Contos : 

A minha Lenda é sua Mentira, a sua Mentira é nossa Verdade, a nossa Verdade é a Loucura e a Loucura é um ponto de vista

 
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- Akiba?
- Que?
- E se você foi Adão mesmo?
- Aí vai ser a meleca total que vai evitar coisa bem pior cara! A natureza domina o planeta novamente e a humanidade já era, coisa de filme! E eu não estarei aqui pra ver! nem você! Então vamos pular logo Adonai!
- Mas que merda cara! Porque justo eu fui cair na conversa daquele padre ou sei lá o que era aquilo junto com você? Eu juro que esqueço essa porcaria toda Akiba!
- Ha é? Esquece? Daí a história é verdade e tudo que o velhote lá disse acontece? Todo mundo ardendo e se arrebentando na eternidade esquecida do inferno na terra? É melhor que eu vá e a natureza volte a dar um jeito nessa zona, o velhote tem razão Donaizinho, eu te amo irmão, vem comigo, não quero que sofra nem um minuto do dia da destruição aqui na Terra.

- Vamos, no três Adonai, no três...

Um
Dois

Então um homem de barbas longas e olhar estranho aparece e grita

- Akiba!NÃO!
- Hã? Quem é você?
Pergunta Adonai
- Vem Adonai, não dê atenção a ele meu irmão! Vamos pular!
E o homem dirige-se a Adonai
- Adonai, eu te conheço, conheço seu irmão, conheço sua família, confie em mim, venham os dois, não pulem!
- Não iremos a lugar algum! Eu e meu irmão já sabemos o que fazer! Não posso fazer com que as pessoas que amamos sofram tanto!
- Akiba, não carregue seu irmão nesta loucura, por misericórdia, me deem suas mãos rapazes vamos sair daqui!
Então Akiba se impõe fortemente
- Quem você pensa que é estranho?
- E você Akiba? Quem você pensa que é?
E ele retruca com ódio nos olhos
- EU SOU A SUA DESTRUIÇÃO SEU DESGRAÇADO!
O homem responde calmamente
- Mas eu não lhe desejo mal algum, não sei porque tanta alteração! Controle-se Akiba, me dê seu irmão.
- Me solta Akiba!
E Adonai se solta dos braços de Akiba correndo em direção ao estranho
- Que assim seja então, por tanto amar a você e nossa família parto para que sofram menos em apenas um dia de destruição e dor.
- AKIBAAAAA”!





Trezentos e trinta e três anos depois:

- E "PLOFT" se espatifou lá embaixo no chão, igual papel molhado no teto do banheiro.
- Só isso? Ele pula e só? Morreu?
- É claro que ele morreu, pulou do penhasco! E como pode ver ele estava errado, mais de trezentos anos se passaram e cá estamos nós, por tanto é uma lenda!
- Eu acho uma lenda muito idiota, aliás acho que nem uma lenda isso é! A professora não vai aceitar, foi só um infeliz que se matou por burrice, e apesar de você narrar com ”emoção” ainda acho que você conta estórias muito mal, pois duvido que a mais de trezentos anos atrás as pessoas falavam tanta gíria e palavrão.
- Bom, foi como me contaram, e você acha que mesmo com toda esta “emoção” e essa coisa toda de Adão a professora não vai aceitar a estória como lenda? Muitos sabem disso aqui no bairro!
-Falou bem Felipe, aqui no bairro, e olhe lá porque moro aqui a oito anos e não sabia desta história.
- É que geralmente os adultos apenas comentam entre si.
- Ha é, e como te contaram?
- O tio Joca, como sempre mamado, me contou e minha mãe jogou um pacote de café em pó na cara dele, mandou ele calar a boca, disse que aquilo era história de adulto, daí perguntei para meu avô e ele disse que era uma história antiga que muitos no bairro acreditavam e por superstição procuravam não lembrar mais, pois tinham medo de sustentar algo que poderia se realizar.
- Felipe, sua mãe sempre joga algo diferente na cara do seu tio, seu tio bêbado sempre conta uma mentira, seu avô é tão bêbado e mentiroso quanto seu tio, se quer passar vergonha na frente da sala de aula toda vai passar sozinho, vou pedir pra professora me dar trabalho individual.
- Tá bom cara, vamo lá falar do saci então.
- Também não é assim cara, a sala toda vai falar do saci agente pode pesquisar um pouco mais, temos cinco dias pela frente.
- Tá , mas eu chego com algo diferente e você fala que é conversa de bêbado! Assim fica difícil!
- Relaxa, meu pai tem um amigo que eu tenho certeza que vai dar uma força, se demorarmos muito pra resolver isso prometo que volto a pensar nas histórias do seu tio ok?
-Hum, e o que este amigo do seu pai faz?
- Minha mãe fala que ele é vagabundo e drogado, meu pai diz que ele é artista e escritor, um grande pintor e contador de estórias.
- Há tá, a minha estória não foi estranha o suficiente, saquei.
- Nem um pouco meu caro Felipe, nem um pouco.
- Ei! Para de falar como um velho chato que sabe tudo! Me irrita!
- Há! Você usa uma porção de termos ‘de velho’ e eu nunca me irrito com você!
- Eu o que? Mas você acabou de falar que eu conto estórias cheias de gírias e...

