Contos : 

A donzela, o mosqueteiro e Lúcifer

 




Ela pensou que aquilo era feito somente à tarde, assim que percebeu que a hora havia chegado. Também, erroneamente, achou que estavam procurando uma espada e uma última vítima. As palavras soavam frágeis e os olhos se movimentavam como pêndulos raiados em direção à multidão corajosa pela disposição havida, porém, um tanto pegajosa visto que havia pez no chão.
Nesse momento, sequer vacilou. Tornou-se algo pálida, mas muito mais sólida era a voz, mesmo se tratando de uma sexagenária ainda virgem. Seu olhar era altivo e voltou os calcanhares após gracioso movimento dos olhos assim que ouviu a sentença.
- “ Não sabia que bolos também eram feito de farinha. ” - disse, decepcionando quem esperava pelo menos um gemido e lágrimas. Nesse momento, a sessão foi interrompida. O jovem mosqueteiro desdenhosamente ajeitou a pluma do chapéu com um gesto suave e mais ríspido, algo violento, empurrou o boldrié. Quase que a ponta da espada fura um seio da condenada.
Sim, por que ela fora mesmo condenada. Mesmo assim, ainda quis descansar no mesmo lugar onde, há tantos anos havia ocorrido uma grande contenda entre o Bem e o Mal. Não saberia dizer quem prevaleceu, nem o que poderia ser encontrado no inferno que já não tivesse passado pelo céu. Incluindo Lucifer, que a tudo assistia compenetrado, avaliando se a alma do mosqueteiro valia tanto quando a da madona de cedro rosa. Nada concluiu e nem mesmo precisava.
De outros, mais não sabia e sequer quis saber. Esvaziando os porões da casa, Lucifer já havia convidado os estranhos para assistirem à colheita da grama do quintal. Todo o jardim ficou assim, coberto de grama verde quando a lâmina caiu.


in As palavras descontruídas – Filampos Kanoziro

 
Autor
FilamposKanoziro
 
Texto
Data
Leituras
984
Favoritos
1
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
14 pontos
4
1
1
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 05/06/2014 21:27  Atualizado: 05/06/2014 21:27
Membro de honra
Usuário desde: 24/07/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: A donzela, o mosqueteiro e Lúcifer
Eu gosto da tua escrita, desempoeirada e cheia de metáforas inteligentes. gosto das mensagens subjacentes a uma escrita criativa repleta de imaginação. gosto também que nesse entretém sejas brasileiro.

Abraço Filampos

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/11/2015 15:48  Atualizado: 09/11/2015 15:48
 Re: A donzela, o mosqueteiro e Lúcifer


Lúcifer é extremamente inteligente,um romântico incurável e um exímio jogador,justo com estratégias belas,desafiantes,sedutoras, daquelas que o adversário quase implora para ser esplendidamente atingido no peito,por isso é de se compreender a colheita venturosa da grama com tantos convidados voluntários, de fato não tinha como se conformar em perder uma data tão especial.
A referente condenada mal sentiu o que falou de tanta emoção,eu também ficaria do mesmo jeito ou pior:
Confundiria farináceos com Amálgama ou Poema distendido a felicidade secreta dos couves.

"Sim, por que ela fora mesmo condenada. Mesmo assim, ainda quis descansar no mesmo lugar"

Devagarinho você traça cada curva implantada no cavalo marinho dos hipocampos,entre intervalos chamarizes,interligados,acenando carinhoso flâmulas sonhadoras e é isso que me impulsionou,chegar e ficar,suspensa nesse fio paradoxal.
Já li,reli e tri li e continuo a querer novamente,cada nova leitura um universo sem fim de encanto,saber,emoções e principalmente motivador.

Agradeço.