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Extorsão Frustrada

 
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(Ficção. Com excepção de alguns topónimos, todos os componentes são fictícios.)


“Quem vive em paz,
vive mais tempo.”

-- Baltasar Graciani –



Esmeralda Sulana era uma mulher extremamente rica, extremamente bela, extremamente culta e extremamente feliz. Alta, esbelta e elegante, com um rosto atraente e sedutor de onde sobressaíam dois aliciantes olhos negros e uma boca cujos lábios bem desenhados eram uma irresistível e constante tentação para qualquer homem, Esmeralda Sulana, no fervilhar da vida que os seus 39 anos de idade lhe consentiam aliava, assim, a poderosa influência da sua fortuna pessoal ao irresistível charme da sua beleza física, ao magnetismo do seu carácter batalhador, à sedução da sua personalidade vincada e ao fascínio de uma oratória eloquente reforçada por uma vasta cultura geral.

Filha única de um abastado criador de gado do Sul de Angola herdou, quando o pai faleceu, toda a sua fortuna, avaliada em avultadas somas em dinheiro, milhares de cabeças de gado bovino, várias fazendas agrícolas, diversas fábricas de lacticínios e ainda outros equipamentos tais como tractores, viaturas, geradores eléctricos, moto-bombas, etc. etc.

Essa imensa fortuna deu-lhe a possibilidade de se “atirar” a grandes negócios cujos rendimentos a tornavam numa das empresárias mais bem sucedidas de toda Angola e, talvez mesmo, de todo o continente africano.

A sagacidade que demonstrava nas negociações comerciais, a acutilância com que se lançava a novos empreendimentos e a destreza com que manobrava as situações negociais mais enredadas, valeram-lhe a denominação de “A Pantera dos Negócios”.

Vivia em Luanda, com o marido, onde possuía três belas residências em três bairros elegantes da capital. Na Vila Alice, onde possuía uma bela residência de três pisos, no Miramar, onde havia adquirido um pequeno palacete de dois andares e no Alvalade, onde adquirira uma moderníssima vivenda de rés-do-chão rodeada de um belo jardim.

O marido, Rodrigo Damba, homem elegante, alto, bem-parecido, bem-falante e jovial, parecia ter mesmo nascido para completar a vida romântica de Esmeralda Sulana. Gostava imensamente da esposa e esta retribua o seu afecto sem quaisquer evasivas. Estavam casados já há alguns anos mas ainda não tinham filhos pelo que, todo o amor que estaria reservado para um filho ou uma filha era partilhado apenas entre eles os dois. Não há dúvida que formavam um casal feliz. Rodrigo Damba possuía um stand de aluguer de viaturas na Ilha de Luanda e a essa actividade dedicava todas as suas energias. Poder-se-ia dizer, mesmo, que ele tinha dois amores na vida: Esmeralda Sulana, a esposa, e o seu stand de aluguer de viaturas. E, da mesma foram, poder-se-ia dizer que Esmeralda Sulana tinha igualmente só dois amores na vida: Rodrigo Damba, o seu marido, e os seus negócios.

Apesar de nunca ter frequentado uma instituição de ensino superior, Esmeralda Sulana tinha uma cultura geral fora de série, adquirida à custa de muito ler. Acompanhava e participava em qualquer debate, quer se falasse de História ou de Política, de Geografia ou de Sociologia, de Medicina ou de Religião, de Agricultura ou de Música, de Filosofia ou de Direito. Possuía uma biblioteca particular invejável, pois não olhava a despesas quando se tratava de comprar os melhores livros disponíveis no mercado.

Para a auxiliar nas suas actividades, Esmeralda Sulana fez-se rodear de alguns colaboradores:

Como seu assessor legal e administrador de todos os seus bens, tinha ao seu serviço um advogado, o Dr. Alberto Justiniano, homem experiente e sisudo, em quem ela depositava inteira confiança e a quem ela havia conferido plenos poderes para assinar documentos de rotina em seu nome, na sua ausência ou quando as circunstâncias o exigissem.

Para seu assessor financeiro, havia admitido ao seu serviço um perito contabilista, o Sr. Massano Miranda, que trabalharia sob supervisão do Dr. Alberto Justiniano.

A sua saúde estava entregue ao Dr. Fortunato Futika, médico de clínica geral e especialista em doenças cardiovasculares que, todas as sextas-feiras, ia à sua casa, fazer-lhe uma consulta de rotina.

A Dona Rosa Mariquinhas era a sua governanta-geral. Era ela que supervisionava toda a manutenção doméstica das suas três residências, assegurando que as mesmas se apresentassem sempre limpas e cuidadas. Quatro vezes por semana, ela deslocava-se da Vila Alice ao Miramar e do Miramar ao Alvalade para assegurar o serviço. Primeiro ia à Vila Alice onde se encontravam as chaves das três residências e, no fim do dia, passava de novo pela Vila Alice para lá deixar as chaves. Geralmente fazia o percurso entre os três bairros a pé, (pois, embora tivesse um subsídio de transporte que a patroa lhe dava para apanhar táxis, ela preferia, na maior parte das vezes, andar a pé, pois dizia ela que andar a pé lhe dava saúde e lhe fortalecia os ossos.)

Tinha ainda um conselheiro económico, Ricardo Semião, cuja tarefa era pô-la ao corrente de todos os desenvolvimentos económicos e financeiros que se verificavam a nível nacional e internacional. Taxas de inflação a nível do mundo, variação de preços nos mercados internacionais, entrada no mercado de novos produtos, constituição de novas grandes companhias, tendências de preços de matérias-primas, variações das taxas de câmbio, etc. etc. eram alguns dos assuntos que o Dr. Economista Ricardo Semião reportava a Esmeralda Sulana, todas as semanas.

Para cuidar do belo jardim que rodeava a sua vivenda do Alvalade, Esmeralda Sulana tinha contratado um jardineiro bastante experiente, o Sr. Jeremias Dombele, homem já dos seus setenta e cinco anos de idade mas ainda rijo, que viria à casa do Alvalade apenas duas vezes por semana para cuidar das plantas e das flores.

Esmeralda Sulana via, assim, os seus dias deslizarem numa atmosfera de despreocupada felicidade. Ora atarefada em negociações comerciais que, a pouco e pouco iam ampliando a sua já bastante extensa rede de negócios, ora em casa, absorta numa leitura empolgante, a ouvir um trecho musical favorito, a ver um bom programa de televisão ou a tratar das suas flores, ora a cavaquear relaxadamente com uma amiga, ora, ainda, a tomar um banho de sol na praia, a passear descuidadamente pelas ruas da cidade com o marido, ou a divertir-se nalguma festa para a qual tivesse sido convidada.

Toda essa genuína e contagiante felicidade começaria, porém, a ser subitamente abalada, no dia do seu 40º aniversário. Com efeito, quando completou 40 anos de idade, Esmeralda Sulana deu uma pequena festa em sua casa, na Vila Alice, no decorrer da qual um facto estranho e inesperado se verificou. Por volta das 18 horas, um trabalhador de uma companhia de distribuição de encomendas, a “Encomendas Expresso Lda.”, veio fazer-lhe entrega de uma encomenda de aniversário. Muito contente, Esmeralda Sulana abriu-a e… recuou desnorteada deixando escapar um pequeno grito de temor ao ver que, por cima do bolo que vinha na caixa, havia sido colocada uma cobra artificial. Por baixo da cobra, estava uma nota dactilografada que dizia:

“Esmeralda Sulana: desta vez é apenas uma cobra artificial e é um aviso para te dizer que tens de fazer a transferência bancária que se acha especificada na nota em baixo:

NOTA DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA:
“Valor: 1.000.000.000 USD (Um bilião de dólares americanos)
Banco: Banco “Independente”
Local: Ilhas Palmar
Conta nº: 00030005080BBR
IBAN: 000371871525BB18AA15
Swift Code: RRPRRD
Beneficiário: Organização de Investimentos KKR
Motivo da transferência: Execução de projectos de investimento.

Nota: Será conveniente que apresses a transferência pois, enquanto a mesma não for efectuada, a tua vida será um inferno.”

Esmeralda Sulana sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. Olhou para a cobra artificial, olhou para a nota, tornou a olhar para a cobra e, por fim, murmurou com voz sumida:
-- Meu Deus! Quem me poderá ter feito isto?!
O marido aproximou-se dela, leu a nota, abraçou-a e tentou acalmá-la:
-- Mantém-te calma Esmeralda – disse ele, apertando-a contra si – espero que nada de grave te aconteça.

