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UM CONTO DO IRAJÁ

 
UM CONTO DO IRAJÁ
 

CAPT 1: A Falsa Noiva
(CONTO DA VIDA REAL)

O ano era 1958. O local, Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro.
A família morava em um conjunto habitacional de casas (construídas pelo antigo IAPC).
Migraram de Valença para o Rio, anos antes...

Eliane, uma jovem que tentava aprender na prática, o ofício de auxiliar de enfermagem, trabalhava na clínica de um doutor que era conhecido e amigo de sua família. As más línguas falavam do relacionamento que eles tinham: Sempre juntos em toda parte, gerando tais fofocas.
Foi nessa mesma época, que ela conheceu o homem que colocou sua vida 'de pernas para o ar': Josué.
Os comentários sobre ela e o doutor, chegaram aos ouvidos de Josué, que lhe perguntou se eram verdadeiros...
Era óbvio que ela disse que nada tinham, além de uma amizade de anos. Isso é um mistério até hoje! As pessoas envolvidas nessa história, estão mortas e nunca se soube ao certo.

Mas Eliane e Josué começaram a sair juntos e se relacionar intimamente. Ela estava apaixonada pelo homem 17 anos mais velho que ela. Nessa época, ele tinha duas atividades: Era barbeiro e protético.
Ambos ofícios, aprendidos na prática, pois estudo, ele só tinha até o terceiro ano primário (coisa comum na primeira metade do século XX).
Eliane tinha apenas um ano a mais que ele de estudo também: Vítima de fratura de crânio quando criança, sem tratamento adequado na época, ficou acamada durante um ano inteiro sem mover muito a cabeça e perdendo assim, as aulas (o que a fez desistir de vez de estudar).

Desse relacionamento, ela então gerou um fruto. Tentou esconder da família o quanto pode sua gravidez, com uma cinta que apertava cada vez mais até o quinto mês, quando teve que falar a verdade...
Antes porém, tentou várias vezes abortar, tomando remédios e chás. A gota d´água, foi quando tomou uma injeção que se dava em éguas... Nem assim ela perdeu o filho que carregava!
A sua única opção era revelar tudo e ver o que a família faria a respeito disso...

A mãe de Eliane, muito rigorosa nos princípios da época em que viviam, quase teve um colapso nervoso!
O pai era diferente: Poderia vir o mundo abaixo que ele não se incomodava, pois já tinha pequeno 'segredinho' para esconder da família, sua amante.
D. Rosa quis falar o mais rápido possível com o tal homem que "deflorou" sua filha e a engravidou. Pois a princípio Eliane não queria revelar quem era a pessoa. Foi indagada se era o doutor que tantas pessoas imaginavam ter algo com ela... Ela nada disse.

Primeiro, foi falar com Josué da confusão armada em casa com a notícia de sua gravidez. Disse que sua mãe e irmã mais velha, queriam saber quem era o pai da criança.
Josué queria que ela dissesse que era o doutor. Certamente ele daria um jeito de ajudar a família a resolver o problema, até porque, o doutor era casado havia muitos anos... Não seria bom esse tipo de escândalo.

Eliane ficou com medo da reação do doutor, diante de tal coisa: Ele não era o homem que a engravidara.
Mas Josué ficara com 'um pé atrás' sobre as fofocas em torno de Eliane: Afinal, ela poderia se relacionar com os dois homens, quem saberia?
Por fim, ela levou Josué a casa e apresentou aos pais, mesmo ele relutando em ir.
Havia um motivo: Era também casado ainda, (mesmo vivendo em outra casa separado da esposa) e tinha uma filhinha.
Isso ele revelou depois ou antes? Não sei na verdade, nunca me disseram esse particular.

Sabendo que não poderia casar com Eliane, por já ser casado, ele finalmente disse isso com todas as letras para os seus pais. D. Rosa surtou e levantou até um canivete (que ela sempre levava em seu bolso) para esfolar o rosto de Josué... Foi impedida pela mão do marido: Talvez fosse pelo fato, dele viver algo parecido, não podendo casar com a amante, por já ser casado com D. Rosa...

