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AUTO-RETRATO

 
AUTO-RETRATO
(Ficção. Com excepção de alguns topónimos, todos os componentes são fictícios.)


O meu nome é AlfaZero,
E para o crime a minha tolerância é zero.




Naquela manhã, o detective AlfaZero acordou envolto numa onda de inspiração. Assim, como não tinha qualquer incumbência imediata, decidiu passar algum tempo a escrever o seu auto-retrato em verso. Ele encontrava-se no seu apartamento-escritório, na Avenida Marginal, em Luanda, a fazer precisamente isso quando a sua amiga Briana veio visitá-lo.
-- Está ocupado, detective AlfaZero? – perguntou ela.
-- Sim, estou ocupado mas hoje não estou a investigar. Hoje estou a escrever o meu auto-retrato em verso. E ainda bem que chegaste, Briana, porque vou precisar da tua ajuda. Toma, lê o que já escrevi.
Briana pegou no pedaço de papel em que o detective AlfaZero havia manuscrito parte do poema e leu em voz alta:


AUTO-RETRATO

O meu nome é AlfaZero,
E tenho 1,60 m de altura;
O meu corpo é de média estatura,
E para o crime a minha tolerância é zero;

Caminho com passo ligeiro,
E a minha vista é de falcão;
E como o nariz de um cão,
O meu nariz é especialista em cheiro;

Os meus ouvidos atentos acusam
Todas as ondas que eu não vejo;
E com o meu sexto sentido eu antevejo,
Os perigos que comigo se cruzam;

Sou atlético, ágil e destemido,
E o karaté não tem segredos para mim;

Ao acabar de ler, Briana disse:
-- Não sabia que era karateka, detective AlfaZero?!
-- Sim, sou. Na verdade, sou cinturão negro. Fiz os meus treinos no Japão, há alguns anos. Sempre gostei de artes marciais, Briana.
-- Ah sim? O karaté deve ajudá-lo muito no seu trabalho.
-- Oh, sim. Tem-me sido muito útil -- respondeu AlfaZero meio a sorrir como que a lembrar-se das vezes em que teve de usar o karaté para se livrar de situações de perigo.
-- Bem – prosseguiu a Briana -- estava então a dizer no seu auto-retrato que é atlético e que o karaté não tem segredos para si…
-- Sim -- disse AlfaZero – é verdade. O karaté é uma das minhas especialidades. Bem, mas vamos então continuar com o poema. Vou agora dizer qualquer coisa sobre a minha boca. Assim:

A minha boca mal começa, tem logo fim,
E só fala se eu for espremido;

-- Muito bem -- exclamou Briana e logo a seguir, perguntou: – mas o que quer dizer quando diz que a sua boca “mal começa, tem logo fim? E que ela só fala se você for espremido?”
-- Quero dizer que a minha boca é pequena e que eu sou de poucas palavras.
-- Oh, sim, – concordou Briana olhando para a boca de AlfaZero. E, com um sorriso, acrescentou: – não há dúvida que é mesmo pequena. E você não é, realmente, pessoa de muitas palavras… você só fala quando é mesmo bem espremido. -- Bem, a sua descrição física está exacta – continuou ela – contudo, sou de opinião que você devia dizer também alguma coisa sobre as suas capacidades mentais.
-- Oh, achas que sim? Não tinha pensado nisso. Okay, então ajuda-me lá.
-- Okay -- disse Briana – comece assim:

Quando se trata de fazer deduções,
A minha mente é rápida e infalível;

-- Excelente! -- exclamou o detective AlfaZero. E acrescentou:

E ela move-se com uma velocidade incrível,
Quando a tarefa é decifrar reacções;

-- Magnífico! Muito bom! – exclamou a Briana com entusiasmo.
-- Agora, Briana, vou compor a última quadra para fechar o poema. Aí vai ela:

Trabalho como detective independente,
E às vezes ando disfarçado;
Pelos criminosos sou temido e odiado,
Pois nunca deixo uma investigação pendente.

-- Que maravilha! – exclamou a Briana encantada – não sabia que o detective AlfaZero tinha uma veia poética tão apurada!
-- Ah, é apenas uma inspiração momentânea – disse humildemente AlfaZero, acrescentando: --- Briana, agora lê, por favor, todo o poema para ver se soa bem.
-- Okay -- disse a Briana -- vou tentar lê-lo tão devagar e compassadamente quanto possível. E Briana começou a leitura:


AUTO-RETRATO

O meu nome é AlfaZero,
E tenho 1,60 m de altura;
O meu corpo é de média estatura,
E para o crime a minha tolerância é zero;

Caminho com passo ligeiro,
E a minha vista é de falcão;
E como o nariz de um cão,
O meu nariz é especialista em cheiro;

Os meus ouvidos atentos acusam,
Todas as ondas que eu não vejo;
E com o meu sexto sentido eu antevejo,
Os perigos que comigo se cruzam;

Sou atlético, ágil e destemido,
E o karaté não tem segredos para mim;
A minha boca mal começa, tem logo fim,
E só fala se eu for espremido;

Quando se trata de fazer deduções,
A minha mente é rápida e infalível;
E ela move-se com uma velocidade incrível,
Quando a tarefa é decifrar reacções;

Trabalho como detective independente,
E às vezes ando disfarçado;
Pelos criminosos sou temido e odiado,
Pois nunca deixo uma investigação pendente.