Os convidados, depois de lamentarem o facto e de tentarem tranquilizar a anfitriã, iam-se despedindo e saindo, pois achavam inoportuno continuar na festa depois do sucedido. Os seus colaboradores mais directos, (o Dr. Advogado Alberto Justiniano, o assessor financeiro Massano Miranda, o médico Fortunato Futika, o Dr. Economista Ricardo Semião e a Dona Rosa Mariquinhas), foram os últimos a sair, lamentando profundamente o que havia acontecido e disponibilizando-se “para tudo o que viesse a ser necessário”.

Ao ficarem sós, Esmeralda Sulana virou-se para o marido e perguntou-lhe:
-- Rodrigo, tens alguma ideia de quem possa estar a chantagear-me?
-- Não faço a menor ideia, Esmeralda. Acho que o melhor é esperarmos e ver como é que as coisas se vão desenrolar daqui para a frente.
-- O dinheiro que me pedem é exorbitante.
-- Esmeralda, espero que não tenhas de chegar ao ponto de efectuares essa transferência. Mas se a tua vida se transformar num inferno como diz a nota que te enviaram, penso que não terás outra alternativa. É preferível viveres pobre e em paz, a viveres rica e atribulada.
-- Oh, Rodrigo, mas que mal é que eu fiz para me acontecer isto?! – disse, Esmeralda Sulana, a soluçar.
-- O único mal que fizeste é seres rica, Esmeralda – disse o marido com uma determinada entoação de voz como que lhe querendo dizer que quem é rico deve estar preparado para situações do género.
Esmeralda Sulana limpou as lágrimas e disse, caminhando para o telefone:
-- Vou telefonar ao detective AlfaZero.
-- Não será melhor esperar para ver se, entretanto, acontece mais alguma coisa?
-- Não, Rodrigo, prefiro falar já com ele.
E, logo em seguida, Esmeralda Sulana fez a chamada.

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Depois de ter recebido o telefonema de Esmeralda Sulana, o detective AlfaZero deslocou-se, de imediato, para a sua residência, na Vila Alice, onde ela se encontrava. Ali, foi recebido por ela e pelo marido, que o informaram do sucedido. Depois de os ouvir, AlfaZero perguntou:
-- Têm alguma ideia de quem possa ter enviado a encomenda?
-- A encomenda foi-me entregue pela “Encomendas Expresso” e vinha nesta caixa, forrada com papel celofane – explicou Esmeralda Sulana, mostrando a caixa a AlfaZero. E acrescentou: -- a pessoa que a enviou fê-lo, naturalmente, sob uma identidade falsa.
-- Recebeu muitos presentes de aniversário?
-- Recebi bastantes, detective AlfaZero. Olhe ali, em cima daquela mesa.
Alfazero virou o rosto para onde estava a mesa indicada e não pôde reprimir um ar de surpresa ao ver tantos presentes amontoados uns por cima dos outros, desde livros a ramos de flores, desde conjuntos de loiça a frascos de perfume, desde cosméticos a CD de música e de vídeo…
-- Ah, é uma rica colecção – exclamou AlfaZero enquanto se virava para a sua posição anterior. E logo a seguir, pediu:
-- Deixe-me ver mais uma vez a nota de transferência bancária que veio com a encomenda.
Esmeralda Sulana entregou a nota ao detective AlfaZero. Este analisou-a mais uma vez, detalhadamente.

“Esmeralda Sulana: desta vez é apenas uma cobra artificial e é um aviso para te dizer que tens de fazer a transferência bancária que se acha especificada na nota em baixo…

“Valor: 1.000.000.000 USD (Um bilião de dólares americanos).


Nota: Será conveniente que apresses a transferência pois, enquanto a mesma não for efectuada, a tua vida será um inferno.”


Não havia qualquer pista na mesma que pudesse indicar quem a tivesse elaborado. Por outro lado, seria inútil contactar o “Banco Independente” das Ilhas Palmar pois, segundo a legislação daquele país, os Bancos oferecem confidencialidade absoluta aos seus clientes pelo que não revelam a sua identidade nem quaisquer outras informações relacionadas com as contas bancárias dos mesmos. Por outro lado, também não adiantaria contactar a “Encomendas Expresso”, a empresa que procedeu à entrega da encomenda, pois o remetente procedeu ao seu envio sob uma identidade falsa.
AlfaZero devolveu a nota a Esmeralda Sulana, dizendo:
-- Nesta altura, não tenho a menor pista de quem possa ter enviado a encomenda. Na nota não consegui detectar absolutamente nada. Quanto à cobra, trata-se de uma cobra de plástico igual a centenas de outras que se vendem em qualquer casa da especialidade ou mesmo em qualquer dos mercados de Luanda. Assim, as minhas investigações, neste momento, ainda se encontram no ponto zero. Contudo, eu aconselhá-la-ia, Dona Esmeralda, a não fazer ainda a transferência bancária pois poderão, entretanto, surgir novos dados. Vamos ver se isto se tratou apenas de uma brincadeira ou se será mesmo uma ameaça que deverá ser levada a sério.
AlfaZero despediu-se dos donos da casa e foi para o seu apartamento-escritório localizado na bela Avenida Marginal da não menos bela cidade de Luanda.

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Esmeralda Sulana passou uma noite agitada, com um sono intercalado por pesadelos. No dia seguinte foi ao escritório do seu assessor financeiro, Massano Miranda e, ali, passou algumas horas a verificar as suas contas. Eram 11h30m da manhã quando entrou na sua viatura para sair. Quando, porém, deslocou a alavanca de velocidades para pôr o carro em marcha, a tampa de uma caixa de papelão que havia sido colocada por baixo do banco foi puxada por um fio de nylon muito fino que havia sido amarrado à alavanca de velocidades destapando, assim, a caixa e dela saindo dezenas de enormes ratazanas que invadiram toda a viatura, algumas delas correndo por cima do seu corpo. Esmeralda Sulana soltou um grito, abriu a porta e atirou-se para o chão, completamente apavorada.
-- O que aconteceu, Dona Esmeralda?!! -- perguntou Massano Miranda ao ouvir o grito e correndo para a viatura.
-- Ratos! Ratazanas! – gritava Esmeralda Sulana, em pânico. – tire-me daqui, Massano. Puxe-me, por favor, que eu não me consigo levantar.
O financeiro ajudou-a a levantar-se e levou-a para dentro do escritório para acalmá-la.
-- Mas quem poderá ter feito tal coisa?! – perguntou, com ar sério, Massano Miranda.
-- Massano, por favor, leve-me no seu carro para casa. Preciso de ir descansar.
-- Para que casa quer ir, Dona Esmeralda? – perguntou, já dentro da viatura, o financeiro.
-- Leve-me para o Miramar.
Ao chegar ao Miramar e ao mesmo tempo que descia do carro, Esmeralda Sulana disse ao financeiro:
-- Massano, por favor, telefone a uma empresa de desinfestação para que proceda a uma limpeza à minha viatura. Poderá haver ratos escondidos por baixo dos bancos e noutros lugares.

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A Dona Rosa Mariquinhas estava ali na casa do Miramar a regar as flores e logo que viu a sua patroa chegar, veio cumprimentá-la.
-- Então, Dona Rosa, não há novidades? – perguntou a Dona Esmeralda, com afeição, ao vê-la aproximar-se.
-- Não, Dona Esmeralda, está tudo bem. Já arrumei a casa toda e estava já para ir para o Alvalade ver a outra casa. A Senhora já almoçou?
-- Não, Dona Rosa. Mas também não me apetece comer agora. Passei por aqui só para descansar um pouco. Se quiser ir agora para o Alvalade, pode ir.
-- Mas a Senhora parece transtornada, Dona Esmeralda!? Aconteceu mais alguma coisa? – Perguntou, sinceramente preocupada, a Dona Rosa.
E, Esmeralda Sulana contou à sua governanta o episódio dos ratos que acabara de viver.
-- Oh, que desgraça esta!! – Disse, simplesmente, a Dona Rosa.
-- Ah, eu preciso de descansar um pouco, Dona Rosa.
-- Descanse, descanse, Dona Esmeralda. Eu vou então até ao Alvalade.
A Dona Rosa Mariquinhas despediu-se e saiu. Era uma senhora já nos seus cinquenta anos mas muito enérgica, ainda. E gostava de andar a pé pois, dizia ela, que quem não anda a pé, morre cedo. Gostava da sua patroa e efectuava o seu trabalho com amor e dedicação. E era com preocupação e dor que via o que se estava agora a passar com ela.

