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sexta-feira. manhã.

 


. façam de conta que eu não estive cá .




acordei cedo. trago aos ombros o corpo da noite, pesado como chumbo, a noite que me revelou o castigo. talvez o abismo cerebral onde me meto mate os bichos que teimam em comer-me o sono, a que costumo dar o nome de memórias. lá do outro lado de um sono em estado semi-vivo adormeço parcialmente a pele. declaro-me culpada quando abro os braços e sinto a vida prender-me os movimentos. tu andas ocupado com as tuas gaivotas, preperar a fome no mar alto. sonhei que havia um planalto onde secavam meios pares de pernas e braços ao sol, era um sol que queimava, entrava pelos poros quase até aos ossos, fervilhava, borbulhava. sonhei que havia uma árvore dentro da encosta, falava uma língua estranha, coisas da terra hábil, contava a história dos meios pares de braços e pernas que secavam ao sol, que tinham sido cavaleiros do apocalipse, mais tarde tinham sido apenas ceifeiros. a imaginação é um laço que nos enfiam ao pescoço, eu acordei com um laço de corda no meu, bem feito, se me atirasse cama abaixo morria. mas que outra morte desejar senão esta, que outra morte querer com tamanha afeição senão esta que me consome e me persegue o corpo enlatado de revolta. sei de um abismo maior que a encosta do planalto sonhado, menos real, mais catártico. sei dele exactamente no lugar dos meus sonhos. e tu ocupado com as tuas gaivotas.





 
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Margarete
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Enviado por Tópico
Moreno
Publicado: 04/06/2010 10:23  Atualizado: 04/06/2010 10:23
Colaborador
Usuário desde: 09/01/2009
Localidade:
Mensagens: 3482
 Re: sexta-feira. manhã. à mar
olha, foda-se! nem comento.

escreve!

um beijo

Enviado por Tópico
sampaiorego
Publicado: 04/06/2010 11:10  Atualizado: 04/06/2010 11:10
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Usuário desde: 31/03/2010
Localidade: algures virado para o mar com gaivotas
Mensagens: 1147
 Re: sexta-feira. manhã.
as sextas-feiras começam de manhã. esta que estou a construir tem o nome de uma ilha – aqui. o mar é azul e as palavras livres de dor – as gaivotas nesta ilha só voam pelo fim do dia. indicam ao sol o local certo para morrer. é um local entre duas montanhas. tem uma porta que dá para um mundo real. está fechada. e a chave vive agora na barriga de uma baleia que um dia engoliu um pirata que tinha uma perna de pau e um olho. que apesar de tapado sabia todos os segredos de mim – esta ilha. que em tempos teve estrelas do mar. vive agora de boas recordações. e até o passado dos antepassados encerrado em baú de cores escuras. é hoje capa de um livro que um dia terá um novo oceano dentro de si

sampaio(r)ego

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 04/06/2010 11:30  Atualizado: 04/06/2010 11:30
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: sexta-feira. manhã. para mar
montanhas pressupõem abismos.impossível não os sentir ali tão perto,bem dentro de nós...

beijo