-- Perfeito -- disse o detective AlfaZero. -- Está tal e qual como eu queria.
Logo que ele terminou de pronunciar estas palavras, o seu telefone fixo tocou. AlfaZero levantou o auscultador e disse:
-- Daqui fala o detective AlfaZero.
-- Bom-dia, detective AlfaZero – disse uma voz de mulher -- preciso urgentemente da sua ajuda. Recebi agora mesmo um auto-retrato acompanhado de instruções que devo seguir e não sei bem como proceder.
-- Um “auto-retrato”!?! Que coincidência! Está em verso? – perguntou AlfaZero, pensando no seu próprio auto-retrato em verso que havia acabado de escrever.
-- Não, não está, está em prosa. Estou tão assustada detective AlfaZero. Por favor, ajude-me. Estou no Bairro Prenda, Rua Sentinela, nº 77, em casa de uma amiga. Tenho receio de o receber em minha casa, pois posso estar a ser vigiada.
-- Estou a caminho -- disse AlfaZero ao mesmo tempo que poisava o auscultador.
-- Alguém precisa da sua ajuda? – perguntou a Briana.
-- Sim, Briana. Vou ver uma senhora que está aflita.
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AlfaZero estava agora no Prenda, Rua Sentinela, nº 77, a falar com a Dona Elizandra Mariati (pois foi dela que AlfaZero recebeu o telefonema), na casa de uma vizinha, amiga dela. Muito assustada, ela explicava o que se tinha passado.
-- Hoje de manhã -- disse a Dona Elizandra -- quando desci do primeiro andar, encontrei este envelope no soalho, em frente à porta de entrada. Alguém deve tê-lo introduzido pela pequena abertura inferior da porta. Está endereçado a mim. Dentro do envelope encontrei esta nota -- concluiu ela, mostrando a nota ao detective AlfaZero. A nota dizia:

AUTO-RETRATO
“Chamo-me Guilherme Teófilo, meço 1,70m de altura e tenho 44 anos de idade. Não sou muito gordo mas também não sou muito magro. Na minha mão esquerda falta-me o dedo anelar e quando falo gaguejo um pouco.”

INSTRUÇÕES:
1. Leia o meu auto-retrato com muita atenção.
2. Vá à AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) e apresente o seguinte facto como verdadeiro:
“Diga que um homem, que disse chamar-se Guilherme Teófilo, com as mesmas características como as que apresento no meu auto-retrato acima descrito, lhe pediu uma boleia quando você partia no seu barco para o Mussulo. Diga que, precisamente quando se encontrava a meio da viagem, o homem inesperadamente saltou do barco e se atirou para o mar, tendo, entretanto, tirado de um dos bolsos das suas calças uma pistola, suicidando-se com a mesma, antes de cair no mar.”
3. Assim que sair da AngoCrime, receberá uma chamada no seu telemóvel. Atenda a chamada e siga as instruções que lhe forem dadas.
NB: Você está a ser constantemente vigiada. Caso não siga as minhas instruções tal e qual estão especificadas, será morta nas próximas horas.

