Crónicas : 

A miúda que pregava pregos numa tábua

 
A propósito do último livro de Manuel Alegre, o nosso político mais poeta que se conhece e ao qual deu o curioso título: "o miúdo que pregava pregos numa tábua", veio-me imediatamente à ideia a minha remota infância, que, numa coincidência nostálgica, me reportou no tempo ao mesmo pé de igualdade da deste miúdo do livro. Assim sendo e não pretendendo usurpar coisíssima nenhuma ao autor deste livro a não ser o que o seu título me despertou nas lembranças onde era eu a miúda que pregava pregos numa tábua.

O meu pai era marceneiro e era por ali, dentro da sua pequena oficina, que eu ficava a maior parte dos dias enquanto a minha mãe se ocupava dos trabalhos do campo a que estava obrigada.
Entretinha-me pois, a brincar com o que tinha mais à mão e o que mais poderia ser? ... se não pregos, um martelo sem orelhas pequeno e os também pequenos quadradinhos de madeira de todas as formas e tamanhos que eu descobria no meio das aparas e da serradura que cobriam todo o chão.
Pregava pregos e dedos e no fim ficava um tanto ou quanto desiludida com a minha obra final. É que tinha a mania de querer fazer em ponto pequeno o que via o meu pai fazer em tamanho grande...

Talvez um pouco fora do contexto, mas não me posso esquecer também daquele homem que de vez em quando passava à porta da oficina e assomava na soleira da porta mendigando qualquer coisinha que lhe forrasse o estômago ou lhe agasalhasse o corpo já tão castigado pelo frio do Inverno rigoroso.

Naquele tempo viam-se alguns pedintes solitários que calcorreavam antigos caminhos de cabras que só eles conheciam e que os levava de terra em terra, mendigando uma côdea de broa aqui e ali ou uma peça de roupa ou de calçado que já não servisse ou fizesse falta a ninguém, fazendo desse modo de vida a sua odisseia existencial.

Falei neste pobre homem, porque é incontornável a lembrança daquele episódio caricato e que ainda hoje é motivo de gargalhadas sempre que alguém se lembra e se fala nele.
Então dizia o homem, virando-se para o meu pai, já depois de ter morto a fome e enquanto descansava da jornada, regando o cansaço com um copito de vinho - Ó Ti Abílio, e se você me desse uma tábua e um prego para eu levar comigo e quando chegasse à minha terra a pregasse numa parede que lá há? A ver o que é que dava!...


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*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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Peço desde já desculpa pela fraca qualidade do texto que encontrarão se clicarem no segundo lik embutido no texto, com a frase: ou de calçado, mas trata-se de um dos primeiros que escrevi e embora não esteja bem escrito, penso que contém a essência do que pretendi passar com ele ao o escrever como sabia e isso é o que realmente importa.
 
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cleo
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Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 08/04/2010 13:17  Atualizado: 08/04/2010 13:17
Colaborador
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 Re: A miúda que pregava pregos numa tábua
...parece que os dias festivos se colaram em nós e pusemos memórias-ficção em dia (mistérios que o império tece...). gostei de te ler aqui e ali (no blog)sobre o Portugal real, mesmo que estejamos na época de "Os mortos viajam de metro"...

beijo cleo
arfemo

Enviado por Tópico
eduardas
Publicado: 08/04/2010 16:07  Atualizado: 08/04/2010 16:07
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 Re: A miúda que pregava pregos numa tábua
Quase parece um personagem real dum País de hoje.

bj
Eduarda

Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 08/04/2010 16:32  Atualizado: 08/04/2010 16:32
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 Re: A miúda que pregava pregos numa tábua
Li o texto com grande prazer e não concordo contigo
quando dizes que tem fraca qualidade.
Um beijo, Cleo. Ler-te é seguramente um prazer
quer seja em prosa ou poesia.
Vóny Ferreira

Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 08/04/2010 22:21  Atualizado: 08/04/2010 22:21
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 Re: A miúda que pregava pregos numa tábua/Resposta a todos
Meus amigos
O meu agradecimento pela vossa atenção dispensada a este meu texto, bem como às palavras por vós aqui deixadas.