Crónicas : 

Recordações de uma menina - Parte 1

 
Recordações de uma menina

Parte - 1

Procurei sem descanso, quis entender, conhecer e viver o amor. Desde menina, foi uma procura desgastante, talvez por ter sido emprestada aos meus amados tios, que ensinaram de uma forma intensa o amor, um tipo de amor que só quem o vive pode descrever.
Era ainda um bebê segundo eu sei, eu teria dezoito meses de vida, meu pai teve um acidente gravíssimo e minha mãe teve que o acompanhar no hospital e não restou outra forma que levar seus filhos aos padrinhos, que já eram três na altura.
Eu era a mais nova dos três filhos, muitos dizem não ser possível terem lembranças de tenra idade e eu tenho algumas, vagas mas muito nítidas, a primeira de estar num cesto de palhinha onde estava a Emilia a nova empregada da casa, sempre me levava comigo.
Lembro de minha Tia Mimi, passar por onde eu estava e fazer uma festa, mas logo retirar a chupeta e eu ficar triste com isso. Segundo a minha terceira mãe a Emilia ela ia à mercearia escondido e pegava em outra chupeta e dava escondido.
Logo senti a que era diferente dos outros, meus pais escolheram meus irmãos e eu fiquei ali, nessas lembranças eu recordo ter cerca de 4 anos e estarem meus pais para irem embora de me visitar e eu ficar a chorar por não me levarem, nunca mais esqueci esse momento na minha vida.
Claro que ali eu não estava a entender o que era mais importante o amor dos meus pais, era tão presente, que o transformei em verdadeira repulsa e negação. Não tratava minha mãe por mãe, sentia que era uma estranha, era com ela que mais me revoltei. Cresci convivendo com eles, mas cada dia menos, eu amava os meus irmãos, achava lindo, os ver a brincar, ver a sua união e alegria que pairava a sua volta. Às vezes abafava os berros de minha mãe, que eram por demais, faziam ter saudades de minha casa aquela que me viu crescer.
Por vezes ninguém sabe o dano que faz a duvida que se coloca no coração de quem um dia sentiu abandonado por aqueles que mais deviam amar e proteger. Lembro que cresci sempre com medo, medo que mandassem embora, porque eu fiz algo errado ou por alguma outra razão se cansem de mim. Crescia dentro de mim a duvida, a revolta e por vezes no silencio do meu quarto eu perguntava, onde estaria Deus e porque cargas de água ele deixou acontecer aquele acidente.
Deus sabia e muito bem, tudo estava escrito no livro da vida, mas era ainda menina e não podia entender e por conseqüência cresci sem nada me faltar, mas faltava tudo, as respostas e a verdade.
Ainda me lembro da minha escola, aquela escola com paredes em granito e pintada de branco, um lado os meninos e outro lado as meninas. Recordo com nostalgia os recreios, aqueles recreios onde podia extravasar e ser eu. Digo ser eu, pois era muito bem comportada, mas tinha outra parte que era aventureira e gostava de ir alem do que me era traçado, mas o medo bloqueava por completo, impondo limites a minha vontade e imaginação.
Lembro da minha professora, Dona Ester, uma professora boa, ensinava sem ser no espancamento, e partilhava os problemas dos meninos, fazendo que todos fossem fraternos uns com os outros. Lembro da Primavera, das roupas mais frescas que deixavam correr e brincar, dos nossos lanches coletivos.
Os Natais, como eram belos os Natais, os trabalhos que fazíamos na escola, para decorá-la, pois era só ali que alguns meninos sentiram o espírito do Natal. O frio entranhava pelo rosto, às vezes fazíamos de conta que o ar que saia da nossa boca é um cigarro e fazíamos conta que era um concurso do quem o conseguia fazer mais longe.
O cheiro era intenso e único, por vezes, permanecia ali observar da minha janela as chaminés a deitarem o fumo e imaginava a vida ali como seria. O cheiro a madeira queimada pairava pelo ar e os doces eram deliciosos, a canela, o cheiro a fritos doces e o mel.
Recordo com intensidade a minha descoberta macabra sobre o Pai Natal é que eu acreditava piamente nele e descobri um dia escondido um belo embrulho na parte falsa da secretaria do meu Padrinho. Claro que sem dar nas vistas a noite eu foi lá verificar o que era aquilo, abanei e escutei o tilintar de muitas peças uma caixa ainda significativa, com um papel lindo vermelho e alegórico ao Pai Natal. Descolo com muita paciência uma parte e olho e vejo que era uma caixa de Legos para menina.
Depressa chegou o dia e descobri que aquele era o embrulho escondido, não sei se chorei, mas tive muita vontade de chorar sim, ninguém entendia a tristeza, mas eu queria acreditar na magia do Natal e desfizeram-me os sonhos ali.




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Betimartins
 
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