lágrimas não pararam. Todos os dias, repetiam sempre a mesma rotina, fazendo com que ele vacilasse. E já nada daquilo parecia um milagre. Apenas um pesadelo, como o dela.
Enquanto relembrava os momentos com a mulher, a sua voz agarrou-se à garganta. As lágrimas, também amainavam ao vê-la de novo. Oh Deuses, como conseguia ele estar assim? Tinha de a proteger, do que quer que fosse que a ameaçasse.
Quando toda a saudade que tinha acumulado fugiu, ela pensou rasgar o esófago com tal esganiço. O homem assustou-se quando a ouviu.
Seria assim daqui em diante? Sofreria de pura agonia para sempre? Que mais lhe restava?

O sofrimento dela ressoava-lhe na cabeça, e ele teve de dali sair. Precisava de apoio. De alguém que o pudesse salvar de tal tortura. Foi com o seu professor. Claro que ele nunca concordaria com aquilo, nunca aprovaria o que lhe ocorria.
- Mestre, diga-me que faço. – Finalizou.
- Não te julgarei, meu filho. Pois sentes algo nunca antes sentido por estes lados. Um milagre, ou um tormento. Consigo pressenti-lo. Mas não há nada que posso fazer. Conheces as regras, e nunca seria possível.
- Por ter essa noção, preciso que me retire da sua guarda. Não poderei protegê-la em estado tão crítico.
- Compreendo. Eu próprio a vigiarei.

A mulher, saiu de casa. Deu o próximo passo para a liberdade. E quando a luz lhe incendiou os olhos, nunca pensou sentir-se tão gasta. Mas o ar da pura madrugada, aclareou-lhe de tal maneira que o mundo girou num segundo. A força do vento, entrou-lhe pelo corpo, recheando-a.
Forçou-se a andar. Tinha de sair daquela prisão que o seu peito tanto quis criar. E conseguiu. Conseguiu por um minuto focar-se em algo mais. Apenas em si. Na sua existência agora recuperada. Inspirou, expirou, ouviu, viu, sentiu. Aquelas necessidades básicas que se olvidara. Estavam lá. Agora. Com ela. Começava uma nova fase na sua vida. Sabia-o. Mas não o queria.
E quando tudo parecia perfeito, algo o arruinou. Assim que abriu a porta de casa. Embora o seu começo já não existisse, não evitou a felicidade ao ver aquele anjo à sua porta.
- Tu? – Exclamou deixando a mala cair no chão. A noite era tão negra que esforçou o máximo a vista para o observar.
- Não. – Respondeu o homem, confirmando as suas suspeitas. – Sou o seu mestre. O seu criador. Sou eu quem te irá proteger.
- Não preciso de protecção. – Fechou a porta atrás de si e abaixou-se para apanhar a mala. Quando se ergueu, sobressaltou-se ao ver o anjo agora tão perto.
- Agora já não precisas.
A sua mente explodiu. Assombro, foi a sua primeira reacção. Nunca mais veria o seu homem. Alivio, foi a segunda.
- Se não preciso de protecção, então não estou em perigo. Pode ir-se.
- Não. Estás em perigo. Sempre estiveste. Mas agora, é tarde demais para seres salva.

