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109

 


. façam de conta que eu não estive cá .





andava por aí a semear dor nos corações. era-lhe difícil levar a boca ao peito e lamber as feridas por isso queria outras bocas, maiores que a dele, com línguas compridas; mas línguas compridas falavam muito e ele gostava de silêncio. o silêncio era-lhe uma casa, outra, mais pequena, onde de braços e pernas esticados tocava em todas as paredes. onde em bicos de pés chegava às estrelas e estas lhe ficavam presas ao cabelo. era por isso que de noite se assemelhava a uma constelação e era bom, deixar o corpo ao abandono da terra e observá-lo até adormecer. andava por aí a provocar a dor, queria fazê-la sangrar, vê-la parir, talvez para lhe resolver o mistério, descobrir-lhe um antídoto. às vezes viam-no a cruzar os braços em volta do pescoço, era flexível, vi-o tantas vezes num oito e tantas vezes o vi assim que quando assim não estava quase não o reconhecia. de manhã passava na minha rua, com o coração preso por uma trela, a dois passos do corpo nú. um dia o coração fugiu-lhe, bem vi, soltou-se e correu rua abaixo, desenfreado. soube mais tarde que morreu atropelado por um peão.


 
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Margarete
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Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 09/03/2010 22:00  Atualizado: 09/03/2010 22:38
Colaborador
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Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: 109 para mar
sim...também a mim a minha casa e os meus silêncios me são essenciais.mas tudo tem os seus prós e os seus contras.não há situações perfeitas.no entanto...quando uma vontade é forte e insistente,devemos segui-la.digo eu...mas verifico sempre antes se levo os remos comigo.para remar.sou uma louca muito sensata.rs.
tens muito em que pensar,mar.muita coisa a definir.é normal que anseies por um espaço,um tempo propício para tal.
desculpa.fui completamente pessoal e nada literária.rs.mas olha.apeteceu-me.e tu perdoas-me,porque sei que sabes que sei what is this all about.ainda assim,se não soubesse,o texto mantem milhentos outros caminhos de interpretação.porque não é só isto que contem.nunca é só isto ou aquilo.é todo um mundo.
gosto-te.tu sabes...

abraço,
alex

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/03/2010 22:17  Atualizado: 09/03/2010 22:17
 Re: 109
Margarete, que bom te ler, que intensidade em teus versos, em tuas palavras, gostei muito desse canto, ouseja desse encanto em palavras e sentidos... E semeiam sempre essa dor latente,onde o silêncio cala as feridas e cicatrizam momentos, e é assim, pulsam tanto acelerando a dor, que se soltam do próprio peito causando sua própria morte...


bjão

Enviado por Tópico
AMICI
Publicado: 09/03/2010 22:35  Atualizado: 09/03/2010 23:14
Super Participativo
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Localidade: Lisboa
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 Re: 109
Olá Margarete,

Pelos poros te saiem as palavras. Nudez de um templo intemporal onde se pressente uma música melancólica, adiada, longinqua, vibrante.

Gostei imenso
Beijinho,
Maria

Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 10/03/2010 03:11  Atualizado: 10/03/2010 03:11
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 Re: 109
Fica aqui minha admiração constante. bj