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Ao concluir a leitura da nota, AlfaZero perguntou à Dona Elizandra:
-- Tem alguma ideia de quem seja esse Guilherme Teófilo ou do porquê de ele a ter escolhido precisamente a si para efectuar este “trabalho”?
-- Não, não tenho a menor ideia -- respondeu ela encolhendo os ombros para reforçar o que dizia.
-- Bem -- disse AlfaZero -- a senhora vai ter de seguir as instruções que ele lhe deu pois, caso contrário, a sua vida correrá perigo. Uma outra alternativa seria contar a verdade à AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) e pedir protecção à Polícia. Contudo, esta opção poderia não ser muito confortável para si pois teria de viver rodeada de agentes da polícia a todo o momento o que, naturalmente, restringiria a sua privacidade. Assim, o que eu a aconselho é que siga as instruções que estão especificadas na nota. Entretanto, eu vou ver se consigo descobrir alguma luz no fundo do túnel.
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Assim que o detective AlfaZero a deixou, a Dona Elizandra entrou na sua viatura e dirigiu-se para a AngoCrime, no bairro dos Coqueiros, para apresentar o caso conforme solicitado na nota que recebeu. Na AngoCrime, (que funciona num belo edifício de quatro andares, cor de tijolo, situado no bairro dos Coqueiros) ela foi recebida pelo Inspector Juvenal e por um Sub-Inspector, que a conduziram para uma pequena sala, onde ela apresentou, então, o facto conforme lhe foi solicitado na nota que lhe foi enviada, naquela manhã, por Guilherme Teófilo. Quando ela concluiu de narrar o caso, o Inspector Juvenal, observou:
-- Que coincidência, Dona Elizandra Mariati, a senhora ser filha do Sr. Arturo Mariati, o ex-negociante de madeiras.
-- Coincidência, Inspector?! – perguntou, admirada, a Dona Elizandra.
-- Sim, coincidência, Dona Elizandra e sabe porquê? Porque o homem que saltou do seu barco, esse tal Guilherme Teófilo, segundo o retrato que nos apresentou, já é conhecido da Polícia – esclareceu o Inspector Juvenal e prosseguiu – com efeito, há cerca de quatro anos que andamos à procura dele, depois de ele se ter evadido da prisão. E ele foi preso pelo seguinte: há cerca de seis anos ele trabalhou para o seu pai, o Sr. Arturo Mariati. Ele era um dos trabalhadores numa das fábricas de serração de madeiras do seu pai. Num determinado dia ele perdeu o seu dedo anelar esquerdo enquanto manejava uma máquina defeituosa de trabalhos em madeira. Ele então pediu ao seu pai uma indemnização pelo facto de a máquina estar defeituosa. Como o seu pai se negou a pagar-lhe a indemnização que ele pedia, seguiu-se uma discussão durante a qual ele agrediu o seu pai ferindo-o gravemente. O seu pai intentou, então, uma acção judicial contra o Guilherme Teófilo tendo este, em resultado, sido julgado e condenado a seis anos de prisão. Contudo, dois anos depois de ter sido preso, ele evadiu-se da prisão e tem estado em fuga desde então.
-- Ah, o Inspector tem razão – disse a Dona Elizandra. – De facto, não deixa de ser uma coincidência curiosa.
-- Bem, ele poupou tempo e trabalho à Polícia, suicidando-se. Que a sua alma descanse em paz. Nós vamos contactar, de imediato, a Polícia Marítima para que tentem encontrar e remover o corpo do mar para que seja submetido à autópsia. Quanto a si, Dona Elizandra, pode então regressar para casa. O seu depoimento está registado. Caso venha a ser necessário mais alguma coisa, nós notificá-la-emos – disse, à guisa de despedida, o Inspector Juvenal.

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Depois de a dona Elizandra ter saído, o Inspector Juvenal comentou para o Sub-Inspector:
-- O pai dela era um grande industrial de madeiras. Faleceu há coisa de três anos deixando-lhe uma fortuna fabulosa. Ficou riquíssima. Tem casas, carros, barcos, dinheiro, enfim. E nunca se casou nem nunca quis viver maritalmente. Vive sozinha, numa casa que é um palácio. A mãe era de Benguela. Também já é falecida. Ah, se eu fosse mais novo, tenho impressão que me atirava a esta “peça”, -- concluiu o Inspector Juvenal, com um suspiro.
-- Olhe que há umas que o que gostam mesmo é dos “cotas” – opinou o Sub-Inspector, com um sorriso a bailar-lhe nos lábios.
-- Ah, não. Já não tenho idade para isso. Agora estou é para aturar a minha Mariana e mais nada. Não quero mais brincadeiras – sublinhou, com um misto de saudosismo e determinação o Inspector Juvenal. E logo a seguir rematou enquanto batia com uma esferográfica no tampo da mesa, talvez para enfatizar o que dizia: -- bem, vamos ver se trabalhamos mais um pouco.
E os dois homens regressaram para os seus respectivos gabinetes de trabalho.

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Assim que saiu da AngoCrime, a Dona Elizandra Mariati recebeu uma chamada no seu telemóvel, do seguinte teor:
-- Você está a ser constantemente vigiada. Contou o caso à AngoCrime conforme as instruções que recebeu?
-- Sim, contei – respondeu a Dona Elizandra, desnorteada, assustada e nervosa.
-- Muito bem – prosseguiu a voz – agora vai fazer o seguinte: siga para o bairro Alvalade e entre na Rua das Flores. Na referida rua, verá uma casa verde e branca com um grande portão vermelho à frente (é a única casa da referida rua com um portão vermelho). Estacione a sua viatura em frente ao referido portão vermelho, entre por esse portão e siga para a porta de entrada. Entre para a sala. Na sala verá uma mesa ao centro em cima da qual estará um documento de seis páginas. Sente-se, pegue na caneta que se encontra por cima do documento e assine todas as seis páginas do mesmo, no canto inferior direito. Não leia o documento pois não terá tempo para o fazer. Logo que acabe de assinar as seis páginas do documento, o telefone que se encontra por cima da mesa receberá uma chamada. Atenda a chamada e siga as instruções que lhe forem dadas.

