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DISTRAÇÃO

 
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DISTRAÇÃO
 
“se puxar demais, a corda arrebenta. Se deixar frouxo, não toca…” - Buda

Distração – palavra que faz parte da essência humana. Segundo a etimologia da palavra, “dis” significa basicamente negação, algo contrário ou mesmo “para fora”. O radical da palavra, também do latim, “distrahere”, significa separar, puxar em diferentes direções. Passou-me uma ideia de força atuando sobre algo, lembrou-me conceitos da Física. Sob esse prisma talvez pudéssemos dizer que distração é retirar a força (atenção) de algum lugar e dispersá-la para outro(s) foco(s). Basicamente é este o movimento proposto.
A mente humana é mestra na arte da distração; seja ela originariamente orquestrada por nossos maiores receptores (os sentidos) ou mesmo por milhares de probabilidades que se movem em décimos de milésimos de segundo entre as sinapses neuronais.
Ouso dizer que, sem distração, não haveria raça humana como conhecemos hoje. Ela é fundamental à sobrevivência da espécie. Imagine um ser humano autoconsciente que não se distraísse por nada de seus objetivos, a menos que fosse de sua livre vontade? Tal mente ainda não fora desperta – não mesmo. Não recordo-me no momento, mas suponho ter visto algum filme onde uma situação similar ocorria. Determinado personagem tinha acesso a muitos acontecimentos e enlouquecia por isso. De fato, por mais que um controle assim seja tão almejado, o mesmo chega a causar um certo estranhamento ou temor. Estar totalmente focado em si, mesmo vivendo numa dimensão como a nossa, é algo praticamente impossível e, sem nenhum medo de ser redundante afirmo: impossível na prática mesmo.
Mesmo sendo algo assim tão aparentemente incomensurável, o autocontrole deverá ser sempre almejado e buscado. Sendo assim, até mesmo a distração poderá ser conduzida de forma cada vez mais consciente.
Mas o que acontece quando não nos damos conta deste mecanismo da distração? Ora, basta olhar pela janela. O que acontece está diante dos nossos olhos, todos os dias, em menor ou maior escala. Da forma mais simples à mais complexa. Engloba uma única vida ou mesmo todo um país. A maioria de nós vive distraído de si a maior parte do tempo. E o pior: nem se dá conta disso.
Dentro desse mecanismo, os sentidos são os menos prejudiciais. Isso em sua forma essencial, como a fome, a dor, o sono e por aí vai. No entanto, a mente também se utiliza dos sentidos para engendrar formas de distrair-se. Na verdade, mesmo sem ter lido nada específico à respeito, acredito mesmo que a distração seja um mecanismo poderoso da mente, utilizado para autodefesa. Exemplificando de forma bem básica: uma criança muito cobrada por pessoa amada muito próxima desenvolve patologia que a leva a um nível tal de distração onde o resultado é exatamente chamar atenção para si como única forma de conseguir contato e/ou carinho. Soube de um caso parecido, narrado por uma psicóloga, onde uma criança tinha sérias dificuldades na escola e fora concluído que a mesma não melhorava porque apanhava constantemente da mãe em função disso, sendo este o único contato físico mais íntimo existente entre mãe e filho. Ou seja, havia uma “tração” da alma ali. Um puxar. Uma ausência de um contato extremamente desejado que, no desespero de uma mente pequenina que não sabe compreender o que sente, porém não menos inteligente que qualquer outra, desenvolve mecanismos para driblar aquilo que considera mais prejudicial a si, por incrível que possa parecer. Assim somos todos nós.
Distração. Deixar de puxar. Tirar o foco de.
Pulando dos fatos para a filosofia budista, poderíamos fazer uma analogia com a ilusão. Distrair-se é também iludir-se. E por favor, não me venham entender que ilusão seja algo prejudicial – procuro ser o máximo imparcial aqui. Ilusão faz parte da vida humana, ao menos até aqui. A ilusão é uma confusão de sentidos que provoca a distorção da percepção. Ora, nossa percepção é por si só limitada. Somos um ponto no meio de um oceano de pontos. A ilusão é algo perfeitamente aceitável num cenário desses.
Mas, voltando ao tema “distração”, é importante o reconhecimento do movimento em si. Porque é somente isso que ele é: movimento. Nada mais. A distração nada define. Nada busca. Nada constrói ou destrói. É apenas movimento. Tem ponto de partida e destino bem definidos. Não há inércia aqui. Ela é instrumento da mente. E é fascinante começar a pensar nas coisas sem polaridade, pensar nas coisas como ela são. Muitos à esta altura já se perguntam se a distração é algo bom ou ruim. Quem poderá dizer? Somente você mesmo poderá definir a intensidade e função da distração, enquanto seu arquiteto. Ouso apenas dar uma pequena pista: olhe-se no espelho. Acredito que aí possas encontrar respostas muito, muito rápidas e esmagadoramente claras – isto se não te distraíres com as manchas no vidro.


Faze o que tu queres será o todo da Lei.
Amor é a Lei. Amor sob Vontade.

 
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Ravendra
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Enviado por Tópico
Volena
Publicado: 14/10/2014 11:33  Atualizado: 14/10/2014 11:33
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 Re: DISTRAÇÃO P/Ravendra
Gostosamene li o seu texto filosófico e também racional. Tem razão somos uns grandes pontos...pequeninos! Abraço. Vólena