Textos : 

tratado às pessoas.

 


. façam de conta que eu não estive cá .









não sei quem de entre vós se acostumou a chamar-me pelo segundo nome. com o tempo perdi-me de quem de entre vós me atropelou o corpo, maldita tarde de sábado, malditos seis meses seguintes, malditas dores. esqueci-me de quem de entre vós me segredou afecto e mo atirou prontamente à cara num outra tarde, quarta-feira creio, ou seria quinta, que importa o tempo ao certo. houve quem de entre vós se erguesse, pegasse no meu corpo ao colo, me anunciasse a ida. pois digo-vos que fui, fui e bem, por aqueles caminhos que alguns de entre vós nem sequer conhecem. alguns passam simplesmente por mim como se me não conhecessem, quem afinal de entre vós me conheceu não existe, foi uma invenção minha numa tarde em que súbitamente me encontrei sem nada para fazer. há quem de entre vós me odeie, que odeie a pele, o osso, o músculo, o abandono atabalhoado de um corpo consentido. quem de entre vós julgue gostar de um resto de mim que foi quando me atiraram mundo dentro, esperavam que vos trouxesse flores, não vos trago hoje outra coisa que não terra, a única que me acolheu após a queda. falo de vós, por vós escrevo, por vós passo, entre vós me acostumo a ser-me como um cão enlaçado à perna do dono, prestes a ser esquecido. tudo por vós. quando me apercebo do que em mim nasceu, do que em mim cresce, estas nuvens todas onde me deito e deliro, delirar é a fortuna dos loucos. pois se em loucura me soubessem, se percebessem tantas vezes este pó que sucumbe as arestas limiares do rosto, se vissem que de perfil fico melhor no rebordo do retrato, se então retirassem todas as palavras do sítio onde as meti e as atirassem à minha cara - façam isso num dia de sol para as verem partir como raios para dentro da terra. quem de entre vós me matou, tantos de vós, que se encha agora mesmo de silêncio.






 
Autor
Margarete
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1586
Favoritos
2
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
21 pontos
5
0
2
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/05/2010 14:58  Atualizado: 20/05/2010 14:58
 Re: tratado às pessoas.
Margarete, que soberbo texto!
Que soberbo! De causar soberba a muita gente. A mim também mas da boa!

beijo

Enviado por Tópico
Moreno
Publicado: 20/05/2010 15:01  Atualizado: 20/05/2010 15:01
Colaborador
Usuário desde: 09/01/2009
Localidade:
Mensagens: 3482
 Re: tratado às pessoas. à mar
quem te manda andar por aí a sugar (e)moções?

beijo

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/05/2010 17:31  Atualizado: 20/05/2010 17:31
 Re: tratado às pessoas.
Tenho a declara que fui bem tratado pelo silêncio das tuas palavras que calaram bem fundo dentro de mim
bjs
nuno

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 20/05/2010 21:58  Atualizado: 20/05/2010 21:58
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: tratado às pessoas. para mar
escreves como gente grande.

alguns ainda sabem o que grande significa.

beijo,mar.

Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 20/05/2010 22:08  Atualizado: 20/05/2010 22:08
Colaborador
Usuário desde: 22/09/2008
Localidade: Ansião
Mensagens: 5058
 Re: tratado às pessoas.
Mar,

Quero-te viva e bem viva.
Registo a grandiosidade da tua escrita. E registo o sonho de poder ter comigo um livro teu, por ti autografado.
Ler-te faz-me bem, porque aprendo... constantemente.

Não, não faço silêncio. As palavras que te dedico, são para ti, guarda-as. São verdadeiras.

Beijinho