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A Dona Elizandra Mariati estava a cumprir com todas as instruções à risca. Estava agora no Alvalade, em frente à casa verde e branca com um grande portão vermelho à frente, conforme indicado pela chamada telefónica. Entrou para a sala e lá estava o documento em cima de uma mesa. Conforme as instruções recebidas, assinou todas as seis páginas do documento e, logo que acabou de assinar a última página, o telefone que estava por cima da mesa, tocou. Ela levantou o auscultador e ouviu uma voz do outro lado da linha, dizer:
-- Muito bem, agora pegue no documento e dirija-se à Conservatória que se encontra no fundo da rua. Reconheça a sua assinatura no documento. Não faça nem receba chamadas telefónicas. Depois de ter reconhecido o documento, vá à casa de fotocópias que fica mesmo ao lado da Conservatória e tire uma fotocópia ao seu B.I. (Bilhete de Identidade) e outra ao seu Cartão de Contribuinte. Depois disso, volte para a casa onde assinou o documento, ponha o documento em cima da mesa juntamente com as fotocópias do seu B.I. e do seu Cartão de Contribuinte e volte para a sua viatura. Ponha a sua viatura a trabalhar e siga direitinho para casa. Lembre-se que está constantemente a ser vigiada. E lembre-se que eu estou morto, ouviu? Estou morto para si, estou morto para a AngoCrime, estou morto para todos.
E a chamada foi desligada.
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Ao chegar a casa, a Dona Elizandra, assustadíssima e nervosa, passou pelo quintal para a casa da sua vizinha e, dali, telefonou ao detective AlfaZero para a ir visitar.
Logo depois de ter recebido a chamada telefónica da Dona Elizandra, AlfaZero entrou na sua viatura e foi direito para o Prenda ao encontro dela. Ao chegar, ela disse ainda assustada e desnorteada:
-- Detective AlfaZero, tenho uma coisa para lhe dizer. Agora sei porque é que fui “escolhida” pelo homem do “auto-retrato”, o tal Guilherme Teófilo.

E a Dona Elizandra contou a AlfaZero o que o Inspector Juvenal, da AngoCrime, lhe havia dito relativamente à discussão entre o seu pai e um dos seus empregados, Guilherme Teófilo, e à prisão deste.
-- Ah, isso explica tudo -- disse AlfaZero. Provavelmente trata-se de uma vingança por aquilo que o seu pai lhe fez. Agora, o desafio será encontrar o homem, prendê-lo e depois contar à AngoCrime a história verdadeira.
A Dona Elizandra contou, igualmente, a AlfaZero o que havia feito depois de ter saído da AngoCrime, isto é, falou-lhe da assinatura do documento falso e do reconhecimento do mesmo no Notário.
-- Tem alguma ideia do que tratava o documento que assinou? – perguntou AlfaZero.
-- Não, não tenho, detective AlfaZero. Estava tão assustada, que nem sequer tentei lê-lo.
-- O que será esse documento? E o que quererá o Guilherme Teófilo com o mesmo? – interrogou-se AlfaZero.
-- E olhe, no último telefonema que ele me fez quando saí da casa onde assinei o documento, ele disse que está “morto”. Disse que está morto para mim, morto para a AngoCrime e morto para todos.
-- Pois naturalmente que ele lhe está a dizer indirectamente que você nunca deverá contar a história verdadeira nem à AngoCrime, nem a ninguém pois, se o fizer, pagará por isso. Ele anda fugido da prisão como lhe disse o Inspector Juvenal e naturalmente que ele quer passar por morto para que a Polícia arquive o seu processo e nunca mais o procure – explicou AlfaZero.
-- Sabe, detective AlfaZero, apesar de ter seguido todas as instruções dele, continuo assustada – desabafou, preocupada, a Dona Elizandra.
-- Mantenha-se calma, que eu vou ver o que posso fazer – tranquilizou-a AlfaZero. E acrescentou ao mesmo tempo que se levantava e se despedia da Dona Elizandra:
-- Bem, vamos ver o que acontecerá nos próximos dias.

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Passados oito dias depois de ter recebido a primeira nota de Guilherme Teófilo, a Dona Elizandra recebeu uma segunda nota dele, que dizia:

“Dona Elizandra Mariati: dou-lhe uma de duas opções:
a) – Vender todos os seus bens e abandonar, definitivamente, o país “por motivos de saúde”, ou,
b) – a sua morte, lenta e dolorosa.
NB: Escolha a que mais lhe convém. Caso se decida pela opção (a), tem quinze dias para a pôr em prática. E lembre-se que está a ser constantemente vigiada. Não informe nada à Polícia pois, caso contrário, apressará a sua morte.
Do seu amigo, Guilherme Teófilo.

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Assim que acabou de ler esta segunda nota, a Dona Elizandra telefonou ao detective AlfaZero para o informar do sucedido. O detective AlfaZero deslocou-se de imediato ao Prenda (bairro onde, como já dissemos, se situa a residência de Elizandra Mariati) para ver a segunda nota recebida por ela. Ao chegar, constatou que ela estava na casa de uma vizinha para recebê-lo pois tinha receio de o receber em sua casa.

