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A Noite (Hermann Hesse)

 
Tags:  AjAraujo    poeta humanista  
 
Reacende a flor na várzea,
longínqua flor da infância
que só de raro em raro ao sonhador
abre o velado cálice
e deixa ver – cópia do sol – seu interior.

Por cima das cordilheiras azuis
cega a noite vagueia
puxando sobre o seio a veste escura:
sorrindo esparze a esmo
sua dádiva – o sonho.

Curtidos pelo dia, em baixo dormem
os homens: têm os olhos
cheios de sonhos,
alguns viram o rosto suspirando
para as flores da infância
cujo aroma os atrai de leve na penumbra,
e ao severo chamado paternal do dia
confortados se alheiam.

Para o exausto, é um alívio
refugiar-se nos braços da mãe
que os cabelos do sonhador alisa
com mãos despreocupadas.

Somos crianças, logo nos fatiga o sol
- ainda que seja para nós destino e futuro sagrado –
e tombamos a cada anoitecer
pequeninos de novo no regaço da mãe,
balbuciamos palavras da infância,
palpamos o caminho do regresso às origens.

Também o pesquisador solitário
que para o vôo ao sol se propusera
vacila, também ele, à meia-noite
voltado para o ponto de partida longe.

E o que dorme, quando um pesadelo o desperta,
confusa a alma, pressente no escuro
a hesitante verdade:
toda corrida, para o sol ou para a noite,
conduz à morte, leva a novo nascimento,
dores que a alma receia.

Mas seguem todos o mesmo caminho:
todos morrem e tornam a nascer,
porque a eterna mãe
devolve-os eternamente ao dia.

Hermann Hesse, poeta e escritor alemão, In: “Pequeno Jardim", 1919.

 
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AjAraujo
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