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Na véspera de não partir nunca (Fernando Pessoa)

 
Tags:  AjAraujo    poeta humanista  
 
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Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!
Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros
Por isto tudo, ter pensado o tudo
É o ter chegado deliberadamente a nada.

Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranqüilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens! Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

Álvaro de Campos (Heterônimo de Fernando Pessoa), In: "Poemas".

Art: Face of Many Years, Tibet
ELISABETH MCGINN FINE ART
 
Autor
AjAraujo
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Enviado por Tópico
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Publicado: 07/03/2020 12:47  Atualizado: 07/03/2020 12:47
 Re: Na véspera de não partir nunca (Fernando Pessoa)
o perdido. enfim, devo dizer que já gostei muito de fernando pessoa, nomeadamente do personagem alvaro de campos, mas de facto, o mundo avançou e ele ficou para trás. perdia-se para se achar. hoje o mundo é diferente, é diferente devido à obra que nos deixou, ele e tantos outros, e ainda bem, e seria melhor se tivesse andado em vez de cento e tal anos mil e tal anos. espero que daqui a mil e tal anos seja um pouco mais sofisticado!
claro que gostei do texto. no fundo revejo-me no perdido e, não gosto nada. devíamos ter um botão para desligar o pensamento e com isso a paz, a harmonia, seria com certeza uma constante da vida. no entanto quem não pensa e não sente não tem o sistema nervoso autónomo a funcionar correctamente e isso é um problema. nos intervalos disto e daquilo vamos usufruindo disto e daquilo e tudo é que é bom.

é sempre um prazer... um bom fim-de-semana caro poeta