Assim que o viu, a Dona Elizandra disse:
-- Ah, detective AlfaZero, isto está a complicar-se. O homem agora quer que eu venda todos os meus bens e que saia do país, alegando que me encontro doente e que tenho de viver num outro país para tratar da doença.
-- Mostre-me a nota, Dona Elizandra – pediu AlfaZero.
Alfazero recebeu a nota que a Dona Elizandra lhe entregou e, em silêncio, leu-a. Depois de a ler, perguntou:
-- Dona ELizandra, o que tenciona fazer?
-- Não sei, detective AlfaZero. Não sei. Estou completamente desnorteada. Estou sem forças para continuar a suportar isto. Já não sei o que fazer. Por favor, ajude-me. Não olhe a despesas, eu pagarei o que for preciso. Por favor, ajude-me a sair deste martírio… e a Dona Elizandra soluçava com lágrimas a caírem-lhe dos olhos quando pronunciava estas palavras.
-- Acalme-se Dona Elizandra. Não chore agora porque vai precisar de muita coragem para enfrentar tudo isto. Chore mais tarde, mas de alegria, quando “apanharmos” esse tal Guilherme Teófilo para que pague por aquilo que está a fazer. Não venda ainda os seus bens. Deixe tudo conforme está. Ele deu-lhe quinze dias para fazer as vendas e sair do país. Nesses quinze dias muitas coisas poderão acontecer. Vá descansar, relaxe e mantenha-se calma. Eu vou prosseguir com o meu trabalho, mais intensamente agora.

AlfaZero despediu-se da Dona Elizandra Mariati e dirigiu-se ao seu apratamento-escritório, localizado na ampla e vistosa Avenida Marginal da bela e acolhedora capital de Angola, a cidade de Luanda.

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Entretanto, vários dias se passaram sem que o detective AlfaZero encontrasse uma pista que o conduzisse ao paradeiro de Guilherme Teófilo. AlfaZero procurava-o por toda a parte, observando cuidadosamente nas ruas, indo a festas, restaurantes, lojas, casas de cinema, espectáculos ao ar livre, mercados populares, bancos, museus, praias, etc, etc,. Ele olhava especialmente para a mão esquerda daqueles que correspondiam, de certa forma, ao auto-retrato enviado à Dona Elizandra, tentando encontrar alguém em que, na mão esquerda, faltasse o dedo anelar. Era esta a principal pista. A falta do dedo anelar na mão esquerda. Caso ele visse alguém a quem faltasse o dedo anelar na mão esquerda, ele segui-lo-ia nem que fosse até ao fim do mundo, para tentar identificá-lo, para se certificar de que se tratava (ou não) de Guilherme Teófilo. Mas ninguém, absolutamente ninguém, aparecia aos olhos de AlfaZero com a falta do dedo anelar na mão esquerda. E, assim, os dias foram passando sem que AlfaZero encontrasse o que procurava.
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Porém, há ocasiões na vida, em que as coisas acontecem quando menos se espera. E foi assim que num determinado dia, uma surpresa estava reservada a AlfaZero. Precisou ele, nesse dia, de comprar uma pequena estante em madeira para nela arrumar alguns livros. Com esse propósito, meteu-se na sua viatura e foi até à zona industrial de Viana (uma localidade situada a poucos quilómetros de Luanda), à procura de uma boa marcenaria onde pudesse comprar ou encomendar a referida estante. Ao chegar a uma área onde estavam localizadas quatro grandes marcenarias e duas unidades de serração de madeira, estacionou a sua viatura. Tratava-se de um verdadeiro complexo de tratamento de madeiras e da sua transformação em móveis de todos os estilos e para todas as finalidades. Um letreiro afixado na parte frontal da marcenaria central, dizia: Complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos”.

AlfaZero avançou para uma das marcenarias, tendo sido recebido, já no interior da mesma, pelo chefe daquela secção. Depois de explicar o que pretendia, o homem conduziu-o a uma sala onde vários móveis, incluindo algumas estantes, se encontravam já prontas para venda. AlfaZero escolheu uma tendo-a achado, porém, um pouco cara. Assim, pediu ao Chefe de Secção que lhe fizesse um desconto.
-- Desculpe – disse ele – quanto a descontos tem de falar com o Director-Geral, o Sr. Graciano. Só ele pode fazer descontos.
-- E o Sr. Graciano, o Director-Geral, anda por aqui? – perguntou AlfaZero.
-- Neste momento ele está no seu Gabinete, na Marcenaria nº 1. Esta é a Marcenaria nº 2. Mas ele não gosta muito de interromper o seu trabalho para falar com os clientes. Ele é uma pessoa de muito poucas palavras. Não sei se será por ele gaguejar um pouco, mas ele não gosta muito de conversas.
-- Ah, ele gagueja um pouco? – perguntou, ansioso, AlfaZero, ao mesmo tempo que pensava que ele já não poderia sair dali, sem falar com aquele homem.
-- Sim, gagueja. Especialmente quando se zanga. Quando está calmo, gagueja, mas não se nota muito. Agora quando está zangado quase que nem consegue falar.
-- Ele tem algum defeito físico? Falta-lhe, por exemplo, alguma parte do corpo? Algum dedo? Ou um braço? Pergunto isto porque tenho um amigo que gagueja e que lhe falta um dedo e que já há bastante tempo que não o vejo.
-- Não, o Sr. Graciano não tem nenhum defeito físico. A única coisa que ele tem é o pulso da mão esquerda que está fracturado e ele anda de gesso. Mais nada.
-- Ah, sim? Diga-me uma coisa, este complexo é estatal ou privado?
-- É privado. Tudo isto pertence à Dona ELizandra Mariati. Era do pai e quando o pai faleceu, ela herdou tudo isto, incluindo as unidades de serração e a frota de camiões de transportação de madeira – respondeu o Chefe de Secção.
-- Ah, sim?! – exclamou, surpreso, o detective AlfaZero. E perguntou: -- Então tudo isto pertencia ao Sr. Arturo Mariati, o pai da Dona Elizandra Mariati?
-- Sim, tudo – respondeu o Chefe de Secção.
-- Diga-me uma coisa. O Sr. Graciano foi seleccionado e nomeado para Director-Geral pela própria Dona Elizandra?
-- Sim, foi. O Sr. Graciano tem muita experiência em serração de madeiras, carpintaria e marcenaria.
-- E onde adquiriu ele essa experiência? – perguntou AlfaZero.
-- Ele diz que antes de vir para Luanda trabalhou numa grande serração-carpintaria na província da Huila e que foi aí que ele adquiriu toda a experiência que possui.
-- Ah, na Huila – disse AlfaZero como se estivesse a falar consigo próprio.