E eles partem atrás de lenda, como quem sai pra arrecadar prenda.




A Cronicália
apresenta:


A minha Lenda é sua Mentira, a sua Mentira é nossa Verdade, a nossa Verdade é a Loucura e a Loucura é um ponto de vista






Por
Bruno Prata Stano






Dois pés pequenos caminham como gigantes saltitantes desastrados procurando por flor para cheirar ou um coelho para abraçar
Todos tem uma lenda
Coelhos, gigantes, borboletas...
Todos contam lendas quando solicitados

Aqueles que não contam estão contando de outro jeito
Aqueles que não sabem não percebem
Aqueles que não querem sentem medo

Ou vergonha do medo
Muito medo da vergonha

Lendas são como dedos apontados para o espaço
Cada um terá seu próprio e único ponto de vista
Cada um tem sua forma de louvar, crer ou odiar uma lenda
Alguns sabem "adaptar" lendas ou torna-las suas
Sabem enfia-las em seus bolsos e cobrar por elas
Outros sabem fazer com que outros sonhem com elas
Salvem-se com elas ou matem-se por elas
Que as torne um objetivo de vida
Um manual para a salvação
Um decreto da verdade
A prova da mentira

As lendas escorrem pelos lábios dos dois meninos que saem atrás de lendas
Queimam seus pés com o fogo invisível da juventude que a tudo engrandece Justifica e esquece;
Sacrifica e abandona sem saber por que
Numa luta sem fim contra coleiras invisíveis que caçam seus pescoços sedentos

Eles deixam lendas passar diante do nariz a cada passo
O pai, o amigo do pai, a escola a professora
Todos escorregam em lendas a vida toda
Praticando o ritual de suas existências cada um a sua maneira
Mesmo que alguns insistam em dizer praticar o mesmo ritual
Ainda o fazem cada um a sua maneira

Cada tal qual sua lenda
Assim como todos ao redor de todos

Os meninos cospem papéis invisíveis ao vento
Enquanto escrevem lendas com risadas
Com olhos brilhantes cheirando a estradas que um dia irão ver ou sonhar
Tudo escrito e muito bem registrado
Esquecido por suas cabeças de papel

Existem lendas que dizem que Deus está muito mais presente enquanto as cabeças são de papel
Quando as cabeças são de pedra Deus deixa pra depois e espera elas virarem areia pra transforma-las em madeira e então em papel novamente

Mas não se preocupe se achar que sua cabeça é de pedra ou de madeira
Esta é só mais uma lenda e nós e Deus estamos em todas elas
De todas as formas e nomes
Ecoamos em todas elas
Como aves do paraíso acasalando

Ecoamos de forma engraçada como em espelhos mágicos
Retorcemos satisfações para realizar desejos
Imaginamos reações que satisfazem nossas necessidades

Enquanto alguns dizem que se deve viver como um relógio sempre desesperado para trocar as pilhas
Existem lendas que dizem que estes são urubus ingratos mutiladores de sonho e outras dizem que são santos ou inventores importantes
Não importa o que sejam
São lendas do próprio sucesso ou do próprio fracasso
Cheios de coisas chatas e repetitivas pra contar

