Crónicas : 

Sobre o Caio, Nós, A Jamanta e Algumas Raladas

 
Sobre o Caio, Nós, A Jamanta e Algumas Raladas

Olha, recebi seu email ontem, ôntôntchi acho, não sei ao certo. Sei que me deu uma súbita inspiração, sabe? E, convenhamos, há tempos que inspiração não é sinônimo de alegria ou coisa parecida! Mas é fato, contudo, que senti-me como naqueles momentos em que bebemos demais e achamos, por qualquer soberba interna [desconhecida e idiota] que conseguiremos evitar a expulsão de tantas e tantas coisas que comemos e coisa tal... Vômito mesmo entende? É preciso dizer, querida, que muitas vezes bebemos, bebemos, bebemos e bebemos! E passamos por aquela loucura toda. Onde achamos a solução para todos os problemas! E ali, bem ali, o corpo se revolta... Como que querendo avisar-nos que nada somos senão um monte de merda sem solução! Durante alguns segundos achamos que estamos bem! Que não, não passaremos mal! Que sim, as coisas serão digeridas naturalmente... Mas não é bem assim, não é? Pois bem, senti-me assim... Achando que tudo já estava se normalizando. Mas não, não está... E, claro, não falo de nossos amores que acharam seu triste fim por esses dias! Falo daquela ausência infinita... Completa! Aquela que nos atormenta todos os dias... E que, tontos, insistimos em botar nomes... “Ah, é tanto trabalho...” ou “Ah, Fulano não podia ter feito isso comigo” ou “Será mesmo que eu mereço?”... É, caríssima! Quando tiraremos essa consciência do maldito papel? Quando o discurso será finalmente praticado... Está [sempre esteve] em nós essa ausência... Esse buraco filho da puta! Algumas vezes, confesso, vítima que sou começo a achar que o poço... Aquele mesmo com o qual nos habituamos e [dele] aprendemos a gostar... Não seríamos nós, eternos imbecis, quem os cavamos? Pior [ou melhor?]: não o inventamos apenas? Tenho essa sensação de que faz um sol desgraçado lá fora... Daqueles de queimar negão, sabe? E estamos sempre a fechar as cortinas... Achamos a escuridão, o enxergar com as mãos mais romântico... Mais sofrido! Mais bonito! Ah... Santa paciência Batman... A que devemos então essa eterna reclamação por só viver no breu? Não deveríamos, por acaso, ser um pouco mais espertos que isso?

Fiquei de te responder à máquina, lembra? Pois é... Cismei, ainda tenho dessas coisas, de jogar bola ontem... Foi um festival de quedas e raladas que nunca vi igual! A TV faz isso conosco, sabe? Vemos fulano e cicrano armando peripécias mil nos gramados e achamos que podemos! Mesma mania idiota nós, os escritores amadores, temos... Ora, para quem conhece o Caio deve ser um sofrimento sem fim [maior que as raladas] ver cópia tão torta e barata de seu modo de escrever... Mas que posso fazer além de me permitir a tentativa? Copiar, copiar e copiar! Sempre porcamente... Pois bem, sinceramente não sei como consegui ainda dirigir ontem de volta para casa tamanho mosaico de raladas, batidas, dores e mancadas com as quais saí da tal pelada... É fato, portanto, que não consegui sentar-me à máquina! Razão pela qual escrevo-te ao computador mesmo... Agora, intrigante isso, como é possível, sensatos que somos, acreditar que damos conta dum trem impossível? Digo, como podemos olhar [sem falsa modéstia] do alto de todas as coisas que já vivemos e dizer: “Ah... Isso é fácil pra baralho!!!” Ora, não é nenhuma novidade que sofremos por sermos idiotas a ponto de achar que resolveremos tudo! Que Caetano, Chico, Vinício e Baden estão do nosso lado... A musicar, sempre belamente, histórias e idiotices que não merecem, convenhamos, ser musicadas por ninguém! Nem mesmo pelo João Bosco e Vinícius! Aqueles que cantam juntos... E aquele tipo de música de gosto duvidoso, sabe?

É difícil, como podes perceber, manter uma linha razoável nas coisas que escrevo [ou tento]...

Sendo um pouquinho [só um pouquinho] mais direto às questões que levantaste em teu email... Bom, só posso dizer-te que também este monstro [quiçá todos os outros] também pode ser feito de fumaça, não? Esse eterno auto-flagelo... Essa mania que temos de achar sempre somos um atraso! Uma perda de tempo na vida de quem nos fez feliz! A cisma idiota de sempre levar-se ao banco dos réus e recusar o papel de defesa! Sempre nós... Sempre os merdas... Sempre quem maltratou, quem achincalhou, quem fudeu [no sentido ruim]... Sempre nós, sempre, sempre! Ora... Peralá, não? Não poderíamos parar um pouco com isso... Com esse trem de eternas e recorrentes auto-condenações? Não nos entendo, sabe? Eu te defendo para ti... E me fodo para mim! E tu? Cometes o mesmo delito... Quando conseguiremos absorver a idéia e nela e dela viver? A idéia de que sim, claro, temos culpa! Sim, ófi córsi e por supuesto, temos nossa participação... Mas que nada é feito sozinho! Sabe, não me preocuparei em fazer com que tudo o que escrevo agora faça muito sentido! Quero apenas que saiba, amiga, que estou contigo nessa! Navegamos no mesmo navio, no mesmo oceano! Esse mesmo oceano que, temos certeza, não tem 10 centímetros de profundidade! O caso, caríssima, é que queremos ser mais..., Quando vemos que o tempo passa... Bom, suspiramos infinitamente! E os [a]normais pensam de nós: “É... Todos sempre lamentam que o tempo passa rápido demais...” Hahahaha! Tolos idiotas... Não sabem que em nós! Para nós... O tempo é leeeeeennnnnnnntttooooooo!!! Que nossos suspiros profundo dizem coisas indizíveis! Que eles, os suspiros, e nós ansiamos o futuro... Para que, sempre vilões, possamos sofrer [e fazer sofrer] de formas diferentes... De formas novas! Ah... Que saco... Sempre as mesmas coisas... Sempre as mesmas agonias e aflições, porra! Ahhhhhh... Que delícia seria um novo sofrimento não? Não novo por ser mais um, mas pelo ineditismo que ele traria! Um novo sentimento [invariavelmente melancólico] não nos faria maravilhosamente bem?

