Poemas : 

O HACKER

 
- Tragam o rapaz! Diga seu nome.
- Chessdevil.
- Chess o quê?
- C-H-E-S-S-D-E-V-I-L, Chessdevil doutor, é o meu login.
- Você deve estar brincando comigo. Mostre-me sua identidade.
- Não tenho senhor, perdi meus documentos.
- Você mora em São Paulo, na Rua Treze de Maio, 666, Morumbi, confere?
- Isso mesmo.
- Você tem telefone?
- Não senhor.
- Nem celular?
- Nem celular.
- Acho que você quer me fazer de palhaço.
- Não senhor.
- Você quer que eu acredite que viajou de São Paulo a Caruaru sem documento algum?
- Sim, senhor.
- Não é possível.
- Vim de carona, doutor.
- De carona, claro. E onde está?
- Quem senhor?
- A carona! A pessoa que lhe trouxe.
- Não sei senhor.
- Consta na queixa que faz quase um mês que você está morando na casa de uma menina que conheceu pela internet.
- É verdade, senhor.
- E que alugou roupas caras, comprou flores tudo para impressionar. E parece que conseguiu, pois todo mundo ficou encantado, só que agora descobriram que o senhor está explorando.
- Não estou entendendo.
- Você está sim. Quer me fazer de besta, mas não vai conseguir. No que você trabalha?
- Eu faço programas, doutor.
- Programa, isso dá dinheiro?
- Às vezes dá.
- Sua noiva sabe que você faz programa?
- Sabe, sim, foi uma das primeiras coisas que eu lhe disse.
- Estou estranhando que não colocaram este fato na queixa.
- Que fato doutor?
- Que você faz programa.
- Que é que tem isso, delegado, meus programas são muito bons. Até hoje ninguém reclamou.
- Deixemos isso pra lá. Não me interessa o que você faz, e sim, onde.
- Eu faço em casa mesmo.
- Em casa? Você mora com quem?
- Moro com meus pais.
- Meu Deus, o mundo está virado mesmo.
- Não estou entendendo.
- Você vai entender. Talvez seja por isso que conseguiu conquistar a menina pela internet.
- Olhe seu delegado, a gente se conheceu pela rede social, o Facebook. Trocamos e-mail e algumas fotos. Apaixonamos-nos e resolvi visitá-la de surpresa para nos conhecermos pessoalmente. Receberam-me muito bem.
- Mas você acha certo o que está fazendo? Um mês dando despesa a uma família pobre, ninguém conhece os seus pais. Provavelmente está dando um golpe.
- Golpe? Eu é que estou sendo vítima de um. Pelas fotos e e-mails trocados ela me passou a impressão que era rica.
- Então foi ela pensando que o senhor era rico e o senhor pensando que ela era rica. Um dando golpe no outro.
- Eu não disse a ela que era rico, só falei que fazia programas. Quando cheguei ao bairro Kennedy vi logo que tinha entrado numa furada, mas continuei na minha. Até agora não vejo nada de errado no meu comportamento.
- Então, por que o senhor não vai embora? E por que não facilita as coisas pra polícia fornecendo as informações necessárias à identificação. Agindo assim somos forçados a pensar que tem alguma culpa no cartório. Se fosse noutro tempo o senhor se daria muito mal.
- Que tempo senhor?
- Ah! Aqueles tempos! A coisa era bem diferente. Todo mundo respeitava as autoridades, a policia, principalmente ao Exército. Hoje está uma zona. Se morrer um bandido em confronto com a gente logo vem esse tal de direitos humanos aporrinhar. Agora quando morre um policial, um soldado, gente de bem, não aparece ninguém pra se importar com a família do morto. Aquele era um tempo de ordem, disciplina e trabalho. Depois que elegeram um barbudo de esquerda a coisa desmoralizou. Os bandidos até das cadeias comandam sequestros, assaltos e assassinatos. O que o senhor acha?
- Não entendo de política doutor.
- Mas entende de safadeza, faz programa, se aproveita da lei para explorar as pessoas. Olhe que eu podia também aproveitar a lei para lhe dar um acocho. O senhor não tem documentos, disse que perdeu, mas não fez nenhum Boletim de Ocorrência. O senhor não quer fornecer um telefone pra gente confirmar ou não suas palavras. O senhor acabou de dizer que pretendia dar um golpe pela internet. Posso muito bem mantê-lo na cela até que resolva colaborar com a gente.
- Só não estou entendendo uma coisa doutor: que tem a ver meus programas com tudo isso?
- E ainda tem a petulância de perguntar? Um cara que vende seu corpo para ganhar dinheiro querendo viver entre uma família de bem.
- Ah! Agora entendi! Não sou garoto de programa delegado, faço programas para computador, softwares. Deixe explicar algumas coisas. Eu fiquei chateado com minha visita. Eu não queria dar golpe nenhum como pode parecer, apenas queria conhecer aquela que existia no meu mundo virtual. Quando vi que não era nada do que eu pensava cai em mim e resolvi aproveitar a situação, me vingando. Não estou mentindo para o senhor. Meu nome é Chessdevil. Digo que é meu login porque trabalho com computadores. Moro em São Paulo na Rua da Liberdade número 666, como já lhe disse.
- Então prove o que diz! Tentamos confirmar o endereço por telefone, mas não conseguimos.
- Eu não tenho culpa da fraca estrutura a serviço dos senhores. Não posso pagar por uma deficiência do Estado. Estou dizendo a verdade. Outro motivo que me fez demorar na casa foi a impossibilidade de arranjar trabalho. Não acreditam no que eu digo, assim como o senhor.
- Tudo bem. O que o amigo pretende fazer afinal? Vai continuar na casa da noiva mesmo sabendo que não é bem visto?
- Assim que sair daqui pego as minhas coisas e voltarei para São Paulo.
- Bem senhor Chessdevil, diante das circunstâncias vou liberá-lo, mas terei ainda uma conversa com sua futura ex-noiva. Se resolver ficar em Caruaru me procure. Esse negócio de programa pode dar um bom dinheiro.

 
Autor
ValdeciFerraz
 
Texto
Data
Leituras
1948
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