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A charrete-cegonha levava os rebentos para casa

 
Tags:  AjAraujo    poeta humanista  
 
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Era um tempo de vanguarda,
Juscelino inaugurava Brasília,
João Gilberto criara a bossa nova
No Brasil falava-se em reforma agrária

E lá, na pequena Santanésia
Para mais um parto (incontáveis) lá estava
a incansável parteira Diamantina
com suas mãos e gestos de bailarina

Debruçando-se sobre o ventre de Eutália
Para entre uma e outra baforada
De seu inseparável cachimbo
Dar uma forcinha pra brotar o rebento

Prestes a dar o primeiro choro
Era o oitavo filho, o caçula Rogério:
"Este veio com um olhar espantado
Comadre, dá pra ele logo o peito."

Todas eram comadres da adorável parteira,
Na cumplicidade, na solidariedade,
Ela não se limitava o parto a fazer,
Cumpria belo ritual de visitar e orientar

Diamantina contava as histórias de senzala
de suas ancestrais, de como aprendera
a arte de trazer à luz da vida
a partir desta experiência e vivência

Eu, Tetinho era "também" seu afilhado
Na pia batismal, madrinha Iraci e Sr Cândido
Mas, da "banheira" do nascimento era ela
Dizia "espiga de milho" sou sua madrinha negra

E assim, fui visitar no pequeno Hospital da Vila
O pequeno Rogério, procurando o seio materno
Seiva da vida, enquanto na charrete esperava
o charreteiro dizia que era uma cegonha

Eu ria muito, e sempre me indagava
Ainda era bastante ingênuo naquela época
Afinal, contava apenas seis anos de idade
Era inesquecível aquele "táxi" com cavalos e teto.

Há um par de anos sentei em uma charrete
Em Dublin, na Irlanda, após sorver um chocolate
Contei esta história para o condutor Mr. James
Ele vertendo lágrimas me disse "Great Times".

Assim, pensei um dia contar esta história
Guardei estas cenas na memória
Para em elegia, resgatar a figura da parteira
E homenagear a nobre negra Diamantina.

Quando vejo no céu uma gaivota-mãe
buscando sobras de comidas e peixes
no entardecer, na praia das Dunas
e nos barcos pesqueiros,

Recordo-me da cegonha-Diamantina,
- a querida madrinha – e do quanto ela
cuidou para cada um de nós aqui chegasse e
pudesse falar um pouco dessa doce criatura.

AjAraújo, o poeta humanista, poema escrito em 22-Jan-2012, a partir de recordações do nascimento do irmão caçula, da madrinha-negra e parteira Diamantina e do retorno para casa de charrete, "táxi" para as parturientes da época, apelidado de cegonha pelo divertido charreteiro. Tudo isto na minha pequena e adorável Santanésia, cidade de minha infância.


Foto: Charrete de Dracena.
 
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AjAraujo
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