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Violência Doméstica (I)

 
Saí a correr, não havia muito mais a dizer apenas muito a sentir, esbarrei-me nas escadas, tropecei, caí e conseguiste alcançar-me, agarraste-me na perna e como quem não quer saber espetaste-me dois murros, simples para quem lê complexo para quem sente. Foram dois murros na face, foram dias e dias a olhar o meu rosto no espelho.
Só uma noite, uma noite apenas e tudo se tornou nesse Inferno que passou a ser a minha casa, a nossa casa.
Quando soube que ias de férias fica radiante, o clima estava demasiado pesado, precisavamos de um tempo, talvez não me quisesses levar mas quiseste afinal nada to impedia de fazeres, sou tua mulher tu és meu marido e desde o casamento que juramos fidelidade e companhia. Assim foi, fui contigo de férias, sempre com medo, não podia esconder o medo, mesmo depois de me teres dado mil e tal sorrisos, mesmo depois de termos tido noites de amor, mesmo depois de me teres olhado com o mesmo olhar com que me olhaste quando nos casamos ou quando me pediste em casamento, eu não pude deixar de ter medo, porque o homem que me ameaçou, o homem que me esmurrou não era o homem com quem casei. Fui contigo, fui com o meu marido numa viagem longa até ao algarve de carro, quase infindável, em que ouvimos música dos tempos em que ainda sorríamos juntos mesmo quando só interesse reinava e não havia nada mais do que isso, nem amor, nem paixão, só interesse. Ficamos instalados num hotel de quatro estrelas, vivias bem, és bancário e eu sorri quando vi todas as regalias que podia ter a teu lado; foram umas férias simples, entre praia, entre saídas à noite, entre tudo e só falharam as tuas frases ditas sempre com desdém, os teus olhares frios e calculistas, a tua mania de mandar em tudo e em todos que caiu sobre mim e me fez sentir tua escrava, escrava do teu poder. Fazia tudo o que tu querias, tudo para não sofrer, tudo para não estragar o que tinhamos construído até ali, foi tudo tão belo e tão lindo que eu não conseguia pensar em acabar com algo assim tão maravilhoso.
Respirei de alívio quando soube que iríamos regressar a casa, afinal eras um homem demasiado ocupado para conseguires ter umas férias sossegadas, uma viagem de regresso que fez com que entendesse que eramos apenas dois desconhecidos.
Quando chegamos a casa eu pousei as bagagens, subi as escadas, despi-me para o tão esperado banho relaxante depois de tantas horas de viagem, tu entraste na casa-de-banho e disseste "Hoje quero ter sexo contigo" e eu olhei-te durante os minutos seguintes sem perceber o que me querias dizer porque tu sabias que eu apenas sabia fazer amor; tu repetiste "hoje quero ter sexo contigo,já" e eu nada pude fazer quando me agarraste me encostaste à parede e sem compaixão me penetraste mesmo ouvindo as minhas lágrimas, mesmo ouvindo os meus silêncios de dor, tu rias alto como nunca te ouvi rir e no final deste-me dois estalos, empurraste-me contra a banheira e disseste "Lava-te! Lava-te por eu não quero cheirar-me em ti".
Eu não te conheço, eu não sei quem tu és, tu já não és o meu marido e eu não sei se conseguirei suportar isto muito mais tempo, é difícil, amo-te demais e se te disser que ficamos por aqui eu sei que o que me espera talvez seja uma valente porrada, tenho medo, muito medo de acabar com isto. Parece simples pegar nas minhas coisas e ir embora, não temos filhos mas eu também não tenho pais, sou órfã, nós temos uma vida em conjunto, tu és bancário e eu nunca trabalhei . Tenho medo de começar a minha vida, tenho receio de sair daqui desta casa onde sempre me fui.
Para onde é que vou?


. façam de conta que eu não estive cá .

 
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Margarete
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