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…dóceis como ópio

 
Tags:  …dóceis como ópio  
 


não me negues o olhar
agora que já não te consigo ver
os sentidos perderam-se na boca do inferno
na língua de cadáveres esfomeados
penosamente, dóceis como ópio
não rasgues o céu que não te pertence
no brilho que refutas com inglórias
de tudo, que já não te é semelhante,
guarda o fato preto, abutre!
encharca-o de naftalina
quando eu morrer serei as cinzas da tua cegueira,
na garganta do meu silêncio guardarei
os nós do arame farpado dos teus gritos


Conceição Bernardino



A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.
Aristóteles

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Autor
Conceição Bernardino
 
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Enviado por Tópico
AnaMartins
Publicado: 11/09/2012 18:33  Atualizado: 11/09/2012 18:33
Colaborador
Usuário desde: 25/05/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 2220
 Re: …dóceis como ópio
Olá Menina!

Este poema pode ser para tão boa gente...Sóbrio e directo!

Beijinhos

Enviado por Tópico
Transversal
Publicado: 11/09/2012 18:37  Atualizado: 11/09/2012 18:37
Membro de honra
Usuário desde: 02/01/2011
Localidade: Lisboa (a bombordo do Rio Tejo)
Mensagens: 3755
 Re: …dóceis como ópio
e como se nega um olhar, perguntar-te-ei?

"não rasgues (um) céu
encharca-o no brilho que refutas
na garganta do meu silêncio guardarei
teus gritos, penosamente
agora que já não consigo ver".

Amor/ódio tão intrínsecos, que sejam "...dóceis como ópio" (o ópio não será nunca dócil em suas viagens). Parabéns. Obrigado.

Abraço-te.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/09/2012 19:21  Atualizado: 11/09/2012 19:21
 Re: …dóceis como ópio
Adorei este seu poema...

Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 11/09/2012 20:21  Atualizado: 11/09/2012 20:21
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: …dóceis como ópio
Boa Tarde, Poetisa!

Adorei seus versos! Perfeito!
Parabéns!
Bjos, jamais "doces como ópio"

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Enviado por Tópico
Sedov
Publicado: 11/09/2012 21:42  Atualizado: 11/09/2012 21:42
Super Participativo
Usuário desde: 27/08/2012
Localidade: Lisboa
Mensagens: 119
 Re: …dóceis como ópio
São palavras que enchem a boca. Experimentei ler o teu poema em voz alta... pareceu-me ainda melhor.

Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 14/09/2012 01:42  Atualizado: 14/09/2012 01:42
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 17960
 Re: …dóceis como ópio
Eu que desde o primeiro poema virei fã
dessa tua assinatura única em poesia. bjs e
imensamente obrigada

Enviado por Tópico
Margô_T
Publicado: 25/07/2016 15:54  Atualizado: 25/07/2016 15:54
Da casa!
Usuário desde: 27/06/2016
Localidade: Lisboa
Mensagens: 308
 Re: …dóceis como ópio
É desta tua força poética que eu gosto: agreste, selvagem, impetuosa… por vezes até chocante e trágica.

“não me negues o olhar
agora que já não te consigo ver”


Ser visto quando não se vê que se é visto… sem que haja uma constatação dessa visão. Porém, não há aqui um pedido, é uma ordem que se ouve neste teu primeiro verso: “não me negues o olhar” (começar um poema assim é pregar o leitor desde o início… esse mesmo que não consegues ver e que te segue, aqui, à distância...).

“os sentidos perderam-se na boca do inferno
na língua de cadáveres esfomeados
penosamente, dóceis como ópio”


os sentidos perderam-se… os sentidos estão agora adormecidos, anestesiados… Mas essa sensação de entorpecimento é aqui retratada com brutalidade, com imagens rudes e fúnebres, nada “dóceis como ópio” e, ainda assim, como negar que nos viciam e nos atraem, apesar de terem tudo para nos repelirem?
Falar de inacção recorrendo ao movimento de uma imagem típica dos infernos de Dante… falar de inacção, assaltando o leitor (que não pretendes, de modo nenhum, que te leia passivamente).

“não rasgues o céu que não te pertence
no brilho que refutas com inglórias
de tudo, que já não te é semelhante,
guarda o fato preto, abutre! ”


O “céu” que não se rasgue senão nesta tela de palavras que aqui desenhas, enquanto trocas o “brilho” pelas “inglórias” e mandas o abutre tirar o seu “fato preto” porque o que aqui expões (abruptamente) não é caso para luto, ainda que tudo se desmorone e pareça que estamos num terreno apocalíptico.

“encharca-o de naftalina”

Nada de se rasgarem céus nem de se estragarem fatos com traças. É favor manter o decoro que isto soa a pesadelo, mas ainda há lugar para rasgos de polidez (contraste delicioso…)

“quando eu morrer serei as cinzas da tua cegueira,
na garganta do meu silêncio guardarei
os nós do arame farpado dos teus gritos”


Serás o resto do que não se vê… ou serás o resto do que te vê quando já tu não o vês? (e, assim, retomamos o primeiro verso e a cegueira é aqui a incapacidade de ver quando se deve ver - quando se olha e se é olhado, em simultâneo).
Cego aquele que te vê tarde demais, portanto… quando os teus sentidos já adormeceram, os olhos já se olham em direcções opostas, e na “garganta” do teu “silêncio” ficaram gravados os “nós do arame farpado" dos "gritos”.
Tomo este teu poema como a tua garganta e nele vejo todos os silêncios que guardaste. Nele se vêem, também, os nós, o “arame farpado” e os “gritos”.
É desta força que me lembro quando penso na tua escrita. Foi esta força que me marcou.