Depois de a Dona Rosa Mariquinhas ter saído, Esmeralda Sulana telefonou, primeiro para o detective AlfaZero para lhe pôr ao corrente do último acto de intimidação de que fora alvo e, depois, para o marido, para que a fosse buscar ao Miramar. Pouco depois de ter feito o telefonema para o marido, Esmeralda Sulana viu uma caixa de papelão “voar” através da janela da sala onde se encontrava, tendo a mesma caído mesmo por cima de si e da qual saíram, movimentando-se em todas as direcções do seu corpo, algumas mesmo para dentro das suas roupas, enormes aranhas de todos os tipos e feitios. Ela deu um grito, atirou-se para o chão e… desmaiou.
Quando, pouco depois, o marido entrou em casa para a ir buscar, encontrou-a ainda desmaiada. Supôs que estivesse morta. Tomou-lhe o pulso. Não, não estava morta. Reavivou-a, tirou-lhe as roupas e sacudiu-as, pois algumas aranhas ainda ali se encontravam. Deu-lhe um copo de água.
--Ah – disse ela, voltando a si, depois de saborear a água – não aguento mais!
-- Acalma-te, Esmeralda. Vou telefonar ao teu médico, para que te venha ver.
Rodrigo Damba telefonou ao médico e, cerca de meia hora depois, o Dr. Fortunato Futika estava junto dela a examiná-la.
-- Não é nada grave – disse ele – apenas um grande susto. Vai tomar agora um calmante e depois tente descansar, dormir mesmo, se for possível. A Dona Esmeralda não tem guardas de segurança nas suas residências?
-- Não, ou por outra, tenho um contrato com uma empresa de segurança mas só para o período nocturno, isto é, das 18 às 6 da manhã. Uma vez que todas as minhas três casas se encontram situadas em lugar, digamos, privilegiado, onde quase nem à noite ocorrem actos de vandalismo, decidi que não seria necessário ter guardas de segurança durante o dia.
-- Mas se estes “ataques” prosseguirem, talvez seja melhor que a Dona Esmeralda reconsidere a sua decisão – disse o médico olhando para a janela por onde havia sido jogada a caixa das aranhas.
-- Ah, sim, estou a ver que sim… -- disse Esmeralda Sulana com um suspiro.

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Ao receber um telefonema de Esmeralda Sulana, a partir da sua casa da Vila Alice, a informar-lhe do episódio dos ratos e das aranhas, o detective AlfaZero começou a ficar preocupado. Afinal, não se tratava apenas de uma brincadeira. O caso era sério e, por conseguinte, com seriedade devia ser tratado. Entrou na sua viatura e rolou em direcção à Vila Alice para se encontrar com Esmeralda Sulana. Ao tocar a campainha da porta, foi recebido por ela própria.
-- Entre detective AlfaZero, sente-se aqui na sala.
-- Obrigado, Dona Esmeralda. Vejo que está bastante abatida!
-- Ah, detective AlfaZero, isto está a tornar-se insuportável para mim. Não estou habituada a estas coisas. Há momentos que o que me apetece fazer é começar a vender todos os meus bens, depois ir ao Banco efectuar a tal transferência e acabou-se. Não há nada como uma pessoa viver em paz.
-- Ah, lá isso é verdade, Dona Esmeralda. Como disse Baltasar Graciani, “Quem vive em paz, vive mais tempo”. Mas olhe, Dona Esmeralda, não se precipite. Aconselho-a a não fazer ainda a transferência. Vamos esperar mais uns dias e ver o que acontece. Entretanto, gostaria que me apresentasse aos seus colaboradores, aqueles que trabalham para si mais directamente.
-- Não há qualquer impedimento, detective AlfaZero. Vou levá-lo agora ao Dr. Alberto Justiniano, que é o administrador de todos os meus bens. Depois passaremos pelo meu financeiro e continuaremos pelos outros. Podemos ir os dois na minha viatura.

-- Então podemos ir – disse AlfaZero seguindo Esmeralda Sulana para a sua viatura.
AlfaZero iria ser, nos próximos instantes, testemunha ocular de mais um acto de intimidação cometido contra Esmeralda Sulana. Com efeito, ao abrir a porta da sua viatura, Esmeralda Sulana recuou apavorada.
-- O que é que se passa?! – perguntou o detective AlfaZero, aproximando-se.
-- Escorpiões, detective AlfaZero. Veja. Centenas deles espalhados por todo o lado. Oh, meu Deus! Que horrível.
-- Escorpiões! – Murmurou AlfaZero – ou lacraus, como também são conhecidos.
-- Deixe o seu carro aberto e vamos na minha viatura, Dona Esmeralda – sugeriu AlfaZero, puxando-a pelo braço.
-- Cobras, ratos, aranhas, escorpiões… detective AlfaZero, não sei se terei forças para continuar a suportar isto – disse Esmeralda Sulana com um suspiro de desalento.
-- Tenha coragem, Dona Esmeralda, e esperança de que alguma coisa se irá resolver – disse AlfaZero ao mesmo tempo que abria a porta da sua viatura.

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Saíram na viatura de AlfaZero em direcção ao escritório do Dr. Advogado Alberto Justiniano, administrador-geral de todos os bens de Esmeralda Sulana. Ao chegarem e antes de descerem da viatura, AlfaZero disse:
-- Será apenas uma apresentação breve, Dona Esmeralda, pois neste contacto o que pretendo é apenas conhecer pessoalmente os seus directos colaboradores.
-- Sim, detective AlfaZero, poderá conhecê-los todos ainda hoje. Depois de lhe ter apresentado ao Dr. Justiniano, levá-lo-ei ao financeiro, o Massano Miranda, depois ao meu médico, o Dr. Fortunato Futika, ao meu assessor económico, o Dr. Economista Ricardo Semião e, por fim, conhecerá a Dona Rosa Mariquinhas, que é a minha governanta-geral. Tenho tanmbém um jardineiro, o Sr. Jeremias Dombele, que me trata do jardim da casa do Alvalade mas ele só trabalha duas vezes por semana e hoje não é um desses dias.

Três horas volvidas, já Esmeralda Sulana havia apresentado todos os seus cinco colaboradores mais directos ao detective AlfaZero. Ao deixá-la na sua residência da Vila Alice, AlfaZero despediu-se dela, perguntando-lhe:
-- Dona Esmeralda, confia plenamente em todos os seus cinco colaboradores?
-- Nenhum deles, pelo menos até agora, me deu motivos para que não confiasse – respondeu, convicta, Esmeralda Sulana.
-- Pronto, Dona Esmeralda, eu vou andando. Mantenha-se calma e, caso se verifique qualquer outra anomalia, telefone-me imediatamente para me dar a conhecer.

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AlfaZero deixou a Dona Esmeralda Sulana e seguiu para o seu apartamento-escritório. No dia seguinte, depois de tomar o pequeno almoço, sentou-se e passou em revista o estado das suas investigações. “Quem quer que estivesse a amedrontar Esmeralda Sulana com o fim de a extorquir – pensou AlfaZero – “deveria estar a seguir-lhe os passos ou deveria ser alguém que estava a par da sua agenda de reuniões e contactos. Pelo menos era o que transparecia dos casos dos “ratos” na sua viatura quando ela se encontrava no escritório do seu financeiro e das “aranhas” quando se encontrava na sua residência do Miramar”. AlfaZero percorreu o pensamento pelos cinco colaboradores de Esmeralda Sulana, não tendo detectado, em qualquer deles, qualquer indício que o levasse a supor um envolvimento por parte de algum deles nos actos de intimidação a Esmeralda Sulana.

Estava AlfaZero embrenhado nestes pensamentos, quando recebeu uma chamada de Esmeralda Sulana, nos seguintes termos:
-- Alô detective AlfaZero! Esmeralda Sulana ao telefone. Olhe, neste momento estou no Ministério da Indústria numa reunião de empresários e acabei de receber uma chamada urgente e estranha da Dona Rosa Mariquinhas, a minha governanta, a partir da minha casa do Alvalade. Eu partirei para lá dentro de quinze minutos.

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Com efeito, a Dona Rosa Mariquinhas, ao chegar, naquele dia, à residência da Dona Esmeralda, no Alvalade, depois de ter saído da residência do Miramar onde havia efectuado as suas tarefas diárias, pegou no telefone, ligou para a sua patroa e disse, quando esta atendeu:
-- Dona Esmeralda, preciso de falar consigo urgentemente. Se puder, venha até ao Alvalade. Se não puder vir agora, veja o cartãozinho que vou deixar dentro da agenda telefónica.

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Esmeralda Sulana e o detective AlfaZero chegaram ao Alvalade, à casa de Esmeralda Sulana de onde a Dona Rosa Mariquinhas havia feito o telefonema, quase ao mesmo tempo. De facto, estava o detective AlfaZero a descer da sua viatura já em frente à casa, quando a viatura de Esmeralda Sulana estacionou junto à sua.
-- Detective AlfaZero, como está? – Cumprimentou Esmeralda Sulana estendendo-lhe a mão – vamos entrar e ver então o que a Dona Rosa tem para dizer. Ela parecia um pouco agitada quando me telefonou.
Atravessaram o portão e entraram para a varanda. A porta da sala estava entreaberta. Esmeralda Sulana empurrou-a e… exclamou:
-- Meu Deus!
Alfazero deu dois passos em frente, espreitou para dentro da sala e, vendo o corpo da Dona Rosa estendido no soalho, disse, surpreso:
-- A Dona Rosa! Estará morta?!
AlfaZero e Esmeralda Sulana entraram na sala e pareceu-lhes que a Dona Rosa estava morta.
-- A agenda telefónica – disse Esmeralda Sulana, olhando ansiosa para a mesinha do telefone. – Ah, está aqui!
Abriu-a e desfolhou-a avidamente à procura do cartãozinho que a Dona Rosa havia escrito.

