Poemas : 

Mistério sem nada mais…

 
Mistério sem nada mais…
 
E então eu peguei nas tuas mãos… Já tinha pegado nelas antes. Muito antes de me admitir a amar-te. Já há muito tempo atrás; quando ainda tolerava que os outros gostassem de ti da mesma maneira que eu, quando ainda tolerava que os outros te magoassem. Porque quando eles o faziam, era eu que te consolava, era eu que te agarrava as mãos e te dizia: “está tudo bem”. Mas nada estava bem; eu sentia o teu sofrimento como meu, como se tivesse sido eu eles, eu, eles, a fazer-te sofrer.
Mas apesar de todos os meus conselhos, tu continuaste sempre a voltar para eles, a ter novas aventuras com eles, a partilhar-te com eles de uma maneira maior que aquela com que te entregavas para mim. Para mim, que sabia que te merecia completa. Despida das tuas máscaras, despida das tuas roupas que me guardavam de ver os segredos do teu corpo. Mas isso era antes; porque da última vez que te segurei nos braços, quando tu te cansaste de sofrer por ele, por eles, e os deixaste para finalmente seres apenas tu; finalmente percebi…
Percebi que jamais iria deixar de te amar, porque finalmente agarrei a tua mão. Mas não como antes; agora quem trazia por dentro o mistério era eu. Mas não houve nenhuma terra a tremer, nem nenhum verão apenas só nosso, nem nenhuma a música, nem o tempo interrompido ou suspenso em nós, nem a terra a girar sobre as nossas mãos. Nem os pássaros a cantar nas árvores. Nem os bancos do jardim vazios. Nada…
Apenas eu e tu no jardim que não estava deserto, de mãos dadas como antes mas não como antes…
Era normal para ti, por isso aceitaste a minha mão como sempre. Olhei para os teus olhos, e parecia que irias deixar ali todas aquelas lágrimas que deixaste por sair um dia. Soube então que era o momento certo. Sem que nenhuma força me empurrasse, sem que nenhum espírito ou Deus me ajudasse; a medo beijei os teus lábios. Assim; só eu no meio do jardim, no meio do meu mundo; a beijar os teus lábios. Assim que os deixei, fechei os meus olhos ao sentir a tua mão voar de encontro à minha cara.
Senti calor ruborizar-me a bochecha. Mas não houve dor nenhuma... Os teus dedos aterraram suavemente no meu rosto; e a tua palma seguiu-os quando me acariciaste suavemente. Então tu sorriste para mim. Então tu desvendaste o mistério. Não o mistério de te dar as mãos de uma maneira diferente de todas as outras. Acho que esse mistério há muito que tu já o desvendaste… Mas o mistério que existe por dentro de mim, aquele que nem mesmo eu sei que há.
Arrancaste-me um pestana e sopraste. “Desejei que seja para sempre”. Para sempre ou não… Nunca esquecerei esse momento, não foi o primeiro, mas foi o do começo de tudo o que hoje há. Eu e tu no jardim, de mão dada, enquanto já me acaricias o cabelo.
Eu e tu de mão dada sem mistérios. Nada mais…
 
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Blackbird
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