Poemas : 

AGONIA NOTURNA

 
Vasculhei todas as minhas gavetas,

percorri todas as ruas,

visitei antigas praças,

penetrei nos bosques e nas cavernas,

caminhei por entre velhos pardieiros,

revi velhas prostitutas,

procurando o perfume de antigos momentos.

Homens desesperançados me pediram uma canção.

Nos espaços vazios deixados pelos amigos mortos

nasceram flores negras e sonhos amputados.

A mulher que devia ser minha se dissolveu como a onda no mar.

E tudo se fez silêncio dentro da noite.

A ponta de um sentimento rasgou o véu do tempo

por onde penetrou um alquimista embriagado.

E espalhou milhares de estrelas no céu interior.

Então eles foram chegando, um a um,

com a liberdade que a Musa lhes deu.

Primeiro o odor das primeiras carícias,

quando a sementes ainda estava seca

e as palavras perdiam o sentido.

Parece que ouço a voz do perfume

Reivindicando seu lugar ao sol

Como o fiel escudeiro Sancho Pança:

Vem comigo, poeta, ainda há tempo de sonhar.

Não sentes o pulsar das árvores?

Não ouves o canto dos cisnes?

Eu sou o que te leva às alturas

E torna as tuas lembranças eternas.

Com braços longos e firmes

construiu abrigo para as palavras

e estendeu um tapete tecido com lágrimas

onde um corpo de mulher dormia.

Um segundo perfume se derramou no ar:

era o aroma inconfundível dos risos fáceis

que tornavam as manhãs radiosas

e os rios cristalinos.

A vida explodia a três por quatro nos becos,

nos campos, nos bosques, nas matas,

nos leitos, nas moitas, nos sonhos.

E o cheiro de tudo ficava na alma.

O bolor acre de fraternos abraços

ressuscitou a alegria de saber-se amado,

debaixo de lençóis encardidos

a mão tinha um gosto de mulher,

até que um dia um olor diferente

se uniu com o vento para confabular

sobre paixão, desejo e imortalidade.

O incenso de jasmim traz velhas sepulturas,

mas elas fazem a vida tremular

nas pontas dos dedos e nos lábios de um cantor,

anunciando, gritando, clamando,

que mais do que nunca é preciso cultivar

o perfume que brota do seio da vida.

 
Autor
ValdeciFerraz
 
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