Poemas : 

Naquele corredor gelado antes da anestesia geral

 
Quem fechou a janela dos meus olhos?
Hoje só vejo o céu com os olhos dos outros
Rezo para ainda sair sangue
Quando eu me cortar ao barbear-me

O sonho de todos nós é mudar o mundo
Enchendo primeiro a geladeira com dinheiro
Depois quem sabe eu tenha tempo pra viver
Quando descobrirem alguma doença terminal no meu espírito?

“Deixe o jovem sonhar em ser feliz
Daqui a pouco ele descobre algum programa legal na TV
Ou alguém jovem, divertido e bonito
Que o faça rir dos cadáveres que encontra pelas ruas”

Faço como todas as pessoas de bem
Deixo meus sonhos fugirem pelo ralo
Junto com os fios do meu cabelo
E os últimos Nós do meu vocabulário

Tudo que importa é que semana que vem tem uma festa
Não quero chegar lá com o rosto sujo de sangue
Nem com pregos nos pulsos
Estarei apenas com minhas coroas militares
Por ter matado as mães de alguns inimigos
E assim serei um herói para todos
Um exemplo para as crianças
Quem sabe um dia elas também virem assassinos
Com seu lugar garantido no céu da sociedade?
Ou com seus retratos pendurados
Nos altares de alguma universidade?
Quem sabe eu não ache alguma blusa bonita
Com uma estampa colorida sobre amar o próximo
Ou algum slogan imbecil que soe bem?

Sou capaz de cortar os pulsos com a minha língua
E já entendi, está tudo certo:
Mais importante que o amor é conseguir um bom emprego
Só não posso dizer isso em voz alta
Pois me mostrarão o sinal vermelho
Ligarão para a polícia e eles realmente aparecerão
Em todos os meus pesadelos

Não tenho tempo para imaginar desenho em nuvens
Posso pedir para o meu computador fazer isso
Quando estiver trancado no útero do meu quarto

Comprarei uma camisa nova para disfarçar meu desespero
Ou um ingresso para ver crianças serem fuziladas
Verei pessoas chorando lágrimas artificiais
Tão certas como a vela derretendo perto do fogo

Certa vez perdi a memória
Olhei nos olhos dos meus pais sem saber quem eles eram
Logo em seguida lembrei de tudo
Meu nome, minhas doenças e psicopatias
Eu sempre soube que era tudo mentira
Uma questão de lembrar minhas falas
E os nomes dos outros personagens

Nunca mais me preocupo com a morte
Ela ainda nos põe em contato com a nossa natureza
E garante aplausos e lágrimas em filmes e velórios

 
Autor
ferlumbras
 
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