Poemas : 

O Voo do Phenex

 
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Agora a crispa chispa
na crista da onda
da vela preta.
A vela grita
o chiste do tempo,
o ato falho
que nunca tarda
na gafe
do golpe
do golfo,
do vômito
de letras tortas
e ideias mortas
no microcosmo de mim.


Sinto a verve
pelas entranhas.
Na barriga.
Como sentí o amor
ou as borboletas
do estômago,
como sinto
as coisas
e a gastrite
e os peidos
por dentro de mim
a existirem
podres,
metanos,
metais
da ignorância das minhas
entranhas
que sentem
poemas de ferro
que pulsam
vermelhos
no verso
do avesso de mim.


Bela noite para poema turvo.
Um poema sujo passado na água sanitária.
Um poema de respingos de merda
na louça branca.
Branca.
Branca.
Pingada de merda.
Merda cor de burro
quando foge,
merda certa,
anarquista,
fugitiva do vão aquático
da latrina.
Merda artística,
pareidolia fecal.
Escatologia
dos poemas noturnos
à luz de velas.
Poemas sujos.
Turvos.
Turvos.
Poemas que dão soco
no muro escuro
e o escuro
é claro
como a latrina
e a merda toda.

Sou do pai das luzes.
Do que pariu de sua cloaca
os fótons iluminados,
os vagulmes alados
dos meus paraísos artificiais.

Sou filho do pai das luzes.
Luz e fé.
Fé na luz que dá em pé,
no poste
nas ruas da cidade.
Nas pontas
das cabeças de fósforos.
Fiat Lux.
Faça-se luz
sobre as trevas
e verbo na erva
desse poema louco.
Na relva de gênesis
e éden
e luz.
A serpente e a maçã.
A luz do amanhã.
Lúcifer.
No sol
e na bandeja para Rita Lee,
cantando fino ave lúcifer,
e a serpente ali
enrolada nos seus pés.
Você caminhando sozinho
no escuro,
no claro,
de noite,
de morte,
de dia,
Ave Maria!
Mãe de lúcifer,
mãe do cristo.
Antes,
anti,
Anti-cristo.
Viva, viva!
Fogo dito!
A vela acesa
é o grito.

Há uma certa dor
mas a verve ainda está.
Vibra tão forte o espírito,
que mal consigo mastigar
o alimento
que tento colocar
na boca
que fala palavras pra dentro.
No refluxo do fluxo
de consciência.
Tenho que parar
com recursos de inteligência
pra deixar a coisa vir,
ciência
de outros mundos
que cavalgo na velocidade das letras
do meu teclado.
A pena moderna
sem eras
dos poetas de hoje
que sou,
que são,
que pão?
Pão que o diabo ama, sou.

A liturgia sagrada de um poema
é uma espera de um embrião qualquer,
uma força que chega e te convence da palavra.
Nem todos podem fazer poemas.
Porque não sentem a palavra no seu sentido sagrado.
Não conseguem vibrar pelas
escansões
ou pelas canções
que fazem as sílabas
nos confins do universo
a cada fim de um verso.
Verso não tem fim.
São oito.
Deitado.
Infinito
e sagrado.

Vejo a criança que nasceu
no invólucro que eu
conhecera desde antes.
Mas um antes tão pouco,
tão perto do agora
que o infante sem demora
parece mais um assombro.
Um assombro do tempo.
Que passa.
Passou tanto
que a pessoa ama,
a pessoa casa,
a pessoa tem filhos
que nascem,
abrem os olhos,
Enquanto eu ainda estou aqui.
Fazendo o quê?
Fazendo algo
que não filhos -
isso o sei.
Não faço filhos.
Não planto árvores.
Não escrevo livros.
Eu escrevo poemas sobre árvores
e imagino livros que penso em escrever
um dia.
Um dia talvez, à sombra de uma árvore,
livros para ler aos meus filhos
ou aos filhos dos meus filhos,
ou aos filhos de Adão.
Todos eles.
O filho da amiga
nasce.
O tempo passa.
O tempo passa
e eu faço o quê?
Eu sobrevivo apesar de mim.
Apesar dos dias de começo e fim.
Apesar da ausência de sim
quando eu desejo
quando eu desejo tanto...
Sinto pavor e espanto
desse tempo
fronteiriço,
úmido
e que passa diferente
aos outros,
sobretudo a mim.
O meu tempo não tem fim.
Até enquanto eu durar!
Eu não tenho tempo.
Eu não sei voar.


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Autor
thiagodebarros
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 22/10/2014 06:36  Atualizado: 22/10/2014 06:36
 Re: O Vôo do Phenex
Belíssimo!