Os meninos querem algo diferente
Querem falar de pipa sem falar na rabiola
Falar do saci sem falar da perna

Querem tirar um sorriso de satisfação da professora
Como quem tira leite de vaca
Ao invés de sentar e observar com calma todas as lendas do Universo e assim poder satisfazer a eles mesmos e a professora como quem prepara uma limonada ligeira

A praticidade nem sempre é tudo aquilo que queremos ouvir
O abstrato e o complicado nos motiva a continuar aprendendo, desistindo, ensinando, esquecendo, deixando pra depois
Além de gerar muitos e muitos empregos
Para que a praticidade possa ser prometida ou vendida
Para que os caminhos mais curtos tornem-se os mais longos e distantes
Cheios da lama escorregadia do pessimismo e do Currículo Vitae
Do Homo Vitae
E sua força Vitae
Para que você desista da praticidade natural e compre a praticidade da prateleira
Para que você compre lendas ao invés de inventa-las
Ao invés de aceitar a lenda que lhe liberta e acalma
Que narra sua estória sem usar palavras
Que lhe permite ver ao mesmo tempo todas as lendas do Universo

Então;
Os dois meninos encontraram a casa do amigo do pai
Bateram palma, assoviaram, bateram na porta
Nada
Então um deles viu que uma das janelas na lateral da casa estava aberta e daria para pular e entrar na casa sem esforço
Talvez apenas para deixar um recadinho
Mordiscar alguma coisinha
Só uma olhadinha

Daí um falou
- Não não, não faz isso não cara! Isso eu não faço! É muito errado! Podemos deixar um recado dizendo que voltamos depois bem aqui na porta da frente oras! É só passar o papelzinho por debaixo assim e pronto! Que pular janela o que ô!

Mas o outro já havia ido, já estava lá dentro e disse de lá mesmo que não acreditava no que via;
Como podia existir um animal tão grande e peludo?
O outro que estava lá fora perguntou apavorado; “Peludo?!”
Então o de lá de dentro disse para o outro entrar porque o bicho peludo e grande era o amigo de seu pai e havia dito que a porta da frente estava aberta e bastava abri-la para entrar.
O outro então entrou mordendo-se de medo e curiosidade

- Aonde vocês estão?

Ele gritou da sala arrependido por gritar;
Pois apenas depois disso ele percebeu que sua voz gerou um notável eco que fez voar os pássaros que se alimentavam pacificamente no aparentemente pequeno e encantador jardim do velho Rudolf que olhara para o visitante com encantadora serenidade impressa nas feições rústicas e grossas de um animal grande e peludo sem definição alguma além da de que era grande, peludo e supostamente fedido

O que entrou primeiro já estava sentado sobre um dos pequenos bancos transparentes feitos de um material entre o vidro o cristal e o sal que quando o sol bate reflete nuvens de diferentes céus que não estão lá e que não pertencem a esta dimensão.

As flores não possuem cor
Pois são plantas que reúnem todas as cores ao seu redor
Inclusive tornando as invisíveis visíveis
Das ultra comuns às ultra violetas
Sendo assim uma explosão intensa de pura luz vibrante
Que na incapacidade de expressar tão magnífica e inimaginável cor
Emite um pequeno ruído grave e agradável como o ronronar de um gato gordo e amável
Exala o odor da pessoa que você mais ama
O cheiro de cabeça mais único do mundo que só você achou que conhecia
Ela faz de tudo para ser o que há de mais agradável e lindo para se ver e sentir.

Esta é a busca incansável de todas as flores, e todas elas e tudo que há de natural doa de sua cor e de seus sentimentos, estórias e desejos às flores encantadoras do jardim do senhor Rudolf que a esta altura já estava chamando a atenção de seus visitantes por estarem perigosamente distraídos, vislumbrados com tanta beleza e mistério, acariciando jabuticabeiras falantes que dividiam seus cachimbos de chama infinita que nem queima nem solta fumaça, apenas encandece uma mistura da clorofila de folhas douradas e frutas vermelhas processadas por pássaros contadores de estórias que vivem a mais de duzentos anos.

