Poemas : 

Danúbio

 
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Minha inclinação ao platonismo fora descoberta,
e, quando me vi, em frente ao templo de eros,
fugi...
No tempo de voar
eu fui morar nos seus olhos morenos.

já os conhecia, é certo, das ruas da memória
ou das vielas de Budapeste, onde eu te procurava
com ávido instinto de sobrevivência.
(No tempo de transgredir a prisão da realidade).

Poeta eu sou... Não vou me contentar
em apenas reler o conto do desejo.
Quero despir a máquina dos seus sentidos;
quero verbalizar esse corpo de mulher:
em húngaro, em tcheco, em polonês,
em outras tantas línguas que inventarei quando nenhuma
puder sustentar o meu texto incorrigível,
o meu canto atrevido, insistente,
neologista.

Permaneço ginógrafo em potencial,
secando a virgindade deste seu suporte
de simbologia intensa, indecifrável,
amante de sátiros e ninfas vibrantes
caminhantes em conluios de cordões semânticos
de línguas alheias, línguas vernáculas,
impulsos que me levam a um Danúbio incendiado
onde eu vou passear os meus dedos no fogo
e molho, ansioso, a sua língua na minha,
e gravo com saliva o papel do seu corpo.

O meu conto, repetido, se inflama,
se inclina na forma de um jogo em suspense,
de um film noir,
os meus planos, montados sem nenhum caminho,
seguem no déjà vu de consumir seu vinho
não aos goles, não aos copos,
mas aos galões.

Iconoclasta eu fui quando temi a sua imagética
presença atemporal, que me despiu das horas
e instaurou no universo a nova lei do tempo:
que todo tempo será tempo de te descobrir.

Pupilas dilatadas, mãos ansiosas,
corri, entrei no templo, apaguei as luzes,
já era a hora de sorver seus fluidos suplicantes
e me imbuir do seu cheiro, com fome, com calma,
com febre que arde e aumenta em silêncio,
com o sonho de esculpir a forma original:
em crônicas, discursos, cartas, roteiros;
responder à atração dos seus olhos-espelhos
com a violência libertária dos meus olhos sequestrados.

E agora, a delirar, imagino
que escrevi sobre o seu corpo em todos os sentidos
que toquei o papel, explorei os espaços,
desatinei em seus seios, suas coxas, seus braços
cada meandro a me sugar a criatividade
e a me manter embebido, aceso, provocado,
arrepiado a contrapelo, me empurrando ao contrário
na antítese de tudo o que almeja explicar
a gênese perdida dos anseios meus,
mito que eu não pretendo... Não quero entender,
só quero reviver a cena extraviada
que na ironia estranha de algum não-desejo
jamais aconteceu.
 
Autor
pedrocavalcante
 
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