Poemas : 

Aqui jaz um poema

 

Um homem olha para uma ave agonizante
E só vê a dor incontestável.
A morte tem a ultima palavra,
Ri-se dessa dor.
Não sei da dor da ave
Só do arfar do seu peito
Que busca ar pelo bico entreaberto,
E da morte que a ceifa,
Só sei de ouvir falar.

Não sei do poema que o canta
Escrito em sarrabiscos pela asa esvoaçante
Sei do tombo em estio invernoso,
Da queda semi vertical,
Sei do “baque” que produziu no chão
Num som surdo cuja rima não encontro
Num estraçalhar de versos e estrofes,
Rimas desfeitas num arfar, em busca de ar
Na inspiração entreaberta e imperfeita.
Não sei do gume que o ceifa,
Só sei de ouvir falar.
 
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jaber
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Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 27/05/2012 21:43  Atualizado: 27/05/2012 21:43
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 8104
 Re: Aqui jaz um poema EXCELENTE
Tenho pena que não tenha mais leituras um poema assim; a dor da morte é um sentimento que apenas podemos imaginar, que nunca ninguém de lá voltou para contar. A dor nos pequeninos e frágeis dói mais ainda na imaginação; este poema traz-nos isso tudo, revestido de sons, movimentos, que se palpam na carne do poema como se fosse nossa, leva-nos a respirar devagar, e a suster a respiração até ao último verso, esse gume que ceifa a vida e o poema que morre junto, mas de uma forma que nos leva junto nas suas asas.
Que tal lerem umas vinte vezes seguidas? Haverá sempre mais a acrescentar ao que aqui deixo.
Parabéns José.


Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 27/05/2012 21:46  Atualizado: 27/05/2012 21:46
Colaborador
Usuário desde: 18/09/2006
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2489
 Re: Aqui jaz um poema
Jaber

Se só sabes de ouvir falar descreveste-o muito bem.

Concordo com a Roque, soberbo este poema.

Beijos


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2012 11:20  Atualizado: 28/05/2012 11:20
 Re: Aqui jaz um poema
Um belo e bem construído texto poético... gostei da analogia(ave/poema). Uma convergência feliz entre a sensibilidade e o pensamento que convida uma (re) visão (re-educar)do olhar... o leitor interroga /excita a razão e a sensibilidade para a compreensão (interpretação) final do texto.

E, nesta abertura / inconstância que se vive... mortes( finais) se anunciam a cada momento , a dor é de todos, como bem dizes.

Um abraço


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2012 11:25  Atualizado: 28/05/2012 11:25
 Re: Aqui jaz um poema
Tentando chegar mais perto, como pede Drummond, em Procura da poesia: “Chega mais perto e contempla as palavras” é com surpresa que se vê a ave que agoniza. Metáfora perfeita para a finitude e o sentimento que é do Outro. Ave/poema/homem se integram então. O homem através dos sentidos, vê,ouve, fala. A ave canta, agoniza, enquanto a liberdade se esvai pelas asas. O poema se metamorfoseia nesta ave que se esapatifa em versos e estrofes e ... penas.
Li e senti o poema como uma estrutura em abismo, a própria queda semi vertical de que falas.
Inevitável não ser a ave, o poema que jaz. É mesmo pra se ler 10, 20 vezes, como diz a Roque, e se permitir a experiência, nem sempre confortável que o poema oferta. Mas, a beleza (trágica) é mesmo indescritível.
É um poema imenso, Jaber.

Beijo.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/05/2012 18:55  Atualizado: 28/05/2012 18:55
 Re: Aqui jaz um poema
*A 'proximidade' da morte faz-me divagar sobre ela e já a comparei com um poema, com um verso enlutado, com um verso na eternidade...
A leitura aqui, trouxe-me mais um olhar.
Um abraço
Ka*