-Eles são muito jovens para isso senhoritas Jabuticabeiras!
Diz Sr. Rudolf soltando uma gostosa gargalhada

Tudo tão grandioso num lugar tão pequeno
E o bicho peludo que se tornara senhor Rudolf já não era mais caso de curiosidade ou espanto para os dois meninos, que maravilhados comentavam entre si o quanto gostariam de morar lá e passar o resto da vida explorando aquele suposto pequeno e inofensivo jardim.

Nós abandonamos os jardins no decorrer de nossas vidas
Acabamos por nãos explora-los por inteiro
Com medo do que encontrar por detrás do próximo arbusto
Mas aquele jardim é diferente, revela-se gradualmente conforme seu interesse e vislumbre, qualquer um tem coragem e vontade de explorá-lo.

Alguns grilos cantavam sobre visitas ilustres, reis e rainhas de terras mágicas que passavam pelo jardim de Rudolf e nele ficavam por semanas, grandes poetas e músicos que foram até lá para morrer, deixaram às margens do “riacho salgado” suas últimas lágrimas de alegria.

Então um dos meninos afasta-se do senhor Rudolf e pergunta a uma garça como se falasse com garças todos os dias;

- Senhorita, porque este homem tornou-se assim tão peludo?

E a garça respondeu:
- Não sou senhorita! Meu nome é Axon! Sou macho! E você humano? Por que fala como um velho se está no corpo de uma criança senhor menino curioso? Você é portador de bochechas tão rosadas e uniformes que acho que deveria falar com a voz de um esquilo. Você não deveria usar termos como “tornou-se”!

- Como? Porquê? Tornou-se? Não estou entendendo! Porque não posso falar de forma correta? Tenho que falar errado só porque sou criança?

- Você é chato menino velho, chato e redondo, cheira a supermercado, acho que quero te ajudar! Posso te ajudar em alguma coisa? Responder alguma coisa ou coçar algum lugar pra você com meu bico?

- Eu já lhe perguntei algo senhor

Então Axon fica pensativo e responde com firmeza
- É mesmo? Pois eu acho que não, nunca esqueço uma pergunta quando me fazem uma!

- Pois então acho que esta você esqueceu Sr Garça

Então um Lobo Guará muito bem vestido sai de uma toca dentre as figueiras e faz um convite formal ao menino

- Vossa senhoria gostaria de me acompanhar para um almoço especial? Seu amigo e meu Lorde, senhor deste Jardim, já lhe aguardam desfrutando de nossas iguarias preliminares.

Então o menino diz ao senhor Garça de nome Axon

- Puxa vida senhor garça me distraí tanto com o senhor que nem notei que meus amigos retiraram-se para almoçar!

E Axon responde confiante como sempre

- Eles te chamaram e você não ouviu porque estava falando como um chato redondinho. Você precisa do meu bico para alguma coisa? Acho que eu queria te ajudar em algo! Posso pegar um peixe pra você! Uma moeda que caiu num lugar difícil ou posso te fazer um belo corte de cabelo, coçar suas frieiras?

- Não! Muito obrigado garça, não preciso de nada disso!

-Meu nome é Axon, e todos precisam de ao menos uma dessas coisas.

Então o Lobo interfere novamente

- Perdoe-me a audácia senhor, mas devo alertá-lo a propósito da impaciência e preocupação que podem ser causadas indevidamente por efeitos de minutos perdidos em conversas sem fundamento com uma velha garça esquecida.

- Está bem lobo, não precisa falar assim do senhor garça, vamos ao encontro de seu mestre.

Diz o menino como se conhecesse garças todos os dias e falasse sempre com lobos

Então ele despede-se de Axon

Assim, o menino arranca seus sapatos e segue o lobo para dentro dos arbustos dentre as figueiras

“Como é bom pisar descalço em folhas molhadas”
O menino Pensou

“Como é interessante reconhecer figueiras sem nunca ter visto figueiras”
Isto ele não pensou.

Então finalmente ao ultrapassarem um quase longo túnel de arbustos deram de frente com uma gigantesca árvore que por dentro e ao seu redor piscavam disformes e incontáveis luzes dando ao menino a nítida impressão de uma cidade vista de longe.