Quando tudo estava tão claro na sua cabeça, ela não mais medo sentiu. Apenas felicidade e talvez inquietação. Não teria tempo de se despedir dos seus pais, amigos, colegas. Mas tudo, tudo para o ver de novo.
Assentiu com a cabeça para aquele anjo e fechou os olhos. Sabia que não podia danificar o seu coração. Ergueu a lâmina até ao pescoço. E quando a coragem a inundou, concentrou-se no que viria a seguir. No momento em que o reencontraria. Ele era responsável pela sua perdição e pelo seu renascimento
Quando voltou a abrir os olhos, apercebeu-se logo do fim. Não, não do fim. Mas sim do começo. O começo para além da vida. A paz. A paz que agora via, ouvia, inspirava, expirava e tocava, era muito mais poderosa do que alguma emoção que experimentou.
Assim que observou o anjo, ele fitava para além de si. E a mulher teve a audácia de lhe seguir o olhar. Mesmo que quisesse, não foi submersa pelo choque. Aquele corpo, inundado em sangue, de barriga para baixo, inerte, era seu. O seu corpo. Aquele que agora estava perdido. Aquele que agora já não mais lhe pertencia.
O que iriam todos pensar? Porque haveria ela de se suicidar?
- Vamos. – Finalizando os seus pensamentos, o anjo foi até ela.
Pegando-lhe nas mãos, fechou os olhos exibindo uma auréola em torno dos dois. E por fim, os seus pés não mais abalroaram no solo. Espantada, apreciou aquilo que nunca esperara ver em si. Tão belas, tão imensas. Tão puras. As suas asas. Ao vê-las mexer, exibindo aquele caloroso vento, queria chorar. Embora não conseguisse. Largou o anjo deixando-se sozinha, a esvoaçar até conseguir sair pela janela.
O seu homem explicara um dia que ninguém via os anjos, apenas quem deles assim necessitasse. Ou acreditasse.
Contemplando o mundo, naquela dimensão tão diferente, lembrou-se do seu amor. Iria de encontro a ele. Era o seu destino, sempre o foi.
- Ali. – Disse o aquele anjo. – Estará ali.
Quando virou a cabeça para o mirar, tinha desvanecido. Ao investigar a nuvem à sua frente, ordenou às suas asas que pairassem até lá.
E ali estava. O seu bem mais precioso. Parecia ainda mais belo do que antes, embora de costas. Estava de joelhos, com as mãos fechadas em punhos, de cabeça baixa. Praguejava algo, e embora impossível, chorava. Pingas luminosas saiam-lhe das faces rosadas. E a dor que infestou dentro dela, foi tão forte que pensou morrer uma vez mais. Inspirando com tão força, aquele ar agora tão puro, proferiu numa voz clara e muito mais bela do que antigamente.
- Aqui eu estou. Tua, sou.
Assim que aquela súplica lhe inundou os ouvidos, o homem pensou sonhar, pensou que finalmente, aquelas preces de fazer com que tudo daquilo cessasse, tivessem revertido o seu efeito. Era impossível um ser humano alguma vez chegar ali. Impossível alguém fazer tal viagem. Impossível ser a sua mulher.
Assistiu ao seu coração parar, a sua respiração já não mais estava ofegante. E, pela primeira vez na sua existência, testemunhou o mundo parar de girar.
Ela viu o quanto tenso ele ficara. E a sua cara ficou húmida, pensou ser uma simples alucinação. Ela não conseguia chorar. Ele também não.
Assim que o homem teve coragem de o semblante virar, afogou-se ainda mais na água benta do seu ente. E ali estava. Não mais frágil, não mais inocente. Mas tão pequenina e tão bela como dantes. Os seus joelhos, instantaneamente ergueram-se, mas a sua postura mantinha a sua fragilidade. Não mais afastou os olhos.
Ela, retirando todo o ar acumulado dos pulmões, aproximou-se dele. Esbugalhado, o homem não se mexia o que a assustou.
- Disse-te. Não me protegeste. Não concluíste o teu trabalho. Porque penetraste bem no fundo de mim. No entanto, salvaste-me. – Passou a mão pelo rosto dele. Não parecia acreditar. Como era possível. Só se ela estivesse… morta. Como se lhe lesse a mente, a mulher avançou mais, unindo os dois corpos. Aquele vazio que obrigava-se a estar presente foi preenchido por uma magia nunca antes assistida. – Estou aqui. Aqui para ti. Aqui para mim. Para nós.
- Não pode… - Antes que ele continuasse, ela ergueu o dedo indicador para o sobrepor àqueles perfeitos lábios.
Descobriu agora porque a tinha de a proteger. Tinha de a impedir de se apaixonar, para não desperdiçar a sua vida. Não conseguiu. E mesmo assim, não conseguia sofrer por isso. A felicidade era algo para além do imaginável.
Com receio do impacto, ela aproximou-se numa lentidão, numa tortura. Os dois esperaram tanto por aquele momento, que tudo parecia demasiado irrealizável.
Mas não, ali estava a prova. Assim que os seus lábios embebedaram os dela, nada mais existiu. E ele soube que era ali que estava destinada a estar. Aninhando-se ao seu corpo, a mulher rodeou-lhe o pescoço e o homem abraçou-a para não mais a largar. Fizeram aquele beijo durar dias, meses, anos. O tempo que fosse necessário para saciar aquela saudade. Tanto de desejo.
- Como é isto possível? – Perguntou ele contra os seus lábios.
Ela não conseguiu responder. A força que os unia não os deixava. Nunca mais o iria abandonar. E a sua vida, agora pertencia-lhe.
Sim, era isto que ela tinha a temer. O verdadeiro amor. O seu anjo. A criatura do seu ser.



Venho aqui, para me avaliar. Descobrir este talento que tanto cobiço.

Venho aqui, com todo o orgulho que as Deusas minhas caracterizadas me enviaram. Com 15 anos, quero acreditar ardentemente no meu talento. Desejo assim, mostrá-lo a todos vós.
 
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Lily-Maid
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/01/2010 21:25  Atualizado: 30/01/2010 21:25
 Re: Amor Imortal
NOSSA LILY PARABÉNS FANTASTICA HISTÓRIA,encantada...abraços
Mary


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/01/2010 22:33  Atualizado: 30/01/2010 22:33
 Re: Amor Imortal
Li todo texto com grande fascínio. li mais de que uma vez e todas elas a mesma sensação. este texto trata de forças nas quais acredito. está la tudo nada mais a acrescentar.

Edu

Enviado por Tópico
BELLAS
Publicado: 30/01/2010 23:16  Atualizado: 30/01/2010 23:16
Super Participativo
Usuário desde: 02/09/2009
Localidade: Volta Redonda
Mensagens: 160
 Re: Amor Imortal
Maravilhosa história de amor
Parabens!chorei ao ler
Não deixe nunca de escrever
com tamanha emoção

Enviado por Tópico
Liliana Jardim
Publicado: 31/01/2010 00:45  Atualizado: 31/01/2010 00:46
Usuário desde: 08/10/2007
Localidade: Caniço-Madeira
Mensagens: 4412
 Re: Amor Imortal
Ai Lily

Lindooooooooooooooooo o teu texto
Ainda não tinha lido na totalidade

Sabes que sou uma romântica e esta história de amor, tocou-me profundamente.

Tenho orgulho em seres a minha filhotinha linda.

Beijão

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 31/01/2010 00:52  Atualizado: 31/01/2010 00:52
 Re: Amor Imortal
Ola Lily

Não é á toa que existe o ditado de que filho de peixe sabe nadar. O texto está muito bem escrito e a historia é muito bela.

Parabéns e seja bem vinda a este espaço.

Beijo azul