Textos : 

8ª foto – A taberna e o taberneiro

 
Tags:  Fotos - 18/10/2007  
 
A linguagem, mais do que vernácula do taberneiro era dirigida aos gordos que se encharcavam de bagaços. Era coisa que fazia corar qualquer diabo. O homem era impressionante. A forma como conseguia debitar um chorrilho absurdo de asneiras numa só frase sem um único laivo de sorriso... que extraordinário! Era o resultado do processo normal de um dia a dia bem calejado na língua. Anos daquilo!
Não havia outra forma ou, pelo menos não conhecia outra forma de manter aquela gente na linha. Era um pouco como o domador de leões, que se aventura na arena do circo, munido apenas de um bastão e um chicote. As pessoas não sabem mas, controlar um magote de profissionais do copo de três e do bagaço, mete medo. É preciso ter estômago, estaleca e muita fibra.
Desde que se conhecia por gente que fazia aquilo, sempre da mesma maneira. Aprendera com o seu pai que apesar do corpanzil, nunca tinha feito uso de mais do que o vozeirão e de uma colecção invejável de impropérios. Pode-se dizer que era uma questão de estatuto adquirido e que ficou de herança... daquelas coisas dos genes!
O certo é que resultava. Em quarenta e três anos de porta aberta nunca teve que chamar a polícia, usar o músculo ou coisa que o valesse. Tinha grande orgulho no seu desempenho e gabava-se dele... ainda mais porque sempre se ouviam muitas histórias sobre rixas.
- Tudo assuntos de copos e gente que não tem respeito por nada – dizia.
Aos sessenta, o corpo já lhe pedia que descansasse daquela vida. Lá dizia a expressão que “não matam mas moem”. E ultimamente moíam que se fartavam, ai se moíam.
Sabia que a taberna iria acabar por fechar, isso era certo. Tudo muda, tudo tem um fim mas o que é que se pode fazer?
A descendência não estava para aquilo e o mais velho andava, há já dois anos, a dizer que queria transformar o espaço num bar com música e tudo.
O sacana do gaiato queria era festa! O mais certo era acabar por dar cabo da casa e arranjar chatices. Coisas desta gente nova que não sabe o que a vida custa.
- Depois não me venhas cá pedir dinheiro para te tapar os buracos! Pensas que essas coisas dão para viver? Que os bons clientes, aqueles que aparecem e pagam todos os dias nascem nas árvores? - ralhava sempre que a conversa rondava o fecho do boteco.
Era evidente que não havia nada a fazer. A vontade do jovem iria prevalecer e ele, como pai, iria tapar-lhe os buracos todos. Com um bocadinho de sorte, a história do bar podia correr bem.
- As ralações, essas, são uma cruz que vão com a gente para a cova. - resignava-se.
Quando o taberneiro morreu, o bar já não existia. Existiu só por meio ano. O estouvado do gaiatola meteu-se nas drogas e acabou com a casa num instantinho.
Aquilo agora é um loja de roupa fina. Da taberna, só a memória de alguns dos habituais.

Valdevinoxis


A boa convivência não é uma questão de tolerância.


 
Autor
Valdevinoxis
 
Texto
Data
Leituras
868
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
varenka
Publicado: 18/10/2011 21:41  Atualizado: 18/10/2011 21:42
Colaborador
Usuário desde: 10/12/2009
Localidade:
Mensagens: 4210
 Re: 8ª foto – A taberna e o taberneiro
Uma geração constrói,a outra destrói,nete mundo de cão.Para tua escrita vai um bravo!Obrigada. Varenka