Poemas : 

Sonhos, de passagem

 
A vida vai passando,
não tão lentamente como desejaria;
Os cabelos brancos aumentam,
deixando adivinhar o começo
do fim;
Na verdade, as etapas vão-se cumprindo,
numa sucessão de momentos felizes,
ansiedade,
busca de coisas novas,
sonhos que não chegaram a acordar;
De tudo guardo um pouco,
para tentar construir um sentido
que me possa dar tranquilidade
ao espírito;

Se algumas coisas pude viver,
outras não passaram de meras
expectativas frustadas;
Se algumas vezes me senti rodeado
de calor humano,
em outras me afundei
na mais profunda solidão;

E quando tudo parecia não ter
mais sentido,
sempre consegui algo novo
que me ajudasse a iluminar
o caminho;

Caminho... cruzado...
onde me cruzei com luzes
de esperança
e trevas marcadas
pela derrota;

Caminho... confuso...
de ida sem parecer ter volta,
de volta sem nunca ter partido;

Caminho... vazio...
de tudo o que ficou
por fazer;

Caminho... concreto...
bem longe do imaginário
de sonhos vividos
a sós;


A vida vai passando...
rapidamente,
com dias de certezas - ontem
com dias de talvez - amanhã
já que Hoje
é o meu poema concreto,
confuso, talvez... vazio;

A vida vai passando...
não sem que tempo e espaço
se reunam
para acolher a lágrima
que teima em sair
quando, ao olhar para trás,
já não me vejo
num banco de jardim
olhando as flores
que a Primavera viu nascer;

E, em pleno Outono,
não minto,
pois sinto a solidão
duma nuvem negra
que, teimosamente, quer escurecer
os meus ainda vivos sonhos;

Mas os sonhos são parte
integrante
do meu Ser,
mesmo sendo tão cruel
quando me levam
o que de mais belo possuem:
- a ilusão de um momento,
ainda que breve,
de obter no concreto
o que planeei no imaginário
do meu mundo de jogos
de solitária entrega;

Talvez por isso
com ou sem nuvens,
com ou sem solidão,
ainda que sofra,
entrego-me,
sem reservas,
ao que de mais belo a vida tem
- a vivência de um sonho
concreto,
onde o único medo real
é o de me dizerem,
friamente,
que estou a perturbar
o sono de Mim próprio;


A vida vai passando...
Ontem, já nasceu
Hoje, ainda vive
Amanhã, talvez
- não sei;
Só uma certeza me envolve
- não renuncio...
só uma forma de estar
me mantém vivo
- sonhando...

E assim, tranquilamente,
os meus cabelos brancos
dormem no regaço dos sonhos,
que me acolhe
e aceita
tal como sou;


A vida vai passando...
mas ainda não aprendi
a despertar;
Sob a capa feita de desilusões
continuo a não querer ver
a distância que me separa
do que penso ter
tão perto;

Aquilo que sou...
os sonhos...
a fantasia...
o sofrimento real...
a indiferença que me rodeia...
o pesadelo que me acorda!

Acorda?
Não, pois continuo preso
à liberdade de viver
sonhos acorrentados
que só para mim têm sentido;


A confusão cresce
sempre que quero
... mudar;
A dor alastra
sempre que quero
...esquecer;
A tristeza invade-me
sempre que me quero
... afastar;

E depois,
quando quero mudar,
quando quero esquecer,
quando me afasto,
dão-me um sinal,
alertam-me,
chamam-me,
e eu...
já não mudo
já não esqueço,
volto,
volto sempre,
mas continuo
sozinho,
como sempre estive,
a viver novamente num mundo
onde a realidade se alimenta
do que é cruelmente
real;

Sonhos...
solidão...
espera...
em união perfeita numa tarde
longa
... de vazio
vazio feito do Tudo
que compus
ao som das palavras
que não ouvi;
Vazio feito do Nada
que me deram
quando estendi a mão
na direcção errada
do que escolhi;

Não sei se eu próprio sou
o que fiz
nem sei se quero
o que sou,
ao viver longe do que quero
perto,
ao viver perto
do que sinto
longe;


A tarde vai longa...
e o desespero apodera-se
das últimas réstias
de luz,
deixando no ar a sensação
do inacabado,
do não vivido,
como se a noite
fizesse parte
integrante
de um passado longínquo
perdido no outro lado
do Tempo;

Sonhos...
solidão...
espera...
tarde longa
de desejos
que, mesmo assim,
ainda vivo,
pois não esqueço,
não quero esquecer,
que a noite pode trazer
no seu manto
o encanto
do calor julgado arrefecido
pelos sonhos, de passagem.

.


"A ausência só é efectiva quando a presença nos é, ou foi, indiferente" (Ajota)

 
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Ajota
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/10/2007 19:51  Atualizado: 01/10/2007 19:51
 Re: Sonhos, de passagem
Sei que ainda sou uma aprendiz nesta vida que corre sem dar-mos conta que ela passa por nós como a água que caí da fonte...mas nunca é tarde para saborear a
vida e a capacidade que temos ao sonhar.
Este é um dos poemas mais reflexivos que já li até hoje.
Obrigada pela lição de vida...
Beijo
ConceiçãoB


Enviado por Tópico
Hisalena
Publicado: 01/10/2007 21:01  Atualizado: 01/10/2007 21:01
Membro de honra
Usuário desde: 30/09/2007
Localidade: Leiria
Mensagens: 734
 Re: Sonhos, de passagem
Uma bonita lição de vida.
Gostei muito, parabens!


Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 01/10/2007 21:02  Atualizado: 01/10/2007 21:02
Colaborador
Usuário desde: 11/09/2007
Localidade:
Mensagens: 4246
 Re: Sonhos, de passagem
Este poema também é meu, parece comigo, diz
tudo
e mais além! Beijos!


Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 01/10/2007 21:22  Atualizado: 01/10/2007 21:22
Colaborador
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa/Peniche
Mensagens: 1562
 Re: Sonhos, de passagem p/ Ajota
Existem momentos em que a "prolixa Mel" fica completamente emudecida e, todos os atributos de possível retórica me são ausentes... Este é um deles.

Mais do que um texto poético de grande envergadura, este comporta um mensagem reflexiva e introspectiva, muito, muito forte.

E assim, tranquilamente,
os meus cabelos brancos
dormem no regaço dos sonhos,
que me acolhe
e aceita
tal como sou;


Seja apenas quem é: um ser de valores e com valor!

Abraço
Mel


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/10/2007 12:56  Atualizado: 02/10/2007 12:56
 Re: Sonhos, de passagem
Sou tão jovem ainda... mas estou sem palavras para este poema...

Bolas... fiquei com lágrimas nos olhos enquanto um sorriso de ternura queria nascer!

Amigo... simplesmente ... ... MARAVILHOSO este poema... talvez dos mais belos que li!

Obrigado pela lição!

Aquele meu Beijinhu!