Entretanto, nesse momento chegava ao local o Sr. Jeremias Dombele, o velho jardineiro, pois esse era um dos dois dias da semana em que ele tinha de tratar do jardim. Ao se certificar do que se havia passado, exclamou, mesmo antes de cumprimentar, olhando para o corpo da Dona Rosa Mariquinhas:
-- Isto deve ter sido um ataque de coração. Ah, a minha amiga Rosa Mariquinhas me deixou!
Entretanto, o detective AlfaZero virando-se para a Dona Esmeralda disse, ao mesmo tempo que pegava no seu telemóvel:
-- Vou telefonar a um médico e à AngoCrime.
-- Eu acho que o Sr. Rodrigo já foi chamar um médico – disse o jardineiro, o Sr. Jeremias Dombele – quando eu vinha, eu vi o Sr. Rodrigo a sair daqui apressado e depois vi-o a entrar no carro e a ir embora.
-- Você viu o Sr. Rodrigo a sair daqui, Sr Jeremias?! – Perguntou Esmeralda Sulana olhando-o directamente.
-- Vi sim, Dona Esmeralda. Quando eu vinha, eu estava ainda um pouco afastado, ele ia depressa e nem me viu. É por isso que eu penso que ele se calhar encontrou a Dona Rosa caída no chão e foi chamar um médico ou a polícia.
-- Mas você tem mesmo a certeza que era ele?
-- Ó Dona Esmeralda, então eu não conheço o marido da Senhora, o Sr. Rodrigo? Eu nem que visse o Sr. Rodrigo há um quilómetro eu saberia que era ele.
-- Não seria outra pessoa assim parecida com ele, com o mesmo andar… -- sugeriu AlfaZero.
-- Ó Senhor, eu estou velho mas ainda vejo muito bem. Eu ainda consigo ler, coisa que muitos rapazes novos não conseguem fazer. Eu vi muito bem que era o Sr. Rodrigo – disse, peremptoriamente, o velho jardineiro.
-- Para chamar um médico ou avisar a polícia, não seria necessário ele sair daqui. Podia fazê-lo por telefone – disse o detective AlfaZero pensativamente.
-- Também acho – acrescentou Esmeralda Sulana – e acho estranho ele ter encontrado a Dona Rosa morta e não me ter telefonado.

Entretanto, Esmeralda Sulana havia encontrado o cartãozinho que a Dona Rosa Mariquinhas havia deixado na agenda telefónica. Por outro lado, o Dr. Fortunato Futika, o médico pessoal de Esmeralda Sulana, havia sido chamado para examinar o corpo da Dona Rosa Mariquinhas.

Ao acabar de examinar o corpo da falecida, o Dr. Fortunato Futika, fez ouvir o fatídico veredicto:
-- Morte por asfixia.
-- Oh! – Disseram, ao mesmo tempo, Esmeralda Sulana, o detective AlfaZero e Jeremias Dombele, o jardineiro.



Entretanto Esmeralda Sulana virou-se para o detective AlfaZero, e disse, mostrando-lhe o cartãozinho que havia encontrado na agenda telefónica:-- Veja, detective AlfaZero, é este o cartãozinho de que a Dona Rosa me falou. Disse ela que, se eu não a encontrasse aqui, que procurasse um cartãozinho que havia de deixar dentro da agenda telefónica. E, efectivamente, deixou-o. Mas, infelizmente, sem o concluir. Mataram-na antes de ela ter acabado de escrever o que queria.
AlfaZero leu em voz alta as poucas palavras escritas pela Dona Rosa, momentos antes da sua morte:
“Dona Esmeralda, eu vi, na casa do Miramar, o Sr. “R”…”

-- Dona Esmeralda, vamos imediatamente para a casa do Miramar. Pode ser que encontremos lá alguma coisa de interesse.
-- Sim, boa ideia – disse Esmeralda Sulana ao mesmo tempo que se dirigia para a sua viatura.
AlfaZero entrou igualmente na sua viatura e as duas viaturas rolaram, a grande velocidade, para o Miramar. Entretanto, durante o percurso o detective AlfaZero telefonou ao Inspector Juvenal da AngoCrime, (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) informando-o do sucedido.

Ao chegarem em frente à casa de Esmeralda Sulana, no Miramar, encontraram duas crianças dos seus 10 / 12 anos a brincarem com uma caixa de papelão que continha lagartos dentro e, atirando pedras aos lagartos que iam saindo da caixa.
-- Onde encontraram essa caixa? – Perguntou-lhes AlfaZero.
Os miúdos, meio amedrontados, responderam:
-- Nós encontramos a caixa aí no lixo. Foi um Senhor que jogou aí. Nós pensamos que eram coisas velhas de chapas ou ferros para fazer os nossos carrinhos. Afinal tem lagartos lá dentro.
-- Vocês viram bem esse Senhor que jogou aí a caixa? – Perguntou AlfaZero aos miúdos.
-- Não, nós só lhe vimos quando ele jogou a caixa depois ele entrou no carro e foi embora.
-- Vocês viram de que cor era o carro dele? – Perguntou AlfaZero.
-- Era azul – disseram quase ao mesmo tempo os dois garotos – e nas portas tem assim uma parte que é amarela.
-- Parece ser mesmo o carro do Rodrigo – disse Esmeralda Sulana, pensativamente.
-- Esse Senhor era alto ou baixo? – perguntou ela esticando a sua mão direita para cima quando pronunciou a palavra “alto” e baixando-a quando pronunciou a palavra “baixo”.
-- Era alto, bem alto – disseram os dois garotos quase ao mesmo tempo, esticando as suas mãozinhas para cima da cabeça.
-- Acho que era ele mesmo – pensou Esmeralda Sulana.
-- Não façam mal aos lagartos, deixem-nos ir embora – disse AlfaZero, dando uma espreitadela para dentro da caixa.
-- Sim – responderam os miúdos começando a afastar-se e olhando, desconfiados, para AlfaZero e para Esmeralda Sulana.
AlfaZero olhou para Esmeralda Sulana, e disse:
-- Suponho que esta é a caixa que a Dona Rosa viu a ser colocada nalgum local dentro de casa e que foi isso que lhe custou a vida.
-- Vamos entrar, detective AlfaZero.
Esmeralda Sulana abriu a porta de entrada e entraram. Vistoriaram a sala de visitas. Nada de anormal. Percorreram os quartos e foram aos quartos de banho. Num dos quartos de banho AlfaZero viu, por trás da porta, um lagarto igual aos que se encontravam na caixa com que os garotos brincavam.
-- Olhe, Dona Esmeralda – disse AlfaZero apontando para o lagarto – aqui está um exemplar que conseguiu escapar-se da caixa.
Esmeralda Sulana olhou para o lagarto e disse, entre soluços:
-- Detective AlfaZero, quase não posso acreditar! Será que é o Rodrigo que me está a chantagear!? A assustar-me com cobras, ratazanas, escorpiões, lagartos?!? Para se apoderar do meu dinheiro?!
-- Acalme-se Dona Esmeralda – disse AlfaZero colocando uma das mãos sobre o ombro de Esmeralda Sulana -- a vida está cheia de surpresas. Umas boas, outras más. Devemos estar preparados para as receber.
-- Então o “R” escrito pela Dona Rosa no cartãozinho era mesmo o do primeiro nome do Rodrigo… disse Esmeralda Sulana ainda entre lágrimas.
-- Sim, Dona Esmeralda, infelizmente teremos de pensar assim. Mas vamos prosseguir com as investigações para melhor esclarecermos os factos. Com efeito, o “R” inicia o nome de uma pessoa que a Dona Rosa viu a fazer qualquer coisa. E será por isso que foi morta. Pois, provavelmente essa mesma pessoa assassinou-a para que ela não pudesse revelar a ninguém aquilo que tinha visto.
-- Meu Deus! O que terá ela visto?! – perguntou Esmeralda Sulana, olhando para todos os lados.
-- Penso que tenha sido alguma coisa relacionada com o que lhe tem estado a acontecer, Dona Esmeralda. E penso, como já lhe disse, que tenha sido a caixa de lagartos e que se destinava a assusta-la mais uma vez.
-- Detective AlfaZero, isto está a ir longe demais. Penso que talvez seja melhor que eu faça a transferência bancária.
-- Tenha calma, Dona Esmeralda. Diga-me uma coisa. Além do seu marido, de entre os seus colaboradores e pessoas do seu relacionamento há alguma cujo nome inicia com “R”?
-- De entre os meus colaboradores, apenas o Dr. Economista Ricardo Semião tem o “R” inicial no primeiro nome, isto é, “Ricardo”. Contudo, penso que se a Dona Rosa se referisse ao Dr. Ricardo Semião não escreveria “Eu vi o Sr.” mas sim, “Eu vi o Dr.” pois ela tratava-o por “Dr.” e não por “Sr”.
-- De qualquer forma, para efeitos de investigação, irei considerar como primeiros suspeitos deste caso Rodrigo Damba, o seu marido e o Dr. Ricardo Semião já que ambos têm o primeiro nome começado por “R” – disse o detective AlfaZero.
-- Oh, meu Deus, que eu dou em doida – disse, a soluçar, Esmeralda Sulana.
-- Regressemos para a casa do Alvalade, Dona Esmeralda, pois a AngoCrime já lá deverá estar para a remoção do corpo da Dona Rosa Mariquinhas.


