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A culpa não pode morrer sozinha!

 
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Olho em volta e vejo multidões reunidas à volta de fogueiras falsas, unidas por elos assustadoramente combustíveis. Cada indivíduo dá a mão enluvada ao próximo aro da cadeia e segue em frente, acorrentado. Em frente, em frente, sem se permitir olhar para trás, muito menos para o lado, para os cantos esquecidos onde caem os mais fracos.
Os aros queimam, na iminência das fogueiras falsas, mas largá-los não é opção. Do lado de fora do círculo há prados, talvez, sorrisos antigos, afectos fora de moda. Dentro do modo "viver", no horizonte interior da fatuidade do fogo artificial, os artifícios da beleza efemeramente eterna imperam e escravizam. E o tempo tem uma dimensão íntima que avassala prioridades e repugna velhas idades.
Não há que ter complacência para com quem já não pode andar. Não há que ter paciência para ouvir lições de nos salvar. Paciência custa tempo, e tempo é dinheiro. E as lições, agora, já não se aprendem na prática, há universidades que nos ensinam - para que nos serve a sabedoria empírica e a crença racional de quem já não serve a velocidade da corrente?...
E, depois, a dinâmica dos afectos mudou com os tempos, e a palavra de ordem é adaptarmo-nos aos tempos. Amar é preciso, apaixonadamente, avassaladoramente, e isso implica concentrarmo-nos - desviando-nos (filhos degenerados das raízes que nos geraram...).

Morre gente ao nosso lado todos os dias. Só.
Gente que merecia o melhor lugar no lar que nos reúne...
Mas a pior morte é a da culpa - que morre sozinha, esquecida, irreclamada, num canto qualquer da nossa consciência.


[eu, pecador(a), me confesso...]


Teresa Teixeira


 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 14/02/2011 15:51  Atualizado: 14/02/2011 15:51
 Re: A culpa não pode morrer sozinha!
Reflexão maravilhosa...atinge a alma rápidamente. Adorei, parabéns poetisa.
Bjs, ALICE


Enviado por Tópico
luciusantonius
Publicado: 14/02/2011 16:02  Atualizado: 14/02/2011 16:02
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 Re: A culpa não pode morrer sozinha!
É verdade cara amiga, a culpa morre solteira, também no que diz respeito à morte pela velhice. A culpa nunca é nossa, é sempre e toda dos outros. Será tempo de uma sociedade que se tem na conta de civilizada assumir passos que é urgente serem dados. Há sociedades que nós temos como primitivas, mas onde os velhos são reverenciados, porque neles é reconhecida a sabedoria que de facto adquiriram. Nós, ocidentais civilizados, devemos ter dado um passo em falso no tocante à fome de encarar a idade avançada. Também os poetas têm aí responsabilidades, porque tem ou são capazes de ter uma palavra sábia e fecunda a tal respeito. Daí a oportunidade da sua preciosa crónica.
Um abraço
Antonius


Enviado por Tópico
ladywhite
Publicado: 14/02/2011 16:07  Atualizado: 14/02/2011 16:07
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 Re: A culpa não pode morrer sozinha!
Uma bela reflexão um apelo urgente que clama por mais amor-amor, mais acção-doação mais ser-ser mais atenção, mais cuidado, mais presença,menos indiferença pelos nossos idosos...

Aplaudo e subscrevo este seu belo grito!

Parabéns por se importar.

Beijos

Enviado por Tópico
Angela.Rolim
Publicado: 14/02/2011 16:20  Atualizado: 14/02/2011 16:20
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 Re: A culpa não pode morrer sozinha!
Perfeito! Texto maravilhoso e cheio de sabedoria e reflexões! Um abraço!