Textos : 

Pai, faltam-me as palavras

 
Há muito tempo intento escrever, já que de tanto e de tudo escrevi desde então, mas não sei ao certo o que me é estorvo, de ti nada consigo, talvez o desejo de que nada seja poetizado, sem mandingas dizer acerca de ti, transcrever apenas o que me fora e ainda o é, cá me delinquo á fazer.
Sempre que me recordo de minhas andanças ainda mancebo, matuto, e como tudo se resolvia quando me assentava em teu colo. Era como se teus afagos vociferasse ao mundo: Te aquieta tempestade. Seus olhos corriam pelos meus, e logo, poucas palavras eram necessárias para que tivéssemos um parecer comum daquilo que nos enredava. Por vezes gritar o teu nome(era apenas refugo de minh’alma amante), em passos longos, na estuga de logo em teus braços poisar e dar-te um beijo por sobre tua barba grisalha, encrespada, assim me tinhas logo em indagação: O queres agora?
Podia apenas sorrir, disfarçar mediante a circustancia propícia, ora, decerto que havia(em certos momentos) motivo para a dita pergunta, era a bala que viciava, adocicada impregnada as vísceras, o bolo, o doce(diria tudo doce e comestível), o refrigerante, gelado, com aquelas pequenas garrafas que até combinavam(em tamanho) comigo. Contanto, ao ver por entre a fresta que o tempo deixou, era apenas vontade de ter tua reposta, saber que estavas ali, contíguo aos meus anseios e medos. Gritá-lo corredor afora até adentrar o salão donde ficavas me era muitos passos, a mim era como procurar um tesouro que logo havia de luzir por sobre os meus olhos, sem preço. E por isso, até mesmo sem um motivo concreto o fazia, tua voz, aquietada, amena, silenciosa como o vento e intensa como as águas me dizia: O que é filho?

Há tempos tenho tentando escrever de ti, recordar de nossas lembranças e transcrevê-las, sem chorar como cá agora faço, sem dizer que fora pouco, que não podias me abandonar, que a dor de teu silêncio dói mais do que qualquer grito que agora possa dar. Sei que não vais me ouvir, tão pouco me atender, mas se assim o é, de que me vale o que agora faço?
Queria apenas que soubesse de tudo que cá se passa sem ti, dizer que cada festa de aniversário(que só houveram quando cá estavas) paira em minha mente como nuvem de felicidade. Dizer que lamento quando não estive ao seu lado, e mais, lamento quando assim estive e mais de ti não pude compulsar. Lamento que o tempo tenha nos roubado isso, tudo que agora sei, talvez teria outra razão caso estivesse mediante o teu olhar, sempre ameno, de amor, de afecto, a cuidar. Foi ao recordar os teus olhos molhados ao me ver chegar naquele dia, que agora entendo: não há maior saber que viver. Nada deixaste escrito, não o podias, a vida não lhe permitiu a escrita, a labuta a subtraiu de teus dedos calejados. O teu vício escondia uma amor incompreendido, assim como todo poeta, teus olhos, rasos, obstruíam todo e qualquer olhar que o tentasse revelar. Em tudo nada escreveste, não relatara teus desamores, dores, solidão, medos. Mas viveu, e o fez de tal forma, que teus versos se derramam através do teu riso lembrando, se conjugam entre o teu olhar serrado, jamais esquecido, e se perdem, se perdem na imensidão deste vácuo que deixaste, muitos chamam de saudade, numa mistura de sal por sobre uma ferida que não se fecha, somado a maldade que no tempo(o mesmo que não volta) impera, e nada me permite fazer. Vindo de ti, prefiro dizer realidade: Dado as factos do real que me fostes e a idade, idade que jamais será o suficiente para amá-lo, para tê-lo, para recordá-lo.
Queria dar-te mais, mas como tu não coube em palavras, resta-me um mero findar:

Obrigado meu Pai. Minha vida é fruto de teu ensejo.


"Morremos gestantes da ansiedade que nada espera."

 
Autor
Junior A.
Autor
 
Texto
Data
Leituras
5980
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
5 pontos
5
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
PaulaMartins
Publicado: 28/12/2007 22:52  Atualizado: 28/12/2007 22:52
Da casa!
Usuário desde: 01/11/2006
Localidade: Setúbal
Mensagens: 273
 Re: Pai, faltam-me as palavras
Acredito que tenha sido muito dificil e que te tenham escassado as palavras, mas o resultado foi um texto cheio de sentimento, saudade e verdade, tocou-me bastante.

Bem hajas
Um beijinho
Paula Martins

Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 29/12/2007 01:02  Atualizado: 29/12/2007 01:02
Colaborador
Usuário desde: 18/09/2006
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2489
 Re: Pai, faltam-me as palavras
Um texto soberbo!

Um dos sentimentos mais bonitos é o amor pelo pai e pela mãe. Parabéns!

Beijos

Enviado por Tópico
Carlos Ricardo
Publicado: 29/12/2007 01:22  Atualizado: 29/12/2007 01:22
Colaborador
Usuário desde: 28/12/2007
Localidade: Penafiel
Mensagens: 1801
 Re: Pai, faltam-me as palavras
Este texto é interessante pelo conteúdo e pela forma. A forma, no entanto, aqui, pela originalidade e singularidade (estranheza) do discurso, tem um papel indutor muito especial...
Tudo isto para tentar explicar o efeito de agradável surpresa que este texto teve.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/03/2011 03:17  Atualizado: 07/03/2011 03:17
 Re: Pai, faltam-me as palavras
Adorei seu poema, muito lindo! parabéns


Abraço
Jorge

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/03/2011 23:38  Atualizado: 16/03/2011 23:38
 Re: Pai, faltam-me as palavras
Belas palavras! Parabéns poeta!



Abraço