Regressaram para o Alvalade e, com efeito, já lá estava a AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) para a remoção do corpo da Dona Rosa Mariquinhas. Depois dos devidos esclarecimentos por parte da Dona Esmeralda Sulana e do detective AlfaZero, relativamente à ocorrência da morte, o corpo foi removido e levado, para ser então determinada, com maior precisão, a causa da tragédia.

Depois do cadáver da Dona Rosa Mariquinhas ter sido removido de casa, a Dona Esmeralda Sulana e o detective AlfaZero despediram-se, tendo este ido para o seu apartamento-escritório e a Dona Esmeralda para a sua residência, na Vila Alice.

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Ao chegar à sua casa na Vila Alice, Esmeralda Sulana tocou à campainha mas ninguém respondeu, o que queria dizer que o marido não estava em casa, já que eles eram as únicas pessoas que ali viviam. Tirou um molho de chaves da sua pasta e abriu a porta. Ao entrar, viu uma folha de papel no soalho. Alguém deveria tê-la introduzido pela pequena abertura inferior da porta. Esmeralda Sulana abaixou-se para apanhar a folha de papel mas sentiu um arrepio a percorrer-lhe a espinha e recuou assustada. O que seria aquilo? – Interrogou-se ela. Baixou-se mais uma vez para apanhar a folha de papel e mais uma vez hesitou. Seria mais uma ameaça? Ou alguma mini-bomba disfarçada?

Estava ela naquela “do apanha, não apanha”, quando chegou o marido.
-- Ah Rodrigo, ainda bem que chegaste. Encontrei esta folha de papel aqui no soalho, dobrada em quatro, não sei o que será e estou com medo de a apanhar.
O marido aproximou-se, olhou para a folha de papel, tentou ver se tinha alguma coisa metida dentro, soprou para ver se ela se mexia e por fim, disse:
-- Não sei o que será isto, Esmeralda mas parece ser uma folha de papel “A4” normal… olha, eu vou apanhá-la pois não creio que esteja armadilhada.
Rodrigo Damba apanhou a folha de papel, olhou para ela de alto a baixo e, por fim, desdobrou-a. Nela vinha dactilografado o seguinte:

“Esmeralda Sulana: parece que ainda não te convenceste que tens mesmo de fazer a transferência bancária que te foi solicitada no dia do teu aniversário. Recebeste visitas de uma cobra artificial, de ratos, de aranhas e de escorpiões. A tua governanta-geral, a Dona Rosa Mariquinhas, foi morta hoje, como sabes. Todos estes actos constituíram a primeira fase do teu sofrimento. Esta primeira fase, terminou. Já que não te decides a efectuar a transferência bancária, iniciará, agora, a segunda fase do teu sofrimento. Esta segunda fase será mais assustadora, mais intensa, mais insuportável, mais desgastante. Prepara-te para a suportares.”

Ao acabar de ler a nota, Esmeralda Sulana empalideceu, os lábios secaram-lhe, o coração bateu-lhe desordenadamente. Estava assustada. Terrivelmente assustada. O que mais lhe iria acontecer?
O marido tentou acalmá-la:
-- Esmeralda, talvez seja preferível efectuares a transferência, a teres de suportar isto.
--Oh, Rodrigo, nem sei o que fazer. Por favor telefona ao detective AlfaZero e pede-lhe para vir cá à casa, se possível ainda agora.

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AlfaZero estava no seu apartamento-escritório a pensar num plano para testar se os dois suspeitos identificados até ao momento – Rodrigo Damba e Ricardo Semião – estariam, efectivamente, envolvidos nas práticas de intimidação de que era alvo Esmeralda Sulana. Estava ele embrenhado nestes pensamentos quando recebeu a chamada de Rodrigo Damba, o marido de Esmeralda Sulana, pedindo-lhe que se dirigisse com a máxima urgência possível à Vila Alice. Assim, trinta minutos depois já ele estava na sala de visitas de Esmeralda Sulana a ler a segunda nota que ela havia acabado de receber. Depois de a ler, AlfaZero virou-se para Esmeralda Sulana e disse:
-- Deve sentir-se completamente arrasada, Dona Esmeralda.
-- Detective AlfaZero, não imagina como me sinto. Estou com os nervos à flor da pele e estou terrivelmente assustada. O que me trará a 2ª fase do meu sofrimento? Tudo isto é horrível! Não acha que eu deveria fazer já a transferência bancária para acabar de vez com tudo isto?
-- Dona Esmeralda, espere só mais um pouco. Tenho um plano em mente, deixe-me testá-lo antes que faça a transferência – disse AlfaZero com ar sério. E, aproveitando-se de um momento em que o marido se afastou da sala, perguntou:
-- Dona Esmeralda, o seu marido costuma ler os jornais?
-- Ele é assinante do “Notícias da Manhã”. Ele gosta desse jornal porque traz muitos anúncios, especialmente de compra e venda de viaturas. Como ele tem um stand de aluguer de automóveis, geralmente compra, vende e até faz trocas de viaturas por intermédio desses anúncios.
-- E o seu assessor económico, o Dr. Ricardo Semião? Sabe se ele costuma ler os jornais?
-- Esse lê três ou quatro jornais diários, incluindo o “Notícias da Manhã”.e o “A Voz dos Acontecimentos”. Se você for ao escritório dele antes das 8 da manhã, já lá o encontra a ler os jornais. Mas… por que pergunta, detective AlfaZero?
-- Depois saberá, Dona Esmeralda. Bem, eu vou andando. Mantenha-se serena e não faça ainda a transferência. Vamos ver o que vai acontecer nas próximas horas.

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Ao sair de casa de Esmeralda Sulana e enquanto rodava em direcção ao seu apartamento-escritório, AlfaZero ia consolidando o seu plano. Há tempos, quando precisou de se deslocar a Malange para ali efectuar um trabalho, teve oportunidade de conhecer, naquela província, uma pessoa, o Sr. Katamba Kangulo que, segundo o que lhe dissera sabia “domesticar” jibóias, isto é, sabia como torná-las inofensivas extraindo-lhes o veneno e amansando-as, fazendo com que elas não atacassem pessoas ou animais que dela se aproximassem, desde que fossem alimentadas pelo menos uma vez por semana. Nessas condições, tais jibóias serviriam apenas para assustar, por exemplo, delinquentes que se aproximassem de casa para roubar ou animais ferozes e ladrões de gado que se aproximassem de currais para matar ou roubar gado. Ora, AlfaZero pensou que uma jibóia nessas condições serviria, perfeitamente, aos intentos da pessoa que estava a intimidar e que pretendia extorquir
dinheiro a Esmeralda Sulana e que essa pessoa não perderia a oportunidade de a obter, caso lhe surgisse essa oportunidade. O que ele iria, por conseguinte, fazer era deslocar-se a Malange, contactar o Sr. Katamba Kangulo, adquirir uma jibóia “domesticada” e trazê-la para Luanda. Em seguida, colocaria em vários jornais mais lidos na capital, incluindo o “Notícias da Manhã” e o “A Voz dos Acontecimentos”, um anúncio de venda da referida jibóia. AlfaZero adormeceu com este pensamento a bailar-lhe no cérebro e com a resolução de, no dia seguinte, viajar para Malange. E, com efeito, no dia seguinte, logo de manhã cedo, partiu para Malange. Chegado àquela cidade, contactou o Sr. Katamba Kangulo e voltou para Luanda com uma jibóia “domesticada”. Media cerca de 5 metros de comprimento e tinha um aspecto ameaçador, medonho, terrificante e assustador.