A solução foi armar uma farsa para que a filha não ficasse 'falada' pela vizinhança:
Um falso casamento civil em um cartório bem longe onde nenhum dos vizinhos pudesse ir, dia de semana.
O vestido para o falso casamento, em um tom de azul, foi feito por Eliane mesmo e se completava com chapéu e luvas, ao estilo da época. Estava mais do que apertada por duas cintas, quando o colocou.

Aprendera desde seus 9 anos a costurar com sua mãe D. Rosa, para ajudar nos gastos da família, já que seu pai tinha muitas dívidas para serem pagas, ainda em Valença...
O vizinho que era fotógrafo, ofereceu-se para fazer as fotos de graça, como presente de casamento para a família, pois sabia que seus recursos eram poucos. Eles agradeceram e disseram que já havia quem fizesse isso. Era óbvio que se ele insistisse em ir, descobriria a farsa. Ninguém mesmo, daquela vizinhança toda, poderia ir! Afinal, não havia para onde!

Josué foi pegar a família de Eliane, com uma carro de aluguel para fingir que todos estavam indo para o cartório e de lá, o novo casal iria direto para sua lua de mel em São Paulo (outra mentira). Assim disseram para o vizinhos que foram para a rua felicitar a "noiva" antes da partida para o "matrimônio."

Eliane estava doida para sair dali, acabando logo com toda a farsa, arquitetada por D. Rosa.
No final dera certo.
Depois de Josué e Eliane levarem suas coisas para morar num cômodo com banheiro, em Morro Agudo, a família dela voltou para Irajá, fingindo tê-los deixado na rodoviária, para a lua de mel na capital paulistana.

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CAPT 2: A HISTÓRIA DE JOSUÉ

A História De Josué

Passados meses, depois de toda a confusão das falsas bodas de Eliane com Josué, um menino que dormia em uma gaveta de cômoda. por não ter berço, finalmente era apresentado ao resto de sua família em Irajá.
O parto fora feito em casa mesmo. Ele recebeu o nome de Adilson. Mas, mesmo tendo nascido no mês de dezembro, entre o Natal e o Ano Novo, foi registrado somente em março.

Como se isso calasse a boca das pessoas. Pensaram que enganariam quem? A vizinhança ao saber que ela estava esperando um bebê, começaram a fazer as contas e aquele bebê apresentado para todos, nunca poderia ser um recém nascido, só te tivesse tomado fermento!

Nesses meses houve mudanças: O doutor, tão amigo antes, se afastou da família de Eliane.
Já Josué, não era bem visto entre os parentes de Eliane.
Mas de certa forma, ele tinha seu valor. Não se deve julgar uma pessoa apenas por um fato; quem somos nós?
Josué teve que passar por muita coisa nessa vida...

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Era um sobrevivente do sertão baiano na cidade grande, e isso custara-lhe a infância:
Aos 9 anos, ele saíra pelo mundo para tentar a vida e conseguir algo mais do que os demais que ficaram.
Em seu lugarejo(não era uma cidade) que se constituída de algumas casas beirando a linha do trem e pequeno comércio: uma mercearia, farmácia, padaria e um bar para se jogar baralho e sinuca, nada se poderia esperar de progresso e melhoria financeira.
Havia também uma escola até o quarto ano, uma capelinha mínima, que mal daria uma dúzia de pessoas dentro, e um posto telefônico para a vizinhança usar, já que não se tinha nem luz elétrica e rede de esgoto, quem diria ter cabos para telefonia doméstica!
Evidentemente, em local afastado, também existia a casa das moças de "vida fácil"(acho esse termo francamente inadequado, já que a vida dessas mulheres nada tem de fácil, estando sujeitas à violência, doenças, etc e tal).