De dentro da árvore saia uma gigantesca tábua cristalina repleta de maravilhas culinárias e frutas estranhas e brilhantes, na ponta da tábua sentava-se o peludo Rudolf e mais a direita estava seu amigo esbaldando-se nas frutas brilhantes que soltavam líquidos maravilhosos e barulhos engraçadíssimos ao serem mordidas.

- Sente-se criança, vamos comer e contar estórias, expressar ideias!

Senhor Rudolf sorri como os gatos sorriem nos desenhos

Atrás de sua cadeira de raízes tem uma enorme pedra com um poema sobre a inocência que diz;

“A inocência cheira à saudade
Tem também cheiro de criança suada e de velhice esquecida
Tem cheiro de livro velho em lugar úmido
São lembranças de ações que não aconteceram
Cicatrizes da impaciência dos adultos
Das queimaduras saltadas na pele do gado
È o suco derramado na mesa
Numa tarde de sexta feira
Aguardando a madrugada
Venenosa como um drink
Ou inspiradora como um céu
Cheio de estrelas que lembram quando morrem e esquecem quando nascem.”

O menino perguntou ao senhor Rudolf porque aquele poema estava gravado numa pedra atrás dele, e ele respondeu:

“Todos os poemas que são escritos no mundo ficam gravados nesta pedra, se você olhar agora verá que já tem outro poema”.

O menino impressionado pergunta:

- Mas como é possível Sr. Rudolf? Como tudo isto acontece? Como o senhor tornou-se assim tão peludo?

- Você acredita em lendas menino?
Pergunta calmamente Sr. Rudolf

- Difícil não acreditar em algo depois de tudo que vi hoje.
Diz convencido o menino

- Pois menino, se você e seu amigo não acreditassem teriam visto apenas uma casa velha e abandonada sem ninguém nem nada dentro, porém cá estamos nós, vocês me acharam!
Conte a sua professora, a lenda de um homem que escolheu tornar-se um bicho sem nome ao tornar-se contador de estórias para pessoas que não acreditavam em lendas e fantasias.

Quem crê me vê
Quem busca lendas me encontra
E eu quero ser a lenda agora
Quem não me vê
Perdido em seus próprios pensamentos está
Fugindo do escuro dos impulsos
Controlando o medo
E protegendo-se dele
Desesperadamente
Como cachorros bravos na coleira

Em minhas estórias o medo não existe
Não desejo que o medo cresça em você
Desejo que você encare suas verdades
Dê valor a sua liberdade
Você gosta de sentir medo garotinho?

- Não senhor Rudolf, acho que ninguém gosta!

- Há gosta sim garoto redondinho! As pessoas adoram um medinho, mas isto não vem ao caso;
O que vem ao caso é a morte que você participou esta manhã, quando presenciou o suposto suicídio de um rapaz que pulou do terraço de um prédio afirmando ser seu irmão senhor Adonai, isto consta?

- Hã? Como assim senhor Rudolf! Esta manhã eu estava com Felipe falando sobre uma lenda que falava sobre algo parecido mas não presenciamos nada de estranho não é mesmo Felipe?

E o menino olha ao redor com insegurança como quem procura algo que não está lá

- Que Felipe senhor Adonai?
Por acaso seria a segunda voz que testemunhas afirmam ter ouvido pouco antes do garoto pular?

Então senhor Rudolf torna-se um velho, triste e pálido detetive de polícia, e o jardim torna-se uma sala de interrogatório cercada por espelhos

- Mas, o senhor Rudolf, eu, meu amigo, ele estava...
Lamenta confuso o menino que agora tinha as mãos velhas e o coração pesado e cansado como o de um velho Jabuti.

- Rudolf era o nome do rapaz que morreu senhor Adonai, testemunhas afirmam ter ouvido o senhor ter gritado outro nome, algo como Akita, Akira ou Akiba. Recorda-se de alguma coisa? O senhor está bem? Gostaria de um copo d´agua?

E ele responde pálido e ofegante

- Na verdade eu aceito água sim amigo, mas sinceramente estou muito confuso...

E o investigador retruca
- Percebo, me diga uma coisa, quantos anos o senhor tem Sr. Adonai?

