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Crónica de parte da minha loucura

 
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Crónica de parte da minha loucura
 
Confesso-me estranha, esquisita, diferente, inadaptada, desajustada e até desiquilibrada.

Costumo dizer que este mundo não me pertence, não me preenche, pouco me diz e muito menos me faz feliz . Também não é por isso que tenho pressa de morrer, mas nunca me aferirei àquilo que chamam de padrões socialmente corretos.

Desde que me conheço, por gente, que me recordo de ter completo pavor de estar em salas fechadas com outras pessoas. Começo, automaticamente, a imaginar que o oxigénio vai acabar e, sempre que possível, corro a abrir uma porta ou uma fresta de uma janela, alheia ao facto de estar muito frio ou a chover, sob pena de entrar em pânico. A isso poder-se-ia chamar claustrofobia, não fosse eu não sentir esse mesmo desconforto em elevadores ou aviões, o que seria muito natural, tendo em linha de conta o mesmo princípio de estar confinada a um espaço pouco oxigenado e ser obrigada a dividi-lo com outros protagonistas, na sua maioria alheios ao drama que estou a experienciar nesse momento. Creio que a minha mente consegue monitorizar que se trata de uma situação pontual.

Até há pouco tempo, quando entrava num cemitério, sustinha a respiração, o maior tempo possível, para não respirar o gaz sulfídrico que os corpos em decomposição libertam. Como aparte, por força do episódio trágico da morte da minha mãe, essa situação eu já superei. Hoje em dia, já vou ao cemitério sem quaisquer problemas.

Situação idêntica ocorre comigo quando vou visitar alguém em hospitais, fico sempre com a impressão que vou apanhar todos os vírus que os doentes da enfermaria têm, logo não consigo respirar fundo, em ambiente hospitalar.

Grandes superfícies, com muita gente a circular, tal como hipermercados ou grandes centros comerciais, toldam-me a cabeça a ponto de quase desmaiar. São espaços a não frequentar.

A menopausa também não me tem poupado a estes constrangimentos. Em termos profissionais, partilho um gabinete com outras três colegas. Sinto-me presa, entre quatro paredes. Enquanto eu morro de calor e a ideia de não entrar oxigénio na sala me persegue, as restantes colegas tiritam de frio. Escusado será dizer que, a maioria vence e para ajudar a saturar o ar, ainda tenho de aguentar o sistema de ar condicionado, propagador e proliferador privilegiado de ácaros, fungos e bactérias, modernismos, conscientemente, nocivos à saúde. Dando-me por vencida, mas, não por convencida, lá vou engolindo goles de água para refrescar a minha obsessão maníaca/depressiva .

Serão fobias, taras, manias, loucura, traumas de vidas passadas, ou apenas fragilidade humana, de quem usa a cabeça para pensar nos mais ínfimos detalhes da vida, mas, não, somenos importantes, tal como a relevância, para a nossa sáude, do ar que respiramos?

Mesmo que fique sem resposta, isto é apenas uma pequena mostra da minha peculiar forma de ser e de estar...

Maria Fernanda Reis Esteves
53 anos
natural: Setúbal
 
Autor
Nanda
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Enviado por Tópico
carolcarolina
Publicado: 18/05/2013 23:19  Atualizado: 18/05/2013 23:19
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Usuário desde: 24/01/2010
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Mensagens: 9299
 Re: Crónica de parte da minha loucura
Amiga Poetisa
Nanda

Uma crônica bem interessante e não tão incomum...existem pessoas assim com algum tipo de claustrofobia ou fobia... eu tenho uma amiga que não entra em elevadores de maneira nenhuma...e nos ônibus de dois andares...nem amarrada vai para os assentos que ficam acima...amei a tua crônica amiga poetisa.
Bjinhos
carol

Enviado por Tópico
Betha Mendonça
Publicado: 18/05/2013 23:50  Atualizado: 18/05/2013 23:50
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Usuário desde: 30/06/2009
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
Querida,

Também tenho dificuldade de adequação (?) com muitas coisas, e,
com o passar dos anos tudo piora. Até aquela insana de quem escrevi
as memórias tem muito dessa loucura cotidiana.É levar as fobias como
a gente pode.Afinal, quem em sã consciência pode dizer-se normal?
Apreciei e me identifiquei com o texto!
Bjo

Enviado por Tópico
fotograma
Publicado: 19/05/2013 01:00  Atualizado: 19/05/2013 01:00
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
mas não é de todos essa incessante busca por inspiração? ;—)

Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 19/05/2013 18:02  Atualizado: 19/05/2013 18:02
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Localidade: Taubaté SP
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
Boa tarde Nanda, eu lido bem com todas as situações, a gente adquire anticorpos na medida que se expões aos riscos, mais tem circunstâncias que de fato são horripilantes, mas não ligo pra muita coisa. Parabéns pela sua instigante Crônica, um grande abraço, MJ.

Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 19/05/2013 19:26  Atualizado: 19/05/2013 19:26
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
(abaixo a normalidade)a alma sai da mesmice e
controla o tédio, vai ditando o ritmo do novo.
Assim senti sua crônica. bjs querida

Enviado por Tópico
arfemo
Publicado: 19/05/2013 21:44  Atualizado: 19/05/2013 21:44
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
...idiossincrasias que todos nós partilhamos em maior ou menor grau, num sentido ou noutro...impositiva (para o leitor) a narrativa crua e subjectiva que nos leva a pensar...

beijos

Enviado por Tópico
marilda
Publicado: 01/06/2013 01:01  Atualizado: 01/06/2013 01:01
Super Participativo
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Localidade: Campinas /S.Paulo_Brasil
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 Re: Crónica de parte da minha loucura
Uma crônica muito bonita,com suas verdades,e que o são também de quase todas as pessoas que refletem sobre a vida.Bj.

Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 06/06/2013 16:57  Atualizado: 06/06/2013 16:57
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: Crónica de parte da minha loucura
Poetisa Nanda
Bela crônica! Tenho pavor a fazer palestras, mesmo que esteja segura do assunto, na hora dá um branco, até minha voz fica trêmula! Tenho medo de dirigir, principalmente quando é para trafegar em rua estreita ou próximo de carros maiores(ônibus, carreta). Aprendi que temos que enfrentar nossos medos, mas é difícil! Seja o que for não somos únicos! Adorei a leitura! Beijos!
Janna