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O bêbado e a sociedade descartável

 
O bêbado e a sociedade descartável

Os passos descalços de um homem descartado pela sociedade levam segredos de sua origem jamais revelada. De onde ele vem ou para onde ele vai o bom senso da vida se nega a justificar ou ajudá-lo. Olhando esse homem abandonado e entregue à bebida, ainda percebo que ele não se abdicou de seus valores morais de criação.

O desequilíbrio dos valores éticos da sociedade materialista coloca-o em posição descartável, fechando os olhos para sua real função social.

O dia de sol quente queimava os pés do homem bêbado puxando seu carrinho de reciclagem em uma avenida vazia, ao avistar uma garrafa plástica poluindo o espaço visual da cidade, o homem parou seu carrinho para recolhê-la.

No mesmo momento e na mesma avenida seguia tranquilamente um casal em seu veículo de luxo, que não aceitou encontrar aquele carrinho de reciclagem estacionado no canto da avenida disputando o mesmo espaço com eles, então pararam o veículo próximo ao carrinho e buzinaram para que o homem bêbado tirasse o carrinho da avenida.

Sem dar atenção para o casal e com muita dificuldade para caminhar o bêbado recolheu a garrafa plástica ouvindo o homem se manifestar buzinando e reclamando.

O bêbado estava ajeitando a garrafa plástica no carrinho de reciclagem quando o vidro do veículo de luxo foi baixado silenciosamente e uma lata de alumínio foi lançada para fora do carro poluindo a calçada. Vendo grande valor naquela lata o homem saiu cambaleando no efeito da bebida para recolhê-la. Essa atitude do reciclador deixou o motorista do veículo tão furioso que resolveu tirar satisfações com o bêbado.

- O senhor tem que tirar o carrinho da avenida para eu passar com o meu carro. É o meu direito!

O homem bêbado não entendeu nada. Se não havia nenhum veículo na avenida, por que ele não desviava o carro e ia embora.

O motorista do carro era um homem exageradamente gordo e extremamente ignorante. Ele se aproximou do reciclador agressivamente gritando e caminhando com dificuldade.

- Eu mandei você tirar aquele lixo do meio da avenida! Depois empurrou o homem bêbado que caiu na calçada sem esboçar nenhuma defesa.

O bêbado levantou com dificuldade e caminhou cambaleando pelo efeito dominador do álcool escutando palavras ofensivas do cidadão cheio de direitos.

Com dificuldades de equilíbrio nas passadas o bêbado descontrolado se aproximou do carrinho de reciclagem pegando um machado que estava guardado e caminhou para o lado do homem gordo querendo vingança. Ao avistar o homem com o machado na mão o gordo correu com dificuldade enquanto o bêbado corria cambaleando atrás querendo pegá-lo, porém essa perseguição não passou de dez metros, essa foi a distância suficiente para esgotá-los e amenizar a situação.

Um momento aterrorizador, pois o homem bêbado com muita raiva jogava o machado para o alto e ficava em baixo, foram várias vezes lançando o machado para o alto e nenhuma vez ele foi atingido na queda da ferramenta, que se espatifava ao chão soltando faíscas. Essa atitude do bêbado deixou o gordo assustado com tamanha loucura.

Enquanto o bêbado voltava para o carrinho avistou a mulher do carro jogando uma caixa de sanduiches na calçada. Ele recolheu a lata de alumínio e a caixa de sanduiches deixando a calçada limpa, colocou no carrinho de reciclagem e continuou caminhando com o carrinho na avenida.

Essa atitude deixou o gordo furioso. Ele entrou no veículo de luxo e bateu na traseira do carrinho de reciclagem deixando o homem bêbado estirado na avenida e tudo esparramado, depois desviou o carro e foi embora como se nada tivesse acontecido.

Um casal que passava pela avenida em um carro velho parou e socorreu o homem bêbado, que havia machucado apenas o joelho e não aceitou ser levado para um hospital. Eles juntaram tudo e ele seguiu pela avenida puxando seu carrinho com dificuldades para caminhar.

Seguindo pela avenida o bêbado reencontra o mesmo veículo de luxo estacionado na avenida interrompendo sua passagem. Sem encontrar dificuldades ele desvia e continua seu caminho para finalmente descansar em casa.

Eles chegaram a suas casas no mesmo momento. O casal do veículo de luxo em uma casa com cinco banheiros, onde imediatamente foram tomar banho em uma hidromassagem questionando: Como aquele homem bêbado poderia andar tão sujo? Na cozinha da casa os empregados preparavam a mesa para o jantar.

O homem bêbado chegou a sua casa, que era feita de caixas de papelão em baixo de um viaduto. À sua espera estava um cachorro latindo e fazendo festa pela sua chegada. Ele dividiu a comida com o amigo fiel e depois deitou sobre uns panos velhos dormindo profundamente para aliviar o cansaço do dia duro.

A manhã chegou e o bêbado estava morto com seu corpo sendo vigiado pelo amigo fiel e na mansão estava o corpo do homem gordo caído no banheiro de luxo depois de um enfarto fulminante.

Ambos foram descartados pela sociedade sem compaixão e a vida continuou.


Paulo Ribeiro de Alvarenga
Criador de vaga-lumes
Iluminando pensamentos

 
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zzipperr
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Enviado por Tópico
fotograma
Publicado: 23/10/2012 01:21  Atualizado: 23/10/2012 01:21
Colaborador
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Mensagens: 1473
 Re: O bêbado e a sociedade descartável
meta-poemas é sua temática única?

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/10/2012 11:45  Atualizado: 23/10/2012 11:47
 Re: O bêbado e a sociedade descartável
Olá Paulo, seja o texto fictício ou não, trouxe a tona um flagrante da vida real, inda mais se numa localidade que conheço bem onde o alto poder aquisitivo mistura-se em desigualdade com a pobreza extrema, e, eu, baseado na foto/imagem adenda a sua postagem, qual confesso que foi o que me chamou a atenção para lê-lo, e que me permite dar-lhe o crédito merecido antecipadamente. nessa oportunidade; meu relato verossímil que segue: coincidentemente, apesar de eu não saber o nome do homem da carroça conheço-o pessoalmente; é um catador de reciclados, donde vem o seu sustento (detalhe; ele não é bêbado nem mendigo, apenas muito pobre). que se registre os endereçamentos e dados a seguir. (ah! gordos, ricos e afetados, existem, conheço alguns com a mesma arrogância e até pior. mas não tenho amizade há nenhum). certamente muitas vezes isso pode ter acontecido no cotidiano que conheço bem, pois, moro próximo, 5 minutos da Rua Irene Lopes Sodré, (a que aparece na foto/imagem juntamente com o ônibus e a carroça) começa na Av. Francisco da Cruz Nunes sub bairro Maravista e termina na Pça. do Engenho do Mato sub bairro Soter, todos na localidade da Região Oceânica no bairro de Itaipu, Niterói, RJ. o ônibus 38A é o que faz a linha; Engenho do Mato X Terminal Rodoviário no centro da cidade, e no seu trajeto, passa por locais muito ricos e outros paupérrimos. Num país em que o governo finge atacar de frente o problema social, não podemos culpar situações desta natureza, digo/escrevo-lhe, para concordar com a mensagem qual inicias o texto. e não tenho o que dizer mais. encerro. gostei do texto.

o abraço dum caRIOca, niteroiense há 30 anos
zésilveiradobrasil