AlfaZero estava determinado a não sair dali sem falar com Graciano Mateus, o Director-Geral. O facto de ele gaguejar um pouco era motivo suficiente para isso. Mas como? Tinha de encontrar rapidamente um estratagema para poder falar, pessoalmente, com ele. Pela sua mente, rápida e infalível quando se trata de encontrar soluções, passaram vários pensamentos com uma velocidade vertiginosa. Então, forjando uma chamada telefónica no seu telemóvel, fingiu atendê-la, afastando-se um pouco do Chefe de Secção. Passados dois ou três minutos regressou para junto dele e disse:
-- Veja só como as coisas são. O meu chefe recebeu agora mesmo uma encomenda de uma biblioteca privada que vai ser inaugurada depois de amanhã em Benguela. A encomenda é de 80 estantes para a arrumação dos livros que vão estar expostos ao público. E ele pediu-me que eu consiga, aqui, um preço mais razoável possível, pois, caso contrário, teremos de ir ao Huambo, ainda hoje, pois lá os preços são muito mais baixos em relação aos preços praticados aqui em Luanda.
-- Ah, nesse caso terá mesmo de falar com o Director-Geral. E foi precisamente essa uma das recomendações que ele nos fez. Chamá-lo quando houvesse uma encomenda elevada. E ele fica bem satisfeito quando aparece uma encomenda grande. Vai ver como ele vai recebê-lo com entusiasmo, apesar de não gostar de falar com os clientes.
-- Agradecia então que mandasse chamar o Sr. Graciano já, para ver se ele me faz um bom desconto para as 80 estantes.
-- Com certeza, vou já fazer isso – disse o Chefe de Secção, afastando-se.

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Passados cerca de dez minutos, apareceu o Sr. Graciano, o Director-Geral do Complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos”. Era um homem de meia-idade, estatura média, já com algumas rugas no rosto e com uma barba que lhe dava um ar aristocrático. No braço esquerdo, que estava seguro por uma ligadura presa ao pescoço, trazia uma placa de gesso que lhe cobria toda a mão.
-- Como está, meu Senhor? – Disse ele, a sorrir, ao aproximar-se de AlfaZero, ao mesmo tempo que lhe apertava a mão e se apresentava:
-- Graciano. Graciano Mateus.
AlfaZero notou que o homem gaguejava um pouco, quase imperceptivelmente, porém.
-- Muito prazer. Jerónimo Tavares – disse AlfaZero a quem um pressentimento inexplicável aconselhou a não se apresentar com o seu verdadeiro nome.
-- Então o Sr. Jerónimo quer-nos fazer uma encomenda de 80 estantes, não é verdade? – perguntou ele.
-- Sim, respondeu AlfaZero. Caso cheguemos a acordo quanto ao preço…
-- Pois com certeza – interrompeu o Sr. Graciano – não é por mais cinquenta ou menos cinquenta que o Senhor vai deixar de levar a sua encomenda. Isto hoje são outros tempos. Não é como antigamente. Antigamente, ninguém fazia descontos. O cliente ou tinha o dinheiro completo para comprar o que queria, ou então não levava nada. Ninguém fazia descontos. Eu recordo-me que o meu pai teve de adiar o casamento da minha irmã por quatro meses para poder juntar o dinheiro que chegasse para comprar a mobília de quarto que lhe queria oferecer. Ninguém lhe quis fazer desconto. Até aos próprios trabalhadores, que suavam de sol a sol, que partíam braços e pernas e até cabeças a trabalhar, não lhes faziam desconto. E olhe que o trabalho de serração e carpintaria é duro, hen! Olhe, veja como estou. Ando para aqui de gesso há mais de quatro anos e vou ter de continuar engessado até ao resto dos meus dias. E tudo isso por causa de trabalho duro, muitas vezes mal remunerado.
-- Desculpe mas… o que é que tem no braço? – Interrompeu AlfaZero apontando para o braço engessado.
-- Isto foi há cerca de quatro anos quando trabalhava na Huila, numa grande carpintaria. Estávamos a arrumar uns toros de madeira, um deles rolou para fora do lugar e… zás, caiu-me em cima do pulso e fracturou-me um dos ossos. Os médicos que me examinaram disseram que eu vou ter de usar gesso até ao resto da minha vida pois, dizem eles, a fractura renova-se a si própria e não sara. Enfim, coisas da vida.
AlfaZero não sabe bem porquê mas o que é certo é que assim que olhou para aquele indivíduo que dizia chamar-se Graciano Mateus, o seu sexto sentido lhe disse que ele poderia ser, na verdade, Guilherme Teófilo, o homem de quem andava à procura e que havia enviado o auto-retrato à Dona Elizandra com instruções para que ela fosse à AngoCrime certificar a sua morte. Alguns indícios realçaram aquele pressentimento. Com efeito, o homem gaguejava um pouco como havia dito o Chefe de Secção e conforme se achava especificado no seu auto-retrato. Por outro lado, a sua mão esquerda engessada não seria um disfarce para esconder a falta do seu dedo anelar? O facto de ele dizer que os médicos lhe haviam dito que a fractura que tinha no pulso se renovava por si própria não seria um pretexto para que ele usasse o gesso toda a vida, escondendo, assim, a falta do dedo anelar e, consequentemente pudesse, assim, escapar à perseguição da Justiça?
Mas como poderia AlfaZero provar que aquele indivíduo era, efectivamente, Guilherme Teófilo, o homem de quem andava à procura e não Graciano Mateus, como dizia chamar-se?

