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O final do principio

 
O princípio das coisas é talvez uma singularidade impossível. Quando nos damos conta de que algum motivo nos preenche os sentidos descoloridos pela viscosa anestesia do espanto, só então pensámos e dizemos sem alternância a palavra que nos une e nos continua. Cada pessoa guarda em si essa palavra mestra, um vocábulo cujo significado nunca deixará mentir o significante. Diz-se e já está, fez-se!
As vocações e aspirações da alma humana ramificam-se em vários tipos de natureza amplamente catalogados pela panteística taxonomia conciliadora. Talvez por isso, alguns espíritos do bem e do belo optem por uma atitude de passiva auto-reflexão. De que adiantaria forçar as molas do mundo a ativarem os mecanismos enérgicos que contraem os sonhos de todos. Ensinemos as crianças a idealizarem os remendos do amanhã. Que suas mãos pequenas escrevam, escrevam e escrevam. Que seus dedos se harmonizem nas teclas do tempo e nos orifícios das canas de sopro. E saia música estilizada, cante-se se for preciso! Mas que nunca se ouça nas trincheiras dos bastidores os desabafos que o temor ao erro inspira. Somos adultos e protegemos-vos diz o público experimentado. O temor ao erro pronunciando o fracasso, essa velha história. A Europa está unida e depois?
A questão principal está em saber em que instante os milhões de sem abrigo deixaram de ser bebés. Não tenho dúvidas de que todos acreditamos na inocência de um ser humano nos primeiros momentos de sua vida. Alguns povos perpetuam essa inocência até ao décimo segundo ano obrigatório, outros perdem a paciência ao primeiro arrastão e num ritual de punição identificam o final da infância numa sombra de criança sem documentos de identificação e sem boletim de vacinas. As mulheres ainda choram, mas os gritos que se ouvem foram os primeiros do mundo e por conseguinte hà muito que já foram tolerados. Conversam nas feiras e na volta das cerimónias religiosas, quando estes percursos lhe são permitidos.- Ai o meu filho nunca mais sai! – Quando foi vizinha? –Ora estamos em Abril, a Quinta dos Segredos começou o ano passado por volta desta altura, deixe ver, bom, olhe se quer que lhe diga já não sei bem… Logo vou perguntar ao pai se o vir.
A vida passa rápido dentro dos muros. Só quem nunca ficou em casa adoentado no quarto poderá se atrever a afirmar que a prisão domiciliária é mais tolerável. Injusta sentença é o que é. Se assim fosse as bibliotecas públicas estariam cheias e as ruas direitas vazias. É fácil circular numa via aberta e se tiverem a sorte de algum dia vos ser dado a escolher entre essa via e um canal fechado aconselho-vos desde já a não perderem muito tempo com a resposta a dar. Via aberta com montras, televisão por cabo, internet e revistas da vida social à disposição! Aqueles poucos que se atreveram a escolher os canais fechados da existência permanecem sozinhos num lugar desconhecido à espera que nos lembremos deles. Não querem ser esquecidos, são humanos. Mas não se mostram em plena desenvoltura solar, preferem a verdadeira troika de Apoio que a sombra da reflexão, no contraste lúcido do silêncio irá cobrir com perfeita beleza humana. Ficam pessoas estranhas, quando surge uma oportunidade de escape já de lá não saem. Emigrantes! Tendo dito isto é fácil perceber o caminho a escolher:- a beleza nunca se casará com os homens comuns! Se alguma vez caíres num túnel fechado foge a sete pés, corre para o sofá e calça as pantufas. Os altares estão cheios de mártires e os feriados estão a acabar.

 
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fcsguimaraes
 
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