Dessa forma, a vida corria ali como se o tempo tivesse congelado e nada mudou por anos a fio...
Josué fugira de casa, mesmo sabendo-se herdeiro de uma grande e renomada fábrica de charutos da Bahia.
Sua mãe havia se entregado aos "encantos" do patrão. Ficou grávida e se afastou dele. Ao saber que um filho desse relacionamento havia nascido, ele quis reconhecê-lo.
Ela porém, envergonhada por sua origem humilde e sabendo que a família rica do homem, jamais aceitaria que eles se casassem e registrasse a criança em seu nome, tinha se adiantado e registrado o menino como pai desconhecido, tendo apenas o 'Gonçalves' do sobrenome da mãe.
Mesmo sabendo disso, ele quis ajudá-la a criar o menino e os levou para perto da fábrica de charutos, o menino via o pai de vez em quando e começou a embrenhar-se pelas plantações de fumo, quando pegou um parasita no rosto, que o deixou dias com a face inchada e disforme.
Foi o suficiente para que sua mãe o levasse de volta ao lugarejo onde havia nascido.
Por falta de informação, ela temia que outras doenças contraísse, nas terras da fábrica ou que fosse um futuro tabagista...

O pai de Josué, só ficou sabendo dias depois que eles haviam se mudado dali... Estava viajando, quando tudo acontecera. Desanimado e resolvido a esquecer esse episódio de sua vida, casou-se com outra moça das relações de sua família e adotou um menino a quem colocou o mesmo nome do filho, que a vida fez-lhe escapar pelos dedos...

Josué aos 9 anos, com o pé na estrada e pedindo carona para todos os carros e caminhões que passavam, chegou até São Paulo. Ali, ficou como todo jovem migrante: Fazendo "bicos".
Era bem esperto e aprendia cada dia mais, como sobreviver numa cidade grande, criando a malícia necessária para isso... Afinal, estava sozinho e tinha que se manter vivo e alerta!
Desse jeito aprendera dois ofícios, trabalhando como ajudante: Barbeiro e protético.

Não serviu as forças armadas, sobrara. Esse foi um dos motivos para resolver que era a hora de ir embora de São Paulo e mudar-se para o Rio De Janeiro, que era capital federal naquela época.

No Rio, alugou um quartinho com banheiro e foi procurar emprego em uma das duas coisas que sabia fazer, mas, aprendeu outro tanto de coisas e descobriu-se ser bom vendedor também.
Nessa época, conheceu e casou-se com uma jovem de família classe média alta: Eliseth. Tiveram uma filhinha que recebeu o nome de Betina.
Quatro anos depois de seu nascimento, o casamento de seus pais terminou: Ele as levou para conhecer sua família no interiorzão da Bahia, porém durante a viagem, numa parada, mãe e filha foram ao banheiro.
E disso, resultou uma gonorreia para a criança. Ao saber do diagnóstico pelo médico, a mãe da menina, jurou que nunca mais a levaria em nenhuma viagem ao nordeste. Uma briga entre o casal decidiu a ação seguinte: A separação.

Tempos depois, ele conheceu Eliane e seguiu-se todo o resto...
Quatro anos depois do nascimento de Adilson, Eliane engravidou novamente. Nascia outro menino: Ademir.
Esse, foi amado por Eliane, mas não conseguia sentir o mesmo pelo seu primogênito, pois fora por causa dele, que teve que passar por toda aquela farsa(assim ela pensava)...

Josué com sua esperteza, conseguira passar de simples vendedor de títulos e ações da Clínica onde estava trabalhando nos últimos seis meses, a acionista majoritário. Nessa época, mudaram do Irajá (onde moravam novamente) para Niterói, no bairro de São Francisco.
Alugaram uma linda casa com a varanda fazendo praticamente todo o contorno, pegando da frente, até os fundos. Nessa época, Eliane teve uma vez na vida, a sensação de mandar e não, de ser mandada: Tinha duas empregadas ao seu dispor. Os meninos estavam matriculados na melhor escola do bairro e tinham de tudo. Josué comprara seu primeiro carro: Um Esplanada, muito cobiçado naquela época...
Os meninos já com 10 e 6 anos, ficaram encantados com o carro do pai.

A vida ia bem, até que o vício do jogo, pegou Josué de jeito: Fosse no pôquer ou nas patas de cavalo no jóquei...

(Continua)

Fátima Abreu
 
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FátimaAbreu
 
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1814
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Enviado por Tópico
Betha Mendonça
Publicado: 26/05/2013 23:17  Atualizado: 26/05/2013 23:17
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 Re: UM CONTO DO IRAJÁ
Gostei!A história prende o leitor.
No aguardo da continuação.
Bjo