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Memórias de um pastor

 
Memórias de um pastor

Conheci um pastor já velhinho, mas como o conheci me chamou atenção, foi em plena cidade longe do montes e pastos. Um dia ele bateu na minha porta e pediu um prato de comida, apenas uns pratos de comida, um homem já bastante idoso.
Tinha uma boa aparência, limpo, educado com uma característica de uma humildade total, ele me encantou com seus olhos fortes de cor de mel, tinham uma profundidade que quase se podia ver sua alma, aquela pureza de alma. Não resisti e mandei entrar, pedia ajuda a minha filha e foi fazer algo quente para ele, de forma muito educada ele entrou e logo tirou seu boné de lã, agradecendo e desculpando-se pelo trabalho que estava a dar.
Estava magro, debilitado pela vida severa que levou, comeu de uma forma prazenteira, dava gosto o ver comer, aos poucos as cores rosadas no pálido rosto voltaram. Respirou fundo quando acabou e estranhei pelo seu gesto e silêncio, perguntei que ele estava a fazer, respondeu que agradecendo e pedindo proteção aquele lar.
Confesso que senti alivio conforto, queria o cravar de perguntas, mas algo me mandava ficar calada não era a hora de fazê-lo e que ainda o ia ver muitas vezes.
Agradecido ele foi embora e eu fiquei pensativa naquele velhinho simpático, seria que não tinha família?Ninguém na sua vida e pensei cá para mim é triste chegar a este fim da vida, repleto de solidão.
Os dias passaram e esqueci-me dele, por momentos escuto bater na porta suavemente, mas não ligo quem quer que seja que bata com força não sou obrigada a escutar. Senti uma angustia um arrependimento e lembrei-me por que, se fosse aquele velhinho simpático que apenas pedia comida?
Corri na porta, abri, ele já ia, na calçado embora cabisbaixo e triste, reparei que mancando bastante, corri atrás dele e trouxe para casa, devagar ele entrou, enquanto preparava uma refeição quente, reparei que ele estava mal vestido e com frio, tinham-lhe roubado a roupa toda, os dependente de drogas, para vender na feira do entulho.
Por momentos meu coração derreteu em tanta ternura que senti dele perguntei por que ele estava sozinho, ele respondeu-me calmamente.
Eu muito jovem fui por estas terras fora, meus pais eram pobres, éramos muitos irmãos e eles não tinham que dar de comer, um dia passou um vendedor de tralhas e me levou com ele para as terras de Nossa Senhora de Fátima que tinha lá um irmão com muitas cabras. Trabalhei todos aqueles anos, descontado para a segurança social, do meu pobre salário, dormi ao relento, a chuva, comi restos de comida, passei muita fome, foi atacado por lobos e salvo por meus amigos cães que não me deixaram trazer, enterrei alguns, outros viveram alem das suas probabilidades, foram os meus melhores amigos.
A minha pobreza era tanta que nem sabia o que era o conforto de uma casa, de um natal com a família, uma páscoa, nada apenas nada, não sabia sequer quando fazia anos, pois nem mais a minha identificação a tinha estragava com as chuvas e o sol demasiado quente, apenas tinha meu casaco velho e pesado, mas que aquecia nas noites frias e dias frios. O meu cajado que era minha arma para as minhas pernas cansadas e doridas, alguns pertences mais e apenas a minha solidão, para trás o curral que era a minha casa quando voltava com as cabras. Um dia quis voltar para a terra e voltei sem nada, sem dinheiro, sem direito a reforma que não pagaram meus descontos e agora sou apenas um pedinte e vivo da boa vontade das pessoas. O jornal da minha cidade publicou toda a minha historia, mas não mudou em nada! Apenas vivo da boa vontade de cada um...
Denotei alguma tristeza e magoa nas suas palavras, era agradecido, à vida sim ele o fazia frisar na sua fé, homem que falava sabiamente, palavras generosas, mas seguras e certas do que recebeu da vida.
Logo voltou a sumir voltando a reaparecer mais tarde dois meses mais tarde mais doente e cansado. Foi internado, pois deram com ele, desfalecido na rua, tiveram que amputar um dedo do seu pé e mandaram de volta ao casebre que morava ou apenas dormia.
De novo foi roubado, vizinhos ajudaram a arranjar roupa, eu levava a guardava a sua roupa ate ele ter onde a guardar em lugar seguro.
Recordo a sua última visita, foi com ele tomar um café ao lado da minha casa, debilitado, andando com bastante dificuldade, chegou o momento de nos separar, eu sabia que era a última vez que iria o ver e ele também.
Mesmo não querendo as lagrimas desataram a correr dos meus olhos, ele olhou-me fixamente, até as profundezas da minha alma a,despindo, sentia invadida no meu ser, olhava-me sem falar e as lagrimas fugiam delicadamente dos meus olhos.
Agradecendo a sua passagem na minha vida e eu ali, com as minhas pernas bambas, tremendo de dor, era como se meu avo fosse embora meu pai sei, lá, era parte de mim que ia fugir.
Pediu-me permissão para me abraçar, abraçou-me, deixando-me sentir uma paz, uma paz que nunca havia sentido, pegou em minhas mãos e baixinho segredou-me:
- Na hora que eu partir, eu vou-me lembrar do amor que recebi de ti e o levo bem guardado na minha alma para junto do Pai.
Revoltada comigo eu fiquei vendo ele se afastar, que eu podia fazer ali, para mudar algo que ninguém com mais poder que eu nuca fez nada e mudaram nada. Naquela noite agradeci a Deus pedindo por ele, soube dias depois pelo aperto que sentia em meu peito a sua partida.







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Betimartins
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 27/04/2011 15:50  Atualizado: 27/04/2011 15:50
 Re: Memórias de um pastor
UM INTERESSÁANTE POEMA DEIXO MEU ABRAÇO.

MARTISNS

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/05/2011 16:17  Atualizado: 02/05/2011 16:17
 Re: Memórias de um pastor
belas palavras adorei seu poema!