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borboletas de agosto - epílogo

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


escondo-me. apago-me. disfarço-me. calo-me. exteriormente encubro estes lados-nossos – o tempo passa. e estes lados-nossos desconhecem o tempo. feito a relógio – tudo desapareceu velozmente – um dia era criança noutro outono – mas a boca inventou papel. palavra. poesia. prosa. a ampulheta marca um novo tempo – agora sei o que falta dizer – se soubesse escrever palavras aprumadas. mesmo acanhadas. seriam gigantescas. diriam. e o silêncio seria abril e agosto cálido. e os lábios livres ofegavam largueza para um novo desejo: falar sem medo – mas não sei dizer tudo o que penso. o que sinto. o que faz de mim um dos: lados-nossos – não basta saber o que falta dizer – sobra o restauro do tempo estragado em forma de texto – tu sabias deste meu lado silencioso – o trabalho fez-me barulhento. agitado. determinado. ousado. e a vontade de conquistar afeição juntou-nos nas diferenças – havia tanta história de antepassados na tua boca. tanto orgulho. e eu tão longe de ser um dos nossos – tu querias viver. eu queria vencer – agora é tarde. e as palavras que escrevo são prosas que nunca tiveram ouvidos – este silêncio maldito – o trabalho roubou-nos a linhagem – somos o que somos e já somos assim desde outro tempo. somos gerações que sempre caminharam pelo tempo com serenidade – mas a boca teima em continuar fechada e o sofrer não reconhece o corpo que carrega palavras agrilhoadas – para este silêncio não há vida na boca – no dia da terra preta. a que te protege na tua casa eterna. regressei a casa feliz. sabia que finalmente tinhas encontrado paz – também eu agora procuro paz. gostava de a encontrar em vida. não acredito. há coisas que são nossas. e nós nunca saberemos encontrar o que só aos outros pertence. estes lados-nossos. não nos deixam – descansar seria deixar de pensar –pela primeira vez em muito tempo não haverá dor em casa. e a saudade ainda é fado. música que trauteio entre a dor de ontem e o sorriso que levo dentro de mim. desconhecido – sinto sossego. por ti. por mim. pela mãe. por todos aqueles que te amavam – mas o tempo passou e a dor chegou. não imaginava que viesse tão depressa e as lágrimas-chumbo penduram-se no corpo – chegou o sétimo dia. o mês. o meu aniversário. o teu. o da mãe e por fim o natal e os anos a repetir sempre os mesmos dias – nada é como antigamente. nunca nada será igual. o mundo é diferente. eu sou diferente. estou velho. conheço a cor da morte. conheço os dias por onde andavas – a minha tarefa está quase acabada. os teus netos já sabem destes lados-nossos. não mais terei de te escrever – nesse dia. nesse dia de sol. de sossego. de paz. em que deixarei de pensar. a boca não será importante. serei silêncio-paz – partirei sem palavras por escrever – deve ser bom saber que nada mais há para escrever – será bom. eu sem medo –
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 22/09/2011 01:46  Atualizado: 22/09/2011 01:46
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 Re: borboletas de agosto - epílogo
Aqui descanso, sinto e penso tanta coisa sem conseguir dizer nada, só não sei o porque... Se gostei? bjs


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/09/2011 19:00  Atualizado: 23/09/2011 19:00
 Re: borboletas de agosto - epílogo
A perda causa uma dor indiscritível,talvez por isso,você nunca conseguirá descreve-la com todos os poemas todas as palavras do mundo,mas tente,tente novamente,e mais uma vez...mesmo que isso doa para quem lê...abraços
mary