De mim e de outras mulheres / o 1º beijo

Morena de cabelos castanhos lisos, olhos grandes e profundos, rosto trigueiro rasgado por um sorriso que cantarolava tardes de verão em dias de inverno. Aninhava-se na guia do passeio abraçando os joelhos, observando os garotos em correria desenfreada atrás da bola, em guinchos e berros de “passa, passa”. Sentia o olhar dela mesmo quando não a via, se de repente me virava para ela, estava lá o sorriso. Aos quatro anos ninguém quer ter uma namorada, dizia-lhe para ir embora e ela teimosa dizia que não, e franzia a testa por baixo da franja. Até que pressionado pela gozação geral de “olha os namorados…!” a empurrava numa espécie de auto-afirmação. Quando estávamos sós ficávamos de mão dada, recorto na memória o perfil dela de vestido ao vento, lábios de mosto.
Fui viver para longe, voltei uns anos depois, estavamos a carregar as trouxas do velho furgão do meu tio quando uma voz por trás de mim, me deu um “olá” tímido ao mesmo tempo que me tocava nas costas. O mesmo sorriso, agora mais atrevido, o mesmo olhar, agora mais directo. O vestido de chita, azul às pintas brancas, sem alças deixavam adivinhar um prenúncio de decote que a idade já me permitia cobiçar. Os dias rapidamente retomaram as rotinas como se nunca tivesse saído. Os amigos eram os mesmos, as brincadeiras e o amor que deixei.
Um dia a pretexto de a ajudar levou-me à garagem dela. No olhar directo dela descobri o desafio, no sorriso a placidez da certeza, nos lábios entreabertos o altar do meu desejo, no decote a tumescência que me atormentava, na língua o sabor do mentol. No momento a descoberta. Os braços envolveram-me num equador tórrido, num amplexo irreal e a tarde parou de repente no mais puro impressionismo dado à tela por um génio. Sem falsos pudores, só um corpo ondulante que desenho ainda na ponta dos dedos