Logo depois de ter chegado a Luanda e já no seu apartamento-escritório, AlfaZero telefonou à sua amiga Briana tendo-lhe pedido que o viesse visitar. Cerca de 45 minutos depois, a campainha da porta tocou e AlfaZero foi abri-la. Era a Briana.
-- Então Briana, como tens passado? Tenho aqui uma coisa para te mostrar.
-- Sim?! Alguma coisa interessante? – Perguntou Briana, curiosa.
-- Bem, interessante não deixa de ser – respondeu o detective AlfaZero com ar misterioso – agora não sei é se será agradável à vista. Está dentro daquela caixa.
Briana aproximou-se da caixa, olhou para dentro da mesma, deu um salto para trás acompanhado de um grito e correu em direcção à porta de saída, completamente aterrorizada. O susto foi de tal ordem que ela não conseguia falar. AlfaZero puxou-a para si. O seu corpo tremia. AlfaZero tentou acalmá-la:
-- Pronto, Briana, já passou. A jibóia não faz mal. Está “domesticada”.
Briana conseguiu, por fim, articular umas palavras:
-- Não posso ficar aqui dentro com esse bicho aqui. Tenho de me ir embora.
-- Calma, Briana, eu chamei-te porque preciso da tua ajuda. Vamos para o escritório.
Já sentados no escritório de AlfaZero e já tendo Briana recuperado um pouco a serenidade, AlfaZero disse-lhe:
-- Briana, preciso da tua ajuda para o seguinte: quero que coloques um anúncio em alguns jornais de maior tiragem em Luanda, incluindo o “Notícias da Manhã” e o “A Voz dos Acontecimentos”.
-- Que anúncio, detective AlfaZero?
--Pega numa folha de papel e numa esferográfica para tomares nota. Será assim:

“Vende-se, por motivo de retirada e por bom preço, uma jibóia “domesticada”. A mesma mede cerca de 5 metros de comprimento e não ataca, nem pessoas, nem animais. É muito útil, porém, para assustar. Compre esta jibóia e durma tranquilo sem medo de delinquentes.
As pessoas interessadas deverão dirigir-se à casa nº 018, Rua dos Jardins, Bairro “Silencioso”, entre as 8 e as 12 horas, em qualquer dia da semana.”

-- Anotaste tudo, Briana?
-- Anotei, detective AlfaZero.

-- Okay, Briana. Agora escuta. Vais colocar o anúncio agora, para sair amanhã de manhã. Se for preciso pagar a urgência, paga-se. Amanhã de manhã, às 7 horas, vamos para a morada indicada no anúncio e que é uma casa desabitada que eu aluguei propositadamente para este fim. Levamos a jibóia e esperamos por compradores. Quem vai atender as pessoas interessadas és tu, Briana. Eu vou ficar escondido num quarto ao lado. O que eu pretendo com isto é ver se umas determinadas pessoas que eu tenho em mente aparecem para comprar a jibóia. E, além disso, eu quero que sejam essas mesmas pessoas a comprá-la. Entendeste? Por conseguinte, vamos usar uma táctica. Quando aparecer um comprador que não seja algum dos que eu tenho em mente, faço-te um sinal negativo pelo vidro da porta do quarto onde eu vou estar escondido e tu pedes um preço altíssimo, exorbitante, para que essa pessoa desista da compra. Se aparecer alguma das pessoas das que eu pretendo que faça a compra, faço-te um sinal afirmativo com a cabeça e tu baixas o preço o máximo que puderes para que a referida pessoa faça, mesmo, a compra. Compreendeste? Portanto, sempre que chegar alguém, tens de ter sempre a preocupação de olhar para o vidro da porta do quarto onde eu vou ficar escondido, para veres qual o sinal que te vou fazer. Entendeste tudo bem, Briana?
-- Entendi, entendi, detective AlfaZero. Agora não sei é se vou conseguir ficar ao pé desse bicho.
-- Oh, Briana, vais conseguir sim. Faz um esforço. Tem sempre presente que ela está “domesticada”.
-- Está bem, detective AlfaZero, vou fazer os possíveis de conseguir mas não sei se serei capaz!!
-- Tenta, Briana, tenta que vais conseguir.
-- Está bem, detective AlfaZero! Vou ver se consigo.

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E, pois, tudo correu normalmente. O anúncio saiu conforme solicitado. Às 7h30m da manhã, já AlfaZero, a Briana e a jibóia, se encontravam no Bairro “Silencioso”, Rua dos Jardins, Casa nº 018.

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Eram 8h10m quando já o primeiro comprador aparecia. Era uma senhora que, segundo disse, era coleccionadora de animais raros. Briana olhou para o vidro da porta do quarto onde AlfaZero se encontrava escondido e viu que este lhe fez um sinal negativo.
-- E quanto é que quer pela jibóia? – Perguntou a senhora, depois de ter passado o olhar pela caixa onde a mesma se encontrava.
-- Olhe, minha senhora, eu estou a prever que muitos coleccionadores passarão por aqui. Por essa razão, nesta altura o preço está bastante alto. Com efeito, neste momento estou a pedir o equivalente a 20.000 dólares americanos.
-- Vinte mil dólares americanos?!! Nem pensar nisso. Eu desisto. Possivelmente voltarei daqui há mais uns dias para ver se conseguiu vendê-la e se resolveu, entretanto, baixar o preço. E a senhora despediu-se e saiu.

Por volta das 8h50m apareceu um indivíduo que disse que precisava da jibóia para guardar o gado que possuía na sua quinta. Briana recebeu um sinal negativo de AlfaZero e avançou o preço de 20.000 dólares ao homem. O homem engoliu em seco, coçou a cabeça e saiu, dizendo que ia pensar.

Eram cerca de 9h15m quando entraram dois indivíduos. AlfaZero reconheceu-os. Tratava-se de Rodrigo Damba, o marido de Esmeralda Sulana e Massano Miranda, o seu financeiro. Briana olhou para o vidro da porta e AlfaZero fez-lhe um sinal afirmativo com a cabeça.
-- Muito bom-dia minha senhora. Nós viemos responder ao anúncio da jibóia.
-- Ah, com certeza – disse a Briana -- podem vê-la naquela caixa.
Rodrigo Damba e Massano Miranda aproximaram-se da caixa onde estava a jibóia e contemplaram-na.
-- Serve perfeitamente para aquilo que queremos – disse Rodrigo Damba virando-se para a Briana. – Sabe, é que nós temos uma pequena fazenda com algumas cabeças de gado e então este bicho fazia-nos um jeitão para amedrontar os ladrões de gado. Por quanto é que a está a vender, minha Senhora?
-- Olhe, eu estou a vendê-la por motivo de retirada, pois vou viver noutro país e, nestas condições, como os senhores devem calcular, o preço não poderia ser muito alto, pois tenho urgência em vendê-la. Eu até vou pedir que os senhores façam uma oferta. Se eu concordar com a quantia que os senhores oferecerem, o negócio está feito.
Rodrigo e Massano, entreolharam-se.
-- Quanto é que vamos oferecer? – perguntou Rodrigo, olhando, novamente, para a jibóia.
Massano Miranda olhou, por sua vez, para a jibóia e respondeu:
-- Quinhentos dólares não seria má compra.
-- Minha senhora – disse Rodrigo virando-se para a Briana – se lhe oferecermos quinhentos dólares americanos a senhora aceita?
-- Bem, eu estava a contar com, pelo menos, mil mas está bem, dadas as circunstâncias, aceito os quinhentos. Pronto, negócio fechado.

Rodrigo e Massano pagaram a quantia acordada, pegaram na caixa da jibóia e saíram em direcção à viatura em que tinham vindo.

AlfaZero saiu do seu “esconderijo”, pegou na mão de Briana e disse:
-- Vamos, Briana. Vamos ver se a jibóia será mesmo utilizada para assustar ladrões de gado.

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AlfaZero e Briana não perdiam de vista a viatura em que seguiam Rodrigo Damba, Massano Miranda e a jibóia. Estavam, neste momento, a rolar na estrada da Samba em direcção à Mutamba. Seguiam devagar, pois o trânsito apresentava-se denso. Antes do Supermercado “Zamba 2”, viraram à direita para a rua “Comandante Arguelles”, passaram pelo Hospital do Prenda e entraram na “Revolução de Outubro”. AlfaZero ligou para Esmeralda Sulana para saber onde ela estava. Estava no “Hotel Peninsular”, numa reunião organizada pela Câmara de Comércio.

