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MÃO ESTENDIDA

 
 
MÃO ESTENDIDA

Como as folhas caducas
Se arremessam ao chão
No Outono
Cansadas de tantas lutas
Tanta agrura
Assim sou eu
Ainda combalido com o mundo
Que respira
Para usurpar o que é meu!

O que tenho é tão pouco...

Um naco de sol que me ilumina
Um pedaço de ar que respiro
Uma onda
Que por qualquer razão
Me fascina...
Delírio
Que antes de ser sonho
Foi paixão!

Fragmentos do coração...

Livros esquecidos no estendal do tempo
Pequenas histórias de que sou autor
Cordilheiras de ilusões...
Enormes pergaminhos de desilusões
Coleccionados pelo momento
Troncos de árvores quebrados
Vazios e obsoletos
Cadernos de apontamentos triturados
Pelos fantasmas do meu tempo.

Se houveram jardins
Cujo perfume não senti
De tão inacessíveis
O estio a erva secou
As flores nunca britaram...
Se houveram lagos
Cujo azul nunca vi
Apenas marginaram linhas de ilusão
Num diário sem palavras
Que um dia
Por ignara sapiência
Escrevi.

Se olho para uma pedra
E a chamo de minha
- Só porque ninguém a chama de sua
Fico contente.
Nessa pueril alegria
Crio versos
Dou asas à fantasia
Corro pulo grito como louco
Pela rua.

De meu
Tudo o que a imaginação me pode dar:
Uma folha de malmequer
Uma pena da ave que nunca soube voar
O cume da montanha que eu quiser!
Tudo o que o olhar abrange
Tudo o que o coração oferecer
Tertúlia de riquezas expostas numa esfinge
Que ninguém pode ver...!

Todo o pão que desejo repartido
Pelas bocas que gemem a fome
Apodrece-me no ventre
Em agonia!
Todas as lutas que travei
Todas as sepulturas que cavei
Têm gravado o meu nome
Em lápides de ironia!

Para que querem tirar-me o mundo
Se o próprio mundo não me quer?

Passo por ele -
Que ele nunca passa por mim -
Como um órfão plangente
Que busca refúgio num jardim...

Se por acaso estendo a mão
Para colher uma flor
Logo ele
Apreensivo
Arrogante
Me intimida:

- Então?! Queres o jardim?

António Casado

 
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antóniocasado
 
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Enviado por Tópico
TRIGO
Publicado: 25/04/2010 14:30  Atualizado: 25/04/2010 14:30
Colaborador
Usuário desde: 26/01/2009
Localidade: Cabeça-Boa - Torre de Moncorvo
Mensagens: 2309
 Re: MÃO ESTENDIDA
...
olá antónio

Se houveram jardins
Cujo perfume não senti
De tão inacessíveis
O estio a erva secou


Mas! Não
o perfume da tua poesia!



o meu eterno abraço


Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 25/04/2010 14:39  Atualizado: 25/04/2010 14:41
Usuário desde: 28/07/2009
Localidade:
Mensagens: 10486
 Re: MÃO ESTENDIDA
Tanta poesia bela e tamanha a imaginação, que o
Poeta Antonio não tem de que se queixar.
Acredito que a vida nem sempre é um mar de rosas
e que o Mundo é cruel, sentimos isso dia a dia no coração, mas olhar em frente e dar o passo seguinte é o melhor a fazermos.

Lindo tudo o que leio do Poeta, obrigado pelo momento de excelente leitura.

beijinho com carinho
da amiga rosa


Enviado por Tópico
MariaDeCarvalho
Publicado: 04/05/2010 08:43  Atualizado: 04/05/2010 08:43
Da casa!
Usuário desde: 11/03/2009
Localidade: Suiça
Mensagens: 421
 Re: MÃO ESTENDIDA
Gostei como sempre,
gosto da tua forma expressiva e diferente...

Muito bem escrito,
parabéns,
Maria