Poemas : 

TENHO MEDO

 
António Casado__________ 15 Abril 2009
Publicado__________ Clamor do Vento
Registado __________ Depósito legal 306321/10
Editora__________ WorldArtFriend
Trabalho__________


TENHO MEDO
-


Chove…

As ruas estão desertas, sem luzes nem sombras, vazias…
Apenas um ou outro veículo lambe as pedras encharcadas
Dos meus passos sem sombra…
No negro céu nem uma estrela acena.
Nem o vómito de um grito bêbado trespassa o ar
De lanças e lágrimas enforcados…

Chove…

O choro das folhas perdidas das árvores
Rompe-me os tímpanos com violência…
Até elas estão sós nesta noite moribunda…!

Tenho medo!
Fixo o olhar nos troncos húmidos e imploro protecção.
O negro investe pela minha alma dentro como um fuzil
E dispara… dispara… dispara…
Tenho medo!

Atiro à sarjeta o coração aflito…
Como um louco piso-o
Espanco-o
Amaldiçoo-o…
Porque me tortura assim?
Tenho medo…

Tão molhado como as ruas
Que evaporam os sonhos no ácido da minha dor
Arrasto-me sobre as pedras inúteis
À procura de um cartomante
Que num oculto Tarot de mágoas e magias
Me diga que sim, que é verdade, que vais voltar
Nesta noite falsa e hipócrita
Onde a mente torturada se embriaga de frio e tédio.

Naquela viúva sala de mistérios e encantos
Imploro à caixinha dos búzios
O som dos teus passos a cruzar a noite de mim.
Abraço Exus, Caboclos, Orixás
Expostos num assentamento de piedosa radiação
Para que sintam este coração retalhado
E tragam até mim o brilho do teu olhar…
- Vistam-me de coragem, ó Génios da vida!

Tenho medo…

Ergo os olhos lacrimejados para o céu
Grito a todos os pêndulos que acariciem a dor
Com largas e compridas garras felinas
Aprumem a felicidade
No movimento oscilatório do teu másculo peito
Para que todos os incensos queimem no enxofre
O delírio da chuva que cai e me atormenta.

No espaço ilimitado da loucura
Peço a Santa Bárbara que numa espiga de trigo e mel
Imunize do sofrimento este peito ferido…
- Que um raio se solte do teu manto de luz
E rasgue as trevas imundas deste viver tirano e cruel!

Diante das ondas que fustigam impiedosamente os rochedos
Num frasco de vidro enrosquei a agonia
E esperei que o manso ou terrível ondular a afogasse…
Vi Janaína levantar-se na invisibilidade da beleza
Vestida de algas medusas e luar
No cabelo, uma galáctica de estrelas prateadas…
Ajoelhei-me como o mais mísero mendigo
Chorei
Reclamei
Supliquei…
- Mãe de todos nós, Abençoada Iemanja,
Cura a chaga que me destrói de tanto padecimento!

Aflito, o grito nem é grito… é pura desolação
Alma gémea de um desespero qualquer
Internada no hospício dos esquecidos de viver
Onde as cordas da forca são exibidas
Com o mesmo sorriso leviano e cínico
Com que maltratam e corrompem a vida!

Chove…
Ocultam-se as lágrimas nas gotas do céu…

Em chaga os joelhos já não doem…
É tanta a insana angústia
Tanto pedido de misericórdia
Tanta crença em tudo que pode ser tanto
Que já não tenho ânimo para tanto crer
Nem vontade para tanta existência!

Tenho medo…

Só nesta tenebrosa noite sem relâmpagos
Que incendeiam os sentimentos estrangulados
Numa igreja conspurcada pelo vício da intolerância
Procuro água benta na pia baptismal das crenças
Para expurgar a carne e a alma da tua ausência…
- Ai, a vontade de te ter supera a punição do pecado!

Na magnânime escadaria de uma capela
Abandonada aos répteis da consciência
Arranco os pregos de platina dos crucifixos de ouro
Cravo-os no peito com determinação
Enquanto escamoteio uma oração piedosa
A todos os “Jesus” mortos pelo mundo
Em nome de uma paz que nos sacrifica na guerra:
- Traz-me aquele sorriso tão lindo
Que extasiava de prazer o meu sangue!

Oh poderosos Alás, que habitais o universo
Pelos quais multidões de batinas brancas se curvam
Num pedido de clemência e obediência cega!
Poderosos Maomés de espadas empunhadas
Generais dos exércitos que comandam o sol
Pelos quais outros povos gemem ténue devoção!
Grandiosos Budas recolhidos sobre a copa das árvores
Mananciais de sabedoria e incompreensão
Pelos quais os fascinados derramam a alma!
Afastai da humildade do meu corpo vil e perdido
A espinha aguçada da frivolidade
De nada ter importância quando tu não estás!
Embruteçam de rochas este sentir imundo
Este amor transcendente e humano
Para que ria como um louco
Circunscrito à loucura de uma gargalhada!
Que ria… ria… ria…

Ah! Quero dormir!
Oh lua branca! Lua manchada de negro e frio!
Lança o meu coração esmagado contra os penedos
Erguidos no parapeito deste imenso vazio
Que me tritura de espasmos e horrores!
Arremessa ao ar foguetes de recordações esquecidas
Nos anais de uma agonia supostamente cruel e permanente
Para que o futuro seja lido numa página amarelecida pelo passado
E doa menos que este presente delinquente e infeliz!
- Traz-me aquele que amo na nesga de um raio de algodão…

Oh lua! Poderosa lua! Lua que me fizeste apaixonado!
Arranca de mim a obscuridade da paixão
O vício do desejo
Para que não ame
Não queira
Não espere…

Poderá um condenado aspirar alguma vez
À razão e à calma?

Porque me abandonaram todos?!
Porque me deixaram agonizante num chão sem valor?

A fome que passo não é saciada pela presença da esperança
Nem pela beleza do amor…

Porque me ferem as luzes do dia que não vem?
Porque não brilha o sol e ilumina esta estrada
Que apenas a mim conduz?
Porque me abandonaram à mais torturante paixão
De num momento ter o mundo numa vénia a meu pés
E noutro ter o deserto a empolar os sentidos?

Estou cansado…
Tão só
Que nem o riso de uma criança
Provocaria um sorriso em mim…

Chove…
Inundado meu espírito
Deixo-me naufragar
Num poço de martírios…

Oh almas!
Em quantos cemitérios vos adverti
Que não queria amar
Que tinha medo de sofrer?
Porque me viraste as costas
Insensíveis ao vazio deste temor
De acres odores?

Chove…
Amanhã talvez as lágrimas
Tragam contigo o perfume das flores…

 
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acasado
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