Poemas : 

Poemas de Silas Correa Leite

 
Tags:  poesia  
 
PA S S A P O R T E

“Perdi minha origem/E não posso encontrá-la/Eu
me sinto em casa/Cada vez que o desconhecido
me rodeia...” Bjork (Wanderlust)



Por muito tempo sobrevivi sem rumo
Foi a época em que mais estive perto de mim
Eu estava livre como um elo da natureza
Dançava a chuva sem estar chovendo
As pessoas riam muito das minhas estripulias
Porque não sabiam da música
Que eu ouvia e que lavava minha alma e elevava meu espírito.

Pedi a um músico sentado a beira da estrada de trigais amarelos
Que me fizesse um blues sem mágoas
Tomei banhos celestiais em fontes de águas límpidas
Ouvi mantras e salmos feitos aos violinos dos ventos
E cada parte de mim era uma bela asa sempre aberta
Porque eu estava perdido
Procurando me encontrar.

Então um dia uma dor terrível me resgatou
E fui escrever livros para ter um passaporte muito além da angústia
Estudei as tempestades para fugir da dura realidade cruel
Até que deixei de ser criança e fui aprisionado no cinismo das vidas adultizadas
Que finalmente acabei assim como sou agora
Um pobre e simples e triste esquilo cego
Procurando saída nas letras entre parafusos soltos
E lágrimas secretas, como se fossem um fio-terra
Porque agora já não posso nunca mais me mostrar nu.
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Fogão de Lenha


Para Minha Mãe Eugênia de Oliveira Correa Leite

O fogão de lenha de minha mãe
De vermelhão
Um bule verde com cabeça de galo feito de crochê no bico
E a polenta amarela frigindo na chapa

Batatas; boi ralado (carne moída), milho verde
Doce de pinhão
E as lágrimas de sangue da mãe no guisado de saudades
Tantos teares de ausências requentadas

As salamandras do fogo aceso
Na solidão
Bolinho de chuva, bolinho de arroz, bolinho de tristices
E o enorme coração da mãe em chamas


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PEREGRINOS AFROBRASILIS
(MAMA ÁFRICA-BRASILIS)

O trem já partiu faz séculos meu irmão
Não há mais nada
Nem trem nem conexão
Nem noturno nem jornada
Na estação abandonada...
E uma multidão
Espera um trem um navio um balão
Para voltarem para a mama áfrica e raiz chão
Não são filhos deste solo não
São milhares, são milhões
Nessa e em outras estações
Primaveras invernos verões
Em hangares, aeroportos, silos, moinhos, portos
Subterrâneos, senzalas, cisternas, porões
Eles esperam vivos ou mortos
A volta ao lar que nunca mais verão
Que nunca mais haverá
Pois fincada o garrão da dor matrix está
Em terra em que se plantando tudo dá
(Até escravidão)
Onde canta a sabiá
E a sutra do garrote e o ferrão
E a áfrica peregrina ficou assim
Parada no ar em você, em nosotros e em mim
No sangue, na alma, no espírito, no DNA
Semeada no Brasil afrodescendente
Essa humanagente
Fundada em saudade e dor
A fruta parda a fruta mameluca a fruta mulata a fruta-cor
Essa africabrasilis em que todos
Em várzeas cortiços palafitas guetos becos e lodos
A história remorso calarão
Mas banzos e mantras e lundus e blues em tristices cantarão
E para sempre esperarão, esperarão
O trem o barco a nave a morte o balão
Cada um em seu mais interior
Humanagente
Afroperegrinos descendentes das mãos do invasor
Colonizador
Predador
Em nome da cruz de sangue e de nosso senhor
Em que fundaram esse Brasil de capitania hereditária
Gigante de esplendor
Sem indenização aos escravos
Sem reforma agrária
Com sangue desse tanto horror
Ergueram nessa terra seus negros bravos
Um Brasil afro com descendência e construidor
Pelo sangue, pela lágrima, pelo amor
Um áfrica-filha; eis o Brasil vencedor
E sofredor
Em cantagonias de um país de escravo e feitor
Levando a alma áfrica-mãe por onde for
África peregrina no historial condutor...
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Cyber Poeta Silas Correa Leite – Santa Itararé das Artes, das Letras, das Lágrimas, São Paulo, Brasil
Descendente de negro (de Angola) e índio (guarani) por parte de mãe
E de judeu-português (cristão novo) holandês por parte de pai
E-mail: poesilas@terra.com.br
www.portas-lapsos.zip.net
Autor de Porta-Lapsos, Poemas, Campo de Trigo Com Corvos, Contos, O Homem Que Virou Cerveja, Crônicas, etc.
Prêmios:
Ligia Fagundes Telles Para Professor Escritor, Poema
Paulo Leminski de Contos
Ignácio Loyola Brandão de Contos
Prêmio Mário de Andrade, Poesia Sobre São Paulo
Prêmio Instituto Piaget, Portugal, etc.













Silas Correa Leite





Silas Correa Leite
 
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poesilas
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