Poemas : 

… no desalento, morri ontem

 
Não encontro as ruas do teu corpo
nem tão pouco as rugas onde te escondes
das sombras viscosas da vida.

Na deriva de açucenas boreais
acenas-me vaga-lumes de memórias,
em gestos baços onde se jubilam feras
encovadas em orbitas de algozes e carrascos.

Nos pomares de frutos empedernidos
asas de borboleta projectam-se encharcadas
e luzidias em sussurros sinistros.

Nos montes há muito que se calaram as cotovias
e as cigarras mudas entoam-se no bater das horas
dos pêndulos desajustados dos nossos dias.

Corcunda, a madrugada, rasteja-se na fuligem
aniquilada de um vento…

… no desalento, morri ontem

carcomida p’lo gorgulho e o caruncho,
no acre húmido e pardacento
do desfraldar de asas retorcidas
de pássaros decrépitos e decadentes,
tombados das pernadas arrancadas
às arvores, por si já feridas.


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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/07/2007 17:36  Atualizado: 23/07/2007 17:36
 Re: … no desalento, morri ontem
E nesse desalento, também morrí, ontem"!
Beijo, Mel.

Enviado por Tópico
Juraci Rocha Silva
Publicado: 23/07/2007 17:47  Atualizado: 23/07/2007 17:47
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Mensagens: 45
 Re: … no desalento, morri ontem
Oi Mell. Todo sentimento do mundo, tivesse esperado um pouco mais, uma luz havia de surgir no horizonte...

Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 23/07/2007 17:48  Atualizado: 23/07/2007 17:48
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Mensagens: 2489
 Re: … no desalento, morri ontem
Querida Mel
Sabes que adoro o que escreves mas sinto que em cada texto que que nos deixas morre um pouco de ti...

Um abraço grande

Tália

Enviado por Tópico
Paulo Afonso Ramos
Publicado: 23/07/2007 18:46  Atualizado: 23/07/2007 18:46
Colaborador
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Localidade: Lisboa
Mensagens: 2080
 Re: … no desalento, morri ontem
Querida Mel

É este o outro lado?
O lado negro-fusco do paraíso que te inspira?
Seja o que for... é estrondosamente poético e faz-nos desejar... mais!

... no talento, não morreste ontem

Creio até que nunca morrerás!

Beijo Eterno

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/07/2007 19:04  Atualizado: 23/07/2007 19:04
 Re: … no desalento, morri ontem
Uma espécie de poema-metamorfose, feito de densas imagens, que nos confundem numa espécie de beleza atroz o suficiente para, numa primeira impressão nos sentirmos ao mesmo tempo leitores- participantes em compaixão, e depois, fatalmente atraídos para a névoa que envolve os lugares que não conhecemos, e onde os cogumelos nascem nas fezes das feras, que afinal somos nós próprios, quase sempre.
Esta Mel, que se pressente poema a poema, cordeiro e fera, muitas vezes só borboleta que anuncia a morte, a razão primeira afinal de qualquer metamorfose, morre vezes sem conta nos escritos que lhe ensinaram os silêncios urdidos dos gatos.
Para a encontrar, procurem-na no mais vivo dos lumes-farol, guiando o caminho daqueles a quem um dia o mar bebeu a alma e navegam agora na vontade de se perderem no tempo.
Mel-poema, meu alento.

Enviado por Tópico
Le Tab
Publicado: 23/07/2007 20:30  Atualizado: 23/07/2007 20:30
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 Re: … no desalento, morri ontem
Não morras das palavras, não morras o que existe maravilhoso em ti, belo por demais para se deixar morrer. Bjs

Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 23/07/2007 21:48  Atualizado: 23/07/2007 21:48
Membro de honra
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Mensagens: 4038
 Re: … no desalento, morri ontem
E não avisas quando morres, Amiga?

Belo!

Deita fora o orgulho!

Bjs

Enviado por Tópico
Vera Sousa Silva
Publicado: 24/07/2007 13:46  Atualizado: 24/07/2007 13:46
Membro de honra
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Mensagens: 4098
 Re: … no desalento, morri ontem
Querida Mel, o poema está lindo, embora muito triste.
Confesso que morri um pouco ao lê-lo, de tão intensamente o sentir.
Minha amiga, espero que tanta tristeza não passe de poesia. Bela!

Beijo grande

Enviado por Tópico
goretidias
Publicado: 30/07/2007 18:08  Atualizado: 30/07/2007 18:08
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Mensagens: 1237
 Re: … no desalento, morri ontem
Essa madrugada corcunda assiste-nos em cada amanhecer desolado...
Excelente poema|
Bjs