Rodrigo e Massano seguiram pela “Revolução de Outubro” e AlfaZero e Briana não os largavam. No Largo da Maianga curvaram à direita e, passados cerca de cinco minutos, paravam um pouco antes do “Hotel Peninsular”. Não desceram da viatura.
-- Penso que a isca vai picar – disse AlfaZero olhando para a Briana.
Pouco tempo depois, a viatura onde seguiam Rodrigo e Massano avançou, lentamente, e parou mesmo em frente ao Hotel Peninsular, entre outras viaturas ali estacionadas.
AlfaZero voltou a telefonar para Esmeralda Sulana e perguntou-lhe qual era a sua viatura e onde a mesma estava estacionada. Era um “Mercedes” quatro portas, de cor amarela, com uma faixa preta nas portas. Estaca estacionada mesmo em frente ao hotel.
Rodrigo Damba e Massano Miranda desceram da viatura. Olharam para todos os lados e sentiram-se à vontade. Em seguida, Rodrigo Damba tirou uma chave do bolso e abriu a porta do Mercedes de Esmeralda Sulana, enquanto Massano Miranda pegava na caixa da jibóia e a levava para o Mercedes, tendo a jibóia sido então introduzida na viatura de Esmeralda Sulana Nesta altura, AlfaZero saiu da sua viatura e aproximou-se rapidamente da viatura de Esmeralda Sulana. Rodrigo e Massano já tinham fechado as portas do Mercedes. Ao verem o detective AlfaZero, exclamaram surpresos:
-- Detective AlfaZero! O que faz por aqui?!!
-- Vim cá ver o que estava dentro desta caixa e que vocês acabaram de meter dentro do carro de Esmeralda Sulana – disse, calmamente, AlfaZero, apontando para a caixa vazia de papelão que se encontrava no chão.

Rodrigo Damba e Massano Miranda ficaram atrapalhados não sabendo o que dizer. Haviam sido caçados em flagrante. A jibóia lá estava dentro da viatura de Esmeralda Sulana, a negar qualquer tentativa de fuga ao crime por parte deles.
-- Ó Sr. Guarda – chamou AlfaZero virando-se para um guarda de segurança que, entretanto, se aproximava – não deixe estes dois senhores saírem daqui.
E, pegando no seu telemóvel, ligou para o Inspector Juvenal da AngoCrime (Agência de Investigação e Notificação de Crimes) para que enviasse uma viatura ao Hotel Peninsular. Telefonou depois para Esmeralda Sulana para que descesse e viesse até à sua viatura pois estava “alguém” dentro da mesma à sua espera.

Passados alguns minutos, Esmeralda Sulana apareceu. Ao aproximar-se da sua viatura, parou, surpresa. Olhou para o marido, para o seu financeiro e depois para o detective AlfaZero, com ar interrogador.
-- Dona Esmeralda – disse AlfaZero – “alguém” está dentro da sua viatura, à sua espera. Veja quem é.
Desconfiada, Esmeralda Sulana avançou e espreitou para dentro do seu Mercedes. Ao ver a jibóia, deitada no banco de trás, com a cabeça levantada, recuou apavorada enquanto da sua garganta saía um grito de terror. Teve de se encostar a uma viatura ali estacionada para não cair. AlfaZero aproximou-se dela e amparou-a.
--Oh, meu Deus! – gemeu ela – já não aguento mais!
Nesse momento, chegava ao local um carro da AngoCrime com o Inspector Juvenal e dois investigadores, o Tobias e o Tibúrcio.
AlfaZero virou-se para Esmeralda Sulana e disse, olhando para Rodrigo Damba e Massano Miranda:
-- Já não terá mais nada para aguentar, Dona Esmeralda. O seu pesadelo acabou. As pessoas que a faziam sofrer, já foram apanhadas. Estão ali. – e AlfaZero apontava para Rodrigo Damba e Massano Miranda.
Esmeralda Sulana não queria acreditar.
-- Tu, Rodrigo?! – dizia ela apontando o dedo indicador ao marido – tu tiveste coragem de me fazer isto? És um miserável! Nunca mais te quero ver!
Rodrigo baixou a cabeça envergonhado e não disse palavra. E, virando-se para o seu financeiro, Esmeralda Sulana, disse:
-- E você, Massano, também nunca mais o quero ver. Seus patifes, seus desavergonhados! E, dizendo isto, virou-lhes as costas.

O Inspector Juvenal, da AngoCrime, observava a cena em silêncio. AlfaZero virou-se para ele e disse-lhe:
-- Inspector Juvenal, veja a linda beldade que se encontra dentro daquele Mercedes.
O Inspector Juvenal esticou o pescoço para o Mercedes e disse:
-- Beldade?! Aonde? Não vejo nada…
-- Aproxime-se um pouco, Inspector, e já a vai ver. Está no banco de trás. É linda – disse, AlfaZero.
O Inspector Juvenal avançou uns passos, olhou para dentro do Mercedes, viu a jibóia e não pôde reprimir uma exclamação de surpresa e pavor.
-- Ah, oh, que bicho! Estou todo arrepiado. Eu não posso ver isto. Hoje já não vou conseguir dormir só de pensar nela. Mas como é que ela se meteu aí dentro?
-- Pergunte àqueles dois senhores, quando os levar para interrogatórios – disse AlfaZero apontando para Rodrigo Damba e Massano Miranda.
O Inspector Juvenal olhou para eles de alto a baixo e disse, indicando a viatura da AngoCrime:
-- Entrem naquele carro. Vamos até à AngoCrime para nos explicarem algumas coisas. Tobias, Tibúrcio, acompanhem-nos.

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Entretanto, a autópsia ao cadáver da Dona Rosa Mariquinhas revelou que ela fora assassinada por asfixia, conforme havia diagnosticado o Dr. Fortunato Futika. A AngoCrime decidiu entregar este caso ao detective AlfaZero pois tudo indicava que o mesmo estava relacionado com o caso da tentativa de extorsão de dinheiro a Esmeralda Sulana, que ele estava a investigar.

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O detective AlfaZero tinha como suspeitos pela morte da Dona Rosa Mariquinhas, Rodrigo Damba (o marido de Esmeralda Sulana) e o Dr. Economista Ricardo Semião (assessor económico de Esmeralda Sulana) pelo facto de o 1º nome de Rodrigo Damba e do 1º nome de Ricardo Semião iniciarem com a letra “R”, a letra que fora escrita no cartãozinho deixado por Rosa Mariquinhas pouco antes de ela ter sido assassinada.

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Depois dos últimos acontecimentos, porém, o detective AlfaZero incluiu na lista de suspeitos Massano Miranda, o financeiro de Esmeralda Sulana e cúmplice de Rodrigo Damba o marido de Esmeralda Sulana, pelo que havia agora três suspeitos pela morte da Dona Rosa Mariquinhas, nomeadamente, Rodrigo Damba, Massano Miranda e Ricardo Semião.

Para AlfaZero, o caso apresentava a seguinte configuração:

1) – A pessoa que foi vista pela Dona Rosa Mariquinhas, na casa do Miramar de Esmeralda Sulana, no dia em que Rosa Mariquinhas foi assassinada, e que ali se encontrava a fazer qualquer coisa que a comprometeria, tinha a letra “R” como inicial do seu 1º nome e era uma pessoa do sexo masculino. (Em conformidade com o que a Dona Rosa Mariquinhas deixou escrito no seu cartãozinho. Por aquilo que se depreende do cartãozinho, essa pessoa era conhecida tanto da Dona Rosa Mariquinhas como de Esmeralda Sulana).

Recordemos o que dizia o cartãozinho da Dona Rosa Mariquinhas:
“Eu vi, na casa do Miramar, o Sr. “R”…”

2) – As pessoas do sexo masculino mais chegadas a Esmeralda Sulana cujo primeiro nome tinha a letra “R” como inicial, eram Rodrigo Damba (o marido) e Ricardo Semião (o seu assessor económico).

3) – Quer dizer que, em princípio, a pessoa que foi vista pela Dona Rosa Mariquinhas, na casa do Miramar, e que depois poderá tê-la seguido para a casa do Alvalade para ali a assassinar, para que ela não revelasse o que havia visto, ou havia sido Rodrigo Damba, ou Ricardo Semião. (Uma vez que os dois têm a letra “R” como inicial dos seus primeiros nomes.)

4) Porém, caso o Sr. Jeremias Dombele (o jardineiro da casa do Alvalade) estivesse a dizer a verdade quando disse que havia visto Rodrigo Damba a sair da casa do Alvalade momentos depois do assassinato da Dona Rosa Mariquinhas, (e tudo levava a crer que sim, que ele estava a dizer a verdade) então tal seria mais uma prova contundente contra Rodrigo Damba, o marido de Esmeralda Sulana.

5) Os últimos acontecimentos (caso da jibóia) revelaram, porém, que Rodrigo Damba (o marido de Esmeralda Sulana) e Massano Miranda, (o assessor financeiro de Esmeralda Sulana), eram as pessoas que a estavam a intimidar para a forçarem a efectuar a transferência bancária.