Posto isso, chegamos ao ponto em que a ausência não deve ser extirpada... Tampouco preenchida! Ela se preenche de vazio... É a essência dela! E a nossa... Que seríamos sem essa angústia? Sem essa, permita-me, gastura desgraçada? É essa dor, tenra e macia, constante... É ela que nos permite sermos quem somos... Reclamar dela é, no mínimo, ingratidão por demais! O que podemos, e devemos, fazer é abrir os olhos... E ver que essa ausência é maravilhosa... É feito fome... Nos mantém na briga! Nos empurra para frente... A buscar e buscar coisas para jogar dentro de nós e ver no que dá! Ora, não sabemos que ela jamais será preenchida! E mesmo que o impossível aconteça ela, tão adorada ausência, deixaria de sê-la e nós sumiríamos feito fumaça de cigarro ao vento? Sim, é claro que sabemos! Eis aí, portanto, a beleza do que somos... Nosso projeto é lutar contra o impossível que deixando de sê-lo torna-nos ainda mais impossíveis... Nossa meta, absoluta e completamente inatingível, é de acabar com o que somos... Mas não pensemos, contudo, que trata-se de desistir... É justamente o contrário... O tentar infinitamente inútil! Essa busca incessante por aquilo que nem sabemos o que é!

Essa coisa toda me fode a cabeça... Volto, irremediavelmente, ao ponto onde sempre me condeno por erros que é bem provável que outros tenham cometido! Mas, convenhamos, não fomos mesmo nós que vimos uma trágica beleza em ser sempre o malvadão da história? Alguns, bestas, acham que queremos aparecer... Coitados! Não sabem que amamos tão completamente... Que somos tão obcecados [e absorvidos] pela idéia de, contrariando a matemática, fazer com que 2 sejam apenas! Aos idiotas de plantão, amada amiga, penso que devemos mandar espalhar cartazes por toda a cidade... Propagandas no rádio, internet e no intervalo do Jornal Nacional... “Amamos tão completamente que, cegos, não vemos que todos cometem erros... Queremos todos para nós! Egoístas? Sim! Egoístas de erros e tragédias... De lágrimas e mágoas!”...

É provável, contudo, que depois de analisarmos cuidadosamente o impacto que isso teria decidiríamos mudar o recado... É provável, muito provável, que queiramos apenas chamar o Disk-Jamanta [ver ps]!

Que nos abracemos e, finalmente, numa piranbeira qualquer ergamos os polegares em resposta ao motorista...

E que finalmente sejamos, os dois, apenas um fisicamente também!

Amassados, atropelados, fundidos e fudidos!

Num asfalto quente qualquer a deliciar, com a visão da tragédia fresca, os idiotas e imbecis!

Indaiatuba, 03 de Agosto de 2.011


PS: Para melhor entendimento do paralelo que fiz em relação à Jamanta:

Trecho de uma coisinha do Caio:

“Estás desempregado? Teu amor sumiu? Calma: sempre pode pintar uma jamanta na esquina.

Tenho um amigo, cujo nome, por muitas razões, não posso dizer, conhecido como o mais dark. Dark no visual, dark nas emoções, dark nas palavras: darkésimo. Não nos conhecemos a muito tempo, mas imagino que, quando ainda não havia darks, ele já era dark. Do alto de sua darkice futurista, devia olhar com soberano desprezo para aquela extensa legião de paz e amor, trocando flores, vestida de branco e cheia de esperança.Pode parecer ilógico, mas o mais dark dos meus amigos é também uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Rio sem parar do humor dele- humor dark, claro. Outro dia esperávamos um elevador, exaustos no fim da tarde, quando de repente ele revirou os olhos, encostou a cabeça na parede, suspirou bem fundo e soltou essa: -"Ai, meu Deus, minha única esperança é que uma jamanta passe por cima de mim..." Descemos o elevador rindo feito hienas. Devíamos ter ido embora, mas foi num daqueles dias gelados, propícios aos conhaques e às abobrinhas.

Tomamos um conhaque no bar. E imaginamos uma história assim: você anda só, cheio de tristeza, desamado, duro, sem fé nem futuro. Aí você liga para o Jamanta Express e pede: -"Por favor, preciso de uma jamanta às 30h15, na esquina da rua tal com tal. O cheque estará no bolso esquerdo da calça". Às 20h14, na tal esquina (uma ótima esquina é a Franca com Haddock Lobo, que tem aquela descidona) , você olha para esquina de cima. E lá está- maravilha!- parada uma enorme jamanta reluzente, soltando fogo pelas ventas que nem um dragão de história infantil. O motorista espia pela janela, olha para você e levanta o polegar. Você levanta o polegar: tudo bem. E começa a atravessar a rua. A jamanta arranca a mil, pneus guinchando no asfalto. Pronto: acabou. Um fio de sangue escorrendo pelo queixo, a vítima geme suas últimas palavras: -"Morro feliz. Era tudo que eu queria..."







 
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IlitchKushkov
 
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