Poemas : 

NECROLÓGIO

 
piauiense (*)
57
chamava zé

morreu de chagas (**)
na santa casa

em cova rasa
sem uma rosa
foi enterrado
no da formosa (***)

não deixou bens
não deixou filhos
e nem mulher

conforme disse
o declarante
primo distante
também josé

também qualquer
______________

(*) natural do estado do piauí, o mais pobre do brasil.

(**) doença provocada pela picada do barbeiro, inseto que frequenta as casas de barro da gente miserável do nordeste brasileiro. leva este nome por ter sido descoberta pelo médico e cientista carlos chagas.

(***) o cemitério da vila formosa, na zona leste de são paulo, é a maior necrópole da américa latina. prima pela igualdade. não há túmulos e nem mausoléus. os corpos dos hóspedes, pobres e miseráveis, são sepultados em covas rasas e identificados apenas pela cruz: homens, a cruz é azul; mulheres, cor-de-rosa.


Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 24/02/2010 11:53  Atualizado: 24/02/2010 11:53
Usuário desde: 22/08/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 3357
 Re: NECROLÓGIO
Sempre surpreendente ler-te

Beijo
c.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/02/2010 11:53  Atualizado: 24/02/2010 11:53
 Re: NECROLÓGIO
Anónimos na miséria para a sociedade.

Atribuem-lhe "ESSA IGUALDADE", NA MORTE".

Que, perante Deus, façam a diferença!

Júlio, um abraço

"Grapilho"


Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 24/02/2010 11:57  Atualizado: 24/02/2010 11:57
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Localidade: guimarães
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 Re: NECROLÓGIO
só te digo que o teu poema,poeta,é o espelho da tua sensibilidade maior.
poucas palavras,por aqui.porque toda a emoção que as tuas me provocaram,não tem tradução em qualquer língua falada.
pudesse eu responder-te em poesia.
abraço
alex



Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/02/2010 12:03  Atualizado: 24/02/2010 12:03
 Re: NECROLÓGIO
aqui é o do Caju e sem poesia. o poema de formosa é seu, é único. sem possibilidade de cova. voa.

beijo amiguirmão.




Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 24/02/2010 12:10  Atualizado: 24/02/2010 12:11
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 Re: NECROLÓGIO
Lendo o poema e o apêndice,
apetece dizer que nunca a morte foi tão democrática.

Mas esta é uma maneira dura de definir a Vida
pois existem instantes que não parece haver outra forma de a (d)escrever.

Um dia questionaram-me o motivo por que escrevia tantas vezes sobre a morte e eu posso ter muitas explicações para o fazer, mas uma delas será sem dúvida que esse será um modo de estar na Vida, mas também de elogiar/criticar essa mesma Vida.

Sei que este também é um assunto caro o amigo Júlio, mas é também por isso que trilha os caminhos da poesia.

Gostei muito deste texto, não apenas pelo conteúdo, mas talvez também por que atravesso uma fase fragilizada da minha existência.

Receba um grande abraçooo!
Abílio


Enviado por Tópico
miriade
Publicado: 24/02/2010 13:31  Atualizado: 24/02/2010 13:31
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 Re: NECROLÓGIOp/ julio
Transformar realidade cruenta em poesia, é mesmo obra de grande mestre, quero dizer: poesia que dá prazer sentir, sem contar que é didática e bem poderia fazer parte de qualquer livro de aprendizagem, e à morte poeta convive harmoniosamente com todas as classes sociais.

Beijocarinho, Lu


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/02/2010 15:28  Atualizado: 24/02/2010 15:28
 Re: NECROLÓGIO
Uma peça. Uma obra de arte que ficará bem em qualquer antologia.

Abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/02/2010 18:20  Atualizado: 24/02/2010 18:21
 Re: NECROLÓGIO
um necrológio que serve para um qualquer.
ainda bem que no cemitério "da formosa", não se distinguem os ricos dos pobres: ao menos na morte há igualdade para todos: a campa rasa e o ciclo do carbono.
pessoalmente penso que, até na diferença das cores, para o género, não seria necessária essa distinção.
a relva por cima da campa, e uma lápide ao alto, bastavam.

DM

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/02/2010 18:25  Atualizado: 24/02/2010 18:25
 Re: NECROLÓGIO
Júlio meu querido amigo,
Vc como ninguém sabe escrever e descrever as mazelas da vida, ainda q na morte. Redundância elogiar, por isso vou te dizer apenas q vc é bom demais! E pra quem não gosta de SP, vc me parece conhecê-la intimamente, muito mais do q eu que amo esse chão tão diverso e controverso.Um caso de amor e ódio.
É meu querido amigo,vc é mestre!
Carinho,
Má.