6) Tal quer dizer que, Massano Miranda (o assessor financeiro de Esmeralda Sulana), deveria ser incluído na lista de suspeitos pois, embora o seu primeiro nome não começasse pela letra “R” poderia ter sido ele o assassino da Dona Rosa Mariquinhas, a mando de Rodrigo Damba.

7) Este raciocínio indicava que Rodrigo Damba apresentava 99,9% de probabilidades de ter sido ele o assassino da Dona Rosa Mariquinhas.
PORÉM… como foi dito no ponto “6”, o assassino da Dona Rosa Mariquinhas poderia ter sido igualmente Massano Miranda (o assessor financeiro de Esmeralda Sulana e cúmplice de Rodrigo Damba).

8) Deste raciocínio, AlfaZero concluiu que as três pessoas indicadas poderiam ser consideradas suspeitas pelo assassinato da Dona Rosa Mariquinhas, pela seguinte ordem e com a seguinte percentagem de probabilidades de culpabilidade:
a) – Rodrigo Damba – 99,5 %;
b) – Massano Miranda –0.4%;
c) – Ricardo Semião ----0.1%.


Para dar prosseguimento à sua investigação de forma mais eficaz, o detective AlfaZero decidiu considerar como suspeito pela morte da Dona Rosa Mariquinhas apenas Rodrigo Damba, o marido de Esmeralda Sulana, já que todas as provas disponíveis apontavam para ele. Só se fosse provado que não havia sido ele o assassino, é que se viraria, então, para Massano Miranda e para Ricardo Semião.

Mas como provar? Como provar que tinha sido, efectivamente, Rodrigo Damba o assassino da Dona Rosa Mariquinhas?

AlfaZero decidiu jogar diplomaticamente. Quer dizer, uma vez que Rodrigo Damba havia sido apanhado em flagrante num acto de intimidação a Esmeralda Sulana (no episódio da jibóia) e já que todas as suspeitas apontavam para ele, AlfaZero decidiu ir falar com ele e, muito engenhosamente, levá-lo a dizer a verdade sobre o crime, fazendo-o pensar que AlfaZero já tinha conhecimento de que havia sido ele o assassino da Dona Rosa Mariquinhas. Ele então só teria duas hipóteses: ou confessar, ou negar. Caso confessasse, o problema estaria resolvido. Caso negasse, a investigação prosseguiria para se detectar o verdadeiro assassino. Com este pensamento em mente, AlfaZero decidiu deslocar-se à AngoCrime para dali ser conduzido ao local onde se encontrava Rodrigo Damba, em prisão preventiva. Ao chegar ao local onde havia sido alojado Rodrigo Damba, AlfaZero disse, colocando uma das mãos sobre o seu ombro:
-- Senhor Rodrigo Damba, agora que estamos sós, quero dizer-lhe que lamento muito ter feito o que fez à sua esposa. Ela gostava e se calhar ainda gosta muito de si, sabe?
-- Eu sei -- disse Rodrigo Damba, metendo a cabeça entre as mãos a soluçar – não sei o que me deu na cabeça de fazer isso Sr. Detective AlfaZero. Estou tão arrependido, tão arrependido…
-- A sua esposa é muito boa pessoa. Não calcula o que lhe custou ter de se separar de si. E não imagina como ela sofre por aquilo que você lhe fez.
-- Oh, Sr. Detective AlfaZero, se ao menos ela me perdoasse, para continuarmos a viver juntos depois de eu cumprir a minha pena – disse, ainda, Rodrigo Damba com voz chorosa.
E, agora, AlfaZero iria lançar a rede que o iria enredar, caso tivesse sido ele o assassino de Rosa Mariquinhas. Muito calmamente e com uma voz sentida, disse:
-- Senhor Rodrigo, tenha calma, pode ser que a sua esposa ainda o perdoe. Se você cooperar com a justiça a sua pena poderá não ser muito longa, e ainda poderá voltar a viver com a sua esposa, caso ela venha a perdoá-lo. A sua pena até não seria muito longa se você não tivesse morto a Dona Rosa Mariquinhas. Mas… Sr. Rodrigo, o que é que lhe deu na cabeça de matar a Dona Rosa Mariquinhas?! Você poderia ter evitado isso…

Rodrigo Damba olhou para AlfaZero com um olhar interrogador como que a perguntar como é que ele sabia que ele havia assassinado a Dona Rosa e… com a cabeça baixa disse, com uma voz entrecortada de soluços:
-- Senhor detective AlfaZero, isso tudo foi por causa dessa maldita transferência que nós queríamos que ela fizesse. Eu até já queria desistir disso mas o Massano insistiu comigo e eu continuei. Ele ameaçou-me dizendo que se eu desistisse ele iria contar tudo à Esmeralda. Nós queríamos assustá-la a tal ponto que ela não hesitasse em fazer a transferência. Então, resolvi colocar na nossa casa do Miramar, uma caixa que continha dezenas de lagartos grandes por cima da porta da casa de banho. A referida caixa, com os lagartos, seria colocada de tal forma que, quando a Esmeralda abrisse a porta da casa de banho, a caixa abrir-se-ia e cairia mesmo por cima dela. Os lagartos, então, andariam por cima do seu corpo ou entrariam mesmo para o interior das suas roupas. De repente, sem que eu contasse, a Dona Rosa Mariquinhas chegou e viu-me a fazer aquilo. Então, disfarcei o mais que pude, fingi que estava a consertar uma tomada eléctrica na casa de banho e depois, sem que ela me visse, peguei na caixa dos lagartos e joguei-a no lixo.

Contudo, fiquei sempre receoso que a Dona Rosa contasse o que vira à Esmeralda. Então, entrei na minha viatura e esperei, um pouco à frente pela Dona Rosa Mariquinhas. Assim que ela saíu, eu segui-a até à casa do Alvalade. Um pensamento tenebroso me passou pela cabeça. Matá-la, antes que ela contasse alguma coisa à Esmeralda. A princípio pensei em matá-la ali mesmo mas depois, nem sei bem porquê, resolvi segui-la até à casa do Alvalade e então, ali, matei-a. Oh, Sr. detective AlfaZero, custou-me tanto matá-la mas não tive outra alternativa. Oh Dona Rosa, perdoe-me! Eu sou um malvado! Um besta! Um miserável!

E, Rodrigo Damba, acompanhava estas palavras com um choro de criança. Depois de um pequeno silêncio, prosseguiu:
-- Mas foi o Massano que me induziu a tudo isto. Foi ele que me empurrou para estes maus caminhos. Foi ele que me desviou da minha vida, com promessas de que iríamos ficar ricos e que depois, os dois, iríamos abrir um grande negócio nas Ilhas Palmar. E, afinal, perdi tudo. A minha mulher, o meu negócio, a minha família, a liberdade, tudo. Oh, Sr. Detective AlfaZero, isto é doloroso!
AlfaZero pôs uma das mãos sobre um dos ombros de Rodrigo Damba, e disse:
-- Sr. Rodrigo Damba, a ambição maldosa é causa de infelicidade. Vai ter de pagar pelo que fez. Colabore sempre com a justiça, dizendo sempre a verdade e tudo correrá melhor.

E AlfaZero afastou-se do local, devagar, ao mesmo tempo que desligava o mini-gravador digital em que acabara de gravar as palavras de Rodrigo Damba.


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Para terminar, apraz-nos dizer que Rodrigo Damba e Massano Miranda foram, na devida altura, julgados e condenados pelos crimes de tentativa de extorsão, intimidação, e lavagem de dinheiro. Rodrigo Damba teve, ainda, a sua pena agravada pelo assassinato da Dona Rosa Mariquinhas.

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Quanto a Esmeralda Sulana, continuou a sua actividade normal, sem quaisquer outros pesadelos a perturbarem a serenidade da sua interessante e laboriosa vida. A sua denominação de “A Pantera dos Negócios” continuou a ser, cada vez mais, plenamente justificada.
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Quanto à jibóia, o detective AlfaZero resolveu ofertá-la a um jardim zoológico tendo entretanto ele, acompanhado do Inspector Juvenal, de Briana e de Esmeralda Sulana posado, junto dela, para uma fotografia que ficará para a posteridade.

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Escrito por
Helder Oliveira
(Helder Ferreira de Oliveira)
(Do Livro (não publicado)
“Detective AlfaZero em AcçãO"
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-- Helder Oliveira --
(Helder de Jesus Ferreira de Oliveira)


 
Autor
HelderOliveira
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/10/2014 16:46  Atualizado: 05/10/2014 16:46
 Re: Extorsão Frustrada
uma tramóia e tanto essa, de onde menos se espera é q vem o tiro rssrs,foi tanto dinheiro exigido q n consigo ter ideia, agora fiquei com muita pena da mariguinhas ter o final q teve coitada, os pobres sempre são castigados bem mais q os ricos,tudo bem q os dois fulanos foram presos,mas agente já sabe no q dar cadeia pra criminosos ricos.