Poemas : 

um dia na casa amarela

 
Estou aqui
Como podia estar acolá dentro de um vaso
Numa de experimentar ser flor
Que come e bebe do que lhe dão

Podia estar na Jamaica a apanhar calor
Ou no fundo de um poço possante
A criar laços de amizade com o silêncio

Podia estar em qualquer parte do mundo
A contar anedotas num palco
Estar viciado em literatura moderna
E comer páginas inteiras para fingir que morro

Podia dizer que sou outra coisa
Para além daquilo que sou e teimo
Pedir a direcção do mar a uma gaivota
Que veio à cidade comer uns aperitivos

Podia ir mais abaixo que o fundo de mim
Verificar se por lá existe alguma porta aberta
Por onde o vento arrasta os mendigos,
Os frutos e as manhãs nucleares

Cantar o amor à janela de uma janela qualquer
Ou medir distâncias entre o passado e o futuro
Com um morto em pé
Ou fundar o amor a par da revolução que aí vem

Podia engolir a bússola que me há-de dizer
Para que lado ficam os poetas mortos
que nas mulheres fazem alegrias
Onde é que se sonha com uma perna às costas
Quem anda por aí a dizer que a verdade pariu pela boca

Podia evitar sal na comida e assim evitar poemas salgados
Cair ao chão, partir-me em quatro
E aprender como se inicia uma nova vida
Sem dar baixa nas finanças

Procurar um céu dentro do céu
Ver Deus a costurar asas aos Homens
Com o fio de uma extensa lágrima

Podia morrer de vez em quando
Para assustar o sonho e a vida
Cantar como se fosse o primeiro
A quem a morte o beijou

Podia ir à casa do Herberto H.
E falar-lhe das minhas plantações de poemas
Mas sei que o Herberto H. tem a sua plantação de poemas
Mais bem cuidada do que a minha
E está louco, mas a rir,
Porque os homens acham que a plantação faz-se na terra

Espero um dia colher bons poemas à boca de sino
E chamar os amigos cá a casa para um almoço
Dar um verso a cada um
E no final chamar o cão-poeta para fazer um bailado

Podia ser marinheiro, ideia a percorrer o mar,
Azul terra, verde céu, menino branco no colo de mãe-preta,
Podia ser grande como o Herberto H.
Ou como o Daniel
Que antes de ser livro fora árvore andante

E eu podia ser o nem tão pouco mais ou menos
Ou aquela luz que a noite roubou
Sim podia, mas a verdade é que eu estou aqui
E daqui vejo tudo a crescer
Os poemas também
Isto é,
Desde que o sol não seja em demasia
E os minhas mãos não façam tremer a paisagem
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
AnaMartins
Publicado: 28/08/2010 14:23  Atualizado: 28/08/2010 14:23
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 Re: um dia na casa amarela
E se eu nao fizer parte da tal mesa de amigos, espero ao menos ainda andar por aqui para provar os poemas que virão dessa colheita.
A tua poesia cresce a passadas de gigante. Parabéns, Flávio!

Beijo.

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 28/08/2010 14:23  Atualizado: 28/08/2010 14:23
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 Re: um dia na casa amarela para flávio
pois eu gosto de te ter aqui na "casa amarela".e se alguns outros poucos loucos que amo se forem um dia,desaparecerei também com toda a minha loucura para um outro local onde me sinta em casa.

beijo,flávio que escreve

alex

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/08/2010 14:57  Atualizado: 28/08/2010 14:57
 Re: um dia na casa amarela
Soberbo!

se cada lágrima fosse asa...já viste o que voaríamos!

grande abraço


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 28/08/2010 21:39  Atualizado: 28/08/2010 21:39
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 casa amarela ao flávio
as direcções do mar. as suas idas e voltas. por onde escapa quando o sal evacua em lágrimas. fiquei com esta ideia na cabeça.
todo o poema me prende quando o sinto cheio. e ainda agora vi passar por cá uma árvore. falei com ela. precisei-lhe as palavras. amanhã conto-te melhor.

um beijo,
mar.

Enviado por Tópico
Alberto da fonseca
Publicado: 28/08/2010 21:59  Atualizado: 28/08/2010 21:59
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 Re: um dia na casa amarela
A casa amarela.
Quantos têm medo da casa amarela, eu não tenho e a prova, a minha casa é amarela, e quando vou à varanda, passo o meu tempo a contar os malucos que passam na estrada em frente, E é giro, fazem coisas como se fossem pessoas com juizo, mas não, só no olhar,nos gestos ou por vezes nas palavras que vão gritando lá na rua, ve-se logo que os malucos, não estão nas casas amarelas.
Aqui, fugiram 50 de um manicómio, pois bem a policia já encontrou 150 e nenhum é dos que fugiram,


Gostei Flávio Abraço e bom fim de semana.

A. da fonsec