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Pela mente de AlfaZero os pensamentos sucediam-se com uma velocidade vertiginosa. E, tal como num acto de fecundação, em que de entre milhões de espermatozóides um único se afasta do grupo para, sozinho, fecundar o óvulo, também um pensamento, de entre os inúmeros que atravessavam a mente de AlfaZero, se afastou dos outros e se traduziu, proficuamente, em palavras:
-- Essa fractura no pulso deve incomodá-lo muito.
-- Sim, muito, como deve imaginar. E depois, ainda se fosse uma coisa passageira… mas vou ter de suportar isto toda a vida – disse, com um ar de tristeza, o Sr. Graciano.
Então AlfaZero lançou a frase que o ia apanhar na rede, caso ele fosse o peixe que procurava. Com um ar de comiseração, AlfaZero disse, pausadamente:
-- Logo o pulso. Ao menos se lhe faltasse só um dedo como, por exemplo, o dedo anelar que não faz assim muita falta…
AlfaZero viu o homem a cair na rede. A sua intuição psicológica apanhou tudo. AlfaZero notou que, à medida que falava, a face do homem se ruborizou, o corpo estremeceu-lhe, os olhos pestanejaram, os lábios contraíram-se. Quando AlfaZero pronunciou, devagar e pausadamente, a expressão “dedo anelar”, reparou que o homem pestanejou repetidamente, descontroladamente, e, inconscientemente, os seus olhos percorreram a mão engessada como que a desmentir o que houvera dito sobre ela… O homem traíra-se. Estava ali, em carne e osso, o homem que procurava. Estava ali, em pessoa, Guilherme Teófilo.
E, antes que ele se refizesse da surpresa e do susto, AlfaZero lançou-lhe o desafio fatídico, intransponível, inexorável… com voz forte, autoritária, gritou-lhe:
-- Sr. Guilherme Teófilo, diga-me quantos dedos você tem nessa mão engessada. Diga-me se tem o seu dedo anelar nessa mão. Se o tem, mostre-mo. Agora. Quero vê-lo agora. Você não tem nenhuma fractura no pulso. O seu pulso está bom. Você usa o gesso para esconder a sua mão e assim poder forjar a sua identidade. Você não se chama Graciano Mateus. Você chama-se Guilherme Teófilo.

Guilherme Teófilo olhava, atónito, para AlfaZero sem poder balbuciar uma palavra, tão grande fora a surpresa. Pela sua mente vários pensamentos desfilavam: “aquele homem, que disse chamar-se Jerónimo Tavares, e que estava ali com o pretexto de comprar estantes, deveria ser, certamente, um agente da autoridade, que tinha vindo com o propósito de o identificar. Ele havia sido descoberto. Mas ele podia ainda negar e dizer que tinha, sim senhor, o dedo anelar na sua mão esquerda. Mas… e se depois as autoridades o obrigassem a tirar o gesso? Tudo seria mais complicado… o melhor seria confessar já, dizer toda a verdade e, quem sabe? Talvez isso até servisse de atenuante para a sua pena…”

Entretanto, o Chefe de Secção e alguns outros trabalhadores aproximaram-se ao ouvir as palavras de AlfaZero.

Guilherme Teófilo permanecia calado, sem saber o que dizer ou o que fazer. Olhou para os seus trabalhadores que o olhavam com ar interrogador. Olhou para AlfaZero, ainda perplexo. Por fim, disse, em voz baixa e quase sem olhar para AlfaZero:
-- Você descobriu o meu segredo. Mas, quem é o Senhor?
-- Depois saberá – disse AlfaZero -- agora prepare-se para irmos à AngoCrime para nos explicar algumas coisas.