- Fiz quinze anos semana passada!
Responde tremulo Adonai
Então o investigador dá uma pigarreada quase que segurando uma risada e retira de um envelope os documentos de Adonai

- Bem, segundo sua carteira de identidade o senhor tem setenta e dois anos, acredito que deveremos encaminha-lo a uma casa de repouso Sr. Adonai, aonde receberá os tratamentos necessários para pessoas que se encontram em estado de deficiência mental como o senhor.

Adonai desespera-se

- Não! Não por favor! Eu tenho quinze anos! Juro ao senhor! Estava com meu amigo Felipe até agora pouco e ele estava comendo como um louco! Não tenho deficiência mental alguma, pergunte-me alguma coisa da escola, ou qualquer outra coisa que pessoas com deficiência mental não responderiam!

E o investigador calmamente responde

- Olhe-se no espelho senhor Adonai, estamos cercados de espelhos. Olhe bem e veja quem o senhor é.

Então um dos espelhos torna-se uma pintura de um caminho entre figueiras com detalhes dourados igualzinho ao que ficava pendurado acima do sofá na casa de seus avós, ele sempre olhava para aquele caminho e pensava quando andaria por ele um dia, quando pisaria naquelas folhas úmidas pela sombra das virtuosas árvores, e então de súbito lembra-se que já fez isso.

Um forte vento começa a balançar as árvores do quadro e por detrás de uma das figueiras sai Felipe

- Ei seu maluco! Por onde você andou? Eu e o Sr. Rudolf procuramos você por toda parte!

- Felipe?!
Exclama explodindo de alegria o menino, olhando para suas mãos agora novas e pequenas como conchas do mar, e coração jovem e saudável como o de um pássaro que acabara de aprender a arte de voar.

- Claro que sou eu! Vamos pra casa logo antes que escureça! Temos que escrever uma lenda que o Sr. Rudolf me contou enquanto te procurávamos, ele teve que se retirar agora pois está ficando tarde e nós deveríamos fazer o mesmo!

O menino atrapalhado e aliviado ao mesmo tempo gagueja
- Mas, mas, como pode?

- Como pode o quê? Está tarde oras, o homem está velho precisa dormir, fica cansado logo oras!

E o menino faz um olhar mais confuso e estranho ainda
- Homem velho? Mas o Sr. Rudolf não é um bicho peludo?

Então Felipe cai na risada

- Ele é peludo sim mas também não é assim vai coitado, quem sabe uma aparada nos pelos do nariz e das orelhas resolva, mas não é pra tanto!

E o menino diz estarrecido

- Mas eu vi Felipe, juro que eu vi, e também apareceu um detetive falando sobre o suicídio de um menino que eu havia participado ou algo assim, que o senhor Rudolf era esse menino e você talvez um cumplice, não lembro muito bem, quase parece que não aconteceu!

- Quê? Você bateu a cabeça e dormiu foi? Você sumiu pelo bosque da entrada da casa do Sr. Rudolf por um tempão! Chegamos a nos preocupar a ponto de quase chamar a polícia; bom, mas que seja, o que importa é que temos a lenda e ela tem algo sobre assassinato também, um menino que na verdade é um velho que mata seu amigo sem saber que está fazendo isto, achando estar salvando a humanidade, mas adivinha qual a melhor parte disto tudo?

O menino confuso continua sem dizer uma palavra e Felipe conclui;

- É a continuação da lenda que te contei hoje de manhã! Não é o máximo? Acho que este Sr. Rudolf é mágico! Parece até que adivinhou que estávamos falando desta lenda hoje cedo! Viemos até aqui para acabar com a mesma lenda nas mãos! Mas agora com um final diferente, não é demais?!

E o menino concorda em silêncio, maneando a cabeça cuidadosamente com medo de ir parar em outro lugar, pensando que se a sala de interrogatório for a realidade ele pode despertar ao balançar muito forte a cabeça, igual sua mãe diz para ele fazer quando sente medo de um sonho ruim.
E se este momento agora for um sonho, ele prefere ficar dormindo para sempre.

FIM


Bruno Prata

 
Autor
BrunoPrata
 
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