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Na Sede da AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) e na presença da Dona Elizandra Mariati, do Detective AlfaZero, do Inspector Juvenal e de outros Inspectores e Sub-Inspectores da Agência, Guilherme Teófilo (que se fazia passar por Graciano Mateus), prestou as seguintes declarações:

“Chamo-me Guilherme Teófilo e tenho 44 anos de idade. Em 2004, fui julgado e condenado a seis anos de prisão por agressão física ao Sr. Arturo Mariati, em consequência de eu ter perdido o meu dedo anelar quando manejava uma máquina defeituosa na altura em que era seu empregado numa das suas serrações e de ele me ter recusado a indemnização que eu pedia pelo facto. Dois anos depois de ter sido preso consegui, contudo, fugir da prisão. Depois de me ter evadido, passei um ano no Bengo, em casa de um familiar e sempre escondido, à espera que a Polícia se “esquecesse” do meu caso. Seguidamente, voltei para Luanda. Mas antes disso, tentei disfarçar-me um pouco para que ninguém me reconhecesse. Depois de ter conseguido que me passassem uma Certidão de Nascimento falsa com a qual obtive um novo B.I. (Bilhete de Identidade) igualmente falso, com o nome de Graciano Mateus, pedi a um enfermeiro amigo que me engessasse o pulso e a mão esquerda de modo a que ninguém descobrisse que me faltava o dedo anelar. Também deixei crescer a barba.

Quando cheguei a Luanda, soube que a Dona Elizandra, a filha do Sr. Arturo Mariati, estava a precisar de uma pessoa com muita experiência em madeiras, carpintaria, e marcenaria. Como eu possuo vasta experiência nessas áreas, adquirida quando trabalhava nas carpintarias-marcenarias do Sr. Arturo Mariati, o pai da Dona Elizandra, resolvi ir falar com ela para lhe pedir que ela me arranjasse uma colocação. A Dona Elizandra não me conhecia nem tinha conhecimento do que se havia passado entre mim e o seu pai pois, na altura, ela encontrava-se fora do país a estudar. Quando falei com ela, apresentei-me como sendo Graciano Mateus. Ela recebeu-me bem, falei-lhe da minha experiência de trabalho dizendo-lhe que a havia adquirido na Huila. Ela então ofereceu-me o lugar de Director-Geral de todo o seu complexo de carpintarias e marcenarias, “Madeiras e Mobiliários Modernos”, incluindo serrações e frotas de camiões de transportação de madeiras. Contudo, eu andava sempre preocupado por pensar que a Polícia poderia, a qualquer momento, descobrir o meu paradeiro, já que o meu processo continuava em aberto na AngoCrime, pois o meu estatuto era de “evadido da prisão”. Eu precisava, então, de fazer alguma coisa que levasse a AngoCrime a registar a minha morte e a arquivar o meu processo. Por outro lado, eu sonhava ser o domo de todo o complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos”. Era o meu grande sonho, a minha constante ambição. Porém, eu não tinha o capital suficiente para propor uma compra do complexo à Dona Elizandra.
Foi então que me veio à cabeça fazer chegar o meu auto-retrato e uma nota de instruções às mãos da Dona Elizandra. Segundo a referida nota de instruções, ela iria à AngoCrime apresentar uma história falsa da minha morte e, em seguida, iria assinar um documento falso de compra e venda, no qual “ela dizia” que me vendia todo o complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos” pela quantia especificada no documento, “por motivos de saúde”. Com este plano concretizado, eu passaria a ser o dono legítimo da empresa. Para calar para sempre a Dona Elizandra, enviei-lhe então, depois, uma segunda nota em que lhe apresentava duas alternativas: a) – Vender todos os seus restantes bens (despistando, assim, a venda forçada do complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos”) e, em seguida, sair do país “por motivos de saúde” para nunca mais voltar, ou b) – a morte. E, assim, com o meu processo arquivado na AngoCrime por ter sido dado como morto e com a Dona Elizandra definitivamente fora do caminho, eu ficaria então descansado para poder gerir o meu grande negócio, o complexo “Madeiras e Mobiliários Modernos”, com o respeitável nome de Graciano Mateus.”

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-- Engenhoso e sinistro! – comentou o Inspector Juvenal da AngoCrime.
-- Uma ambição desmedida oculta numa fisionomia serena… -- acrescentou o detective AlfaZero ao mesmo tempo que se levantava para, juntamente com os outros, deixar a sala.

Entretanto, Guilherme Teófilo tirou um lenço do bolso das suas calças e limpou uma lágrima que, envergonhada e comprometida, rolava na sua face.

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Guilherme Teófilo foi julgado e condenado pelos crimes de evasão de cárcere, falsas declarações às autoridades, chantagem, falsificação de documentos e ameaças de morte.

Teve como atenuantes o facto de ter perdido um dedo enquanto trabalhava com uma máquina defeituosa e de lhe não ter sido paga a indemnização devida.


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Escrito por
Helder Oliveira
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)
(Do Livro (não publicado)
“Detective AlfaZero em Acção”

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-- Helder Oliveira --
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